Caro leitor ou leitora,
Quando recebi ontem às 11 da noite esse texto da coluna do Douglas Mendonça, meu primeiro pensamento foi negar a publicação, uma vez que o regime editorial do AE não prevê (e por conseguinte não permite) contestação entre autores e, no caso, colunistas, simplesmente por considerarmos impróprio.
Porém, refletindo melhor, vi que se trata de dois jornalistas automobilísticos conceituados, sobretudo amigos comuns de longa data deste editor-chefe e, principalmente, que o autor da coluna “Fim do automatizado: já vai tarde”, de 23/03 p.p., conhecendo sua competência e caráter, de modo algum se sentiria ofendido ou ultrajado.
Por isso, decidi publicar a coluna do Douglas Mendonça, que considero apenas um contraponto útil e ao mesmo tempo didático ao que o Boris Feldman escreveu.
Bob Sharp
Editor-chefe
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FINAL DO CÂMBIO AUTOMATIZADO? ACHO QUE NÃO…
Por Douglas Mendonça
Realmente, não dá para comparar um câmbio automático com um automatizado. Meu amigo, o conceituado jornalista automobilístico Boris Feldman, escreveu em sua coluna no AE que o câmbio automatizado já estava findando o seu ciclo e, por um curto e breve espaço de tempo, estaria fora de cena. Ainda usou a expressão “já vai tarde”, e se referiu aos câmbios automatizados como abomináveis. Não acredito nisso. Acho que o câmbio automatizado, pelo tempo que tem de desenvolvimento das engenharias das fábricas e de fornecedores em todo o mundo, ainda tem uma boa lenha para queimar.
Uma grande falha dos colegas jornalistas é a de querer comparar câmbio automatizado com automático. O automatizado, de custo bem mais baixo, utiliza o câmbio manual normal do veículo, mas com um sistema robotizado que aciona a embreagem e também faz as troca da marcha de maneira automática, seja ela para cima ou reduzindo, de acordo com as necessidades.
No câmbio automático, a ligação deste com o motor é feita por um sistema mecânico-hidráulico em vez de uma embreagem como a conhecemos, e permite que o veículo permaneça parado com o motor funcionando em marcha-lenta estando uma marcha engatada. Esse sistema se chama conversor de torque e a transmissão do trabalho do motor para o câmbio se dá por meio hidráulico conversor de torque.
O câmbio automático dito “convencional” se compõe de dois ou mais trens de engrenagens epicicloidais — conjunto formado por uma engrenagem solar, três ou quatro engrenagens satélites à volta, e uma maior, chamada coroa, com dentição interna. A engrenagem epicicloidal tem a propriedade de imobilizando-se um dos elementos, têm-se três marchas. Essa imobilização, por meio hidráulico nos primórdios, bem no final dos anos 1940 e que prosseguiu até o início dos anos 1980, hoje é feita por meio elétrico sob comando eletrônico, de precisão incomparavelmente maior.
Desnecessário dizer que apesar da boa durabilidade do sistema automático, quando ele exige reparo, o custo chega a ser igual ou superior ao da retífica de um motor.
Em contrapartida, o sistema automatizado tão criticado tem um custo de reparação muito próximo ao de um câmbio manual comum. Os câmbios automatizados igualmente se valem de comando eletrônico, no caso para operar a embreagem e proceder à trocas de marchas por meio de “robôs” — atuadores elétricos ou eletro-hidráulicos..
Certamente os primeiros automatizados que surgiram por aqui — a pioneira foi a GM em 2007 com o sistema Easytronic da Meriva, seguida da Fiat em 2008 com o Dualogic no Stilo, Volkswagen em 2009 com o I-Motion na dupla Gol/Voyage e, mais recentemente, em 2014, a Renault com o Easy’R no Sandero e Logan (foto de abertura). Tinham uma eletrônica de comando relativamente simples e faltavam situações práticas de correção das marchas, além de suas trocas serem algo lentas. Bem provavelmente foram esses primeiros câmbios automatizados (“burros’, diga-se de passagem), que deixaram a péssima impressão do sistema aos consumidores e aos jornalistas que avaliaram esses produtos ao longo dessa década.
Nas versões que começaram a surgir de 2015 para cá, os módulos eletrônicos de comando ganharam mais capacidade de processamento e foram se sofisticando, até com a introdução de G-Analyst no veículo que mostra ao sistema eletrônico se o carro está em uma subida ou uma descida. Mais sofisticados, os sistemas automatizados, quando utilizados por consumidores que nunca haviam dirigido um carro automático convencional, acharam o sistema ótimo e nunca souberam a diferença entre automático e automatizado.
Atualmente, destaque para a ótima performance do GSR da Fiat, que substituiu o antigo Dualogic Plus, e ao I-Motion da VW, que mostra um desempenho bem próximo ao de um câmbio automático. Ambos por um preço bem mais baixo que o automático convencional e, claro, com um custo de manutenção e reparação bem mais baixo.
Estou sendo conduzido no meu dia a dia por um Fiat Cronos 1.3 GSR. Um carro ótimo para o cada vez mais pesado trânsito urbano, que mostra excelentes marcas de consumo e um grande alívio para aqueles que não simpatizam muito com o pedal de embreagem, além de poupar o motorista dos movimentos frenéticos das trocas de marchas.
Uma ação de tentar enterrar uma ideia saudável, útil, funcional e barata, que só traz benefícios ao consumidor em termos de condução e até de preocupação com o trânsito, uma vez que em vez de ele se preocupar com embreagem e trocas de marchas ele estará mais atento ao que se passa à sua volta é à sinalização, não merece aplausos.
Acho mesmo que o câmbio automatizado deveria ter sua tecnologia mais desenvolvida e aplicada a todos os carros, inclusive aos mais baratos. Tudo por uma questão de comodidade, economia e segurança. Por que não? Por que dizer “já vai tarde”? Uma tecnologia saudável, que facilita muito a vida do motorista comum e que, se não é a perfeição técnica que alguns esperam, mostra um preço atraente e uma condição de utilização diária muito positiva.
DM