A primeiríssima etapa em todo desenvolvimento de automóveis são os sketches, desenhos em duas dimensões, feitos numa folha de papel.
Estes desenhos não obedecem a nenhuma medida rígida, são apenas ideias transmitidas através de traços e cores, e é a parte mais divertida do trabalho do designer, que infelizmente dura muito pouco dentro do cronograma de desenvolvimento do modelo de design.
No desenvolvimento do projeto surgirão desenhos em três dimensões, com altura, largura e profundidade, ( X,Y,Z ) que são desenhos num espaço virtual.
Porém, antes de entrar no espaço virtual os designers sempre exprimem suas primeiras ideias em esboços, num papel, ou hoje em dia em um pad digital (exemplo: Wagon ou, no meu caso, um IPad Pro), sempre em duas dimensões.
Hoje em dia, a grande maioria dos designers usa seus “pads” digitais para fazer seus desenhos, mas no passado, antes da era digital, a coisa era muito diferente.
Cada designer ou estilista usava variadas técnicas para ilustrar suas ideias, sempre sobre papel, mas com variadas ferramentas e processos.
Existiam três níveis de desenhos: os “roughs” (rafs), os sketches e o “renders”. Os rafs (desenhos da abertura) são esboços rápidos onde os designers “procuram” suas ideias
É interessante, mas o desenho rápido, de uma maneira muito específica, acaba se tornando uma técnica para gerar novas ideias. Com o tempo, você se acostuma a “pensar” com a caneta e o lápis na mão.
A coisa não funciona como todos (os não designers) pensam, que você imagina uma coisa e imediatamente desenha a coisa no papel. Não, a coisa não funciona assim, o que seria o lógico.
O designer desenvolve um processo próprio em que o desenho é que acaba criando a ideia para ele. É como um “tique”, uma mania, e sempre começamos de alguma maneira própria, que desenvolvemos com o tempo, com a experiência.
Eu, por exemplo, começo com as rodas, elipses que conforme o ângulo, determina em que posição o carro vai ficar, lateral, de frente, 3/4 dianteiro, etc. A forma ainda não sei, mas a partir destas primeiras linhas sem sentido a coisa vai nascendo.
Linha do chão, elipses das rodas, linha principal sobre as rodas, posição e inclinação do para-brisa, linha do teto, inclinação das colunas, e assim vai.
A partir de um momento a coisa vai fluindo, e você começa a “tentar” certas linhas e elas vão chamando outras, tentando novas formas. Trata-se de uma verdadeiro jogo, que com o tempo vicia, assim como os vídeogames.
Os bons designers são viciados no que fazem, trabalham dia e noite, até quando estão comendo, e estão sempre com uma caneta no bolso.
Com o tempo você não “perde” nenhum desenho.
Eu começo com a caneta bem de leve, e vou corrigindo o desenho conforme ele vai evoluindo. Nunca uso borracha para apagas um erro, a não ser para criar algum efeito, como brilho, etc.
Já os sketches, são desenhos mais elaborados, onde o designer usa o melhor raff como base, e passa a limpo a ideia, corrigindo algumas imperfeições e introduzindo através de sombra e luz detalhes da forma.
Bons sketches consomem muito mais tempo, mas eles têm uma função mais importante.
Enquanto os rafs são usados para desenvolver uma ideia, os sketches são material de apresentação para os Designers-chefes.
Daí o capricho, pois é através dele que se pode ganhar um projeto e ser escolhido para liderar um modelo físico, baseado na sua ideia.
No passado havia varias técnicas para se elaborar os sketches, desde o guache, que nunca secava, ja que era dissolvido com água, e muito sensível a riscos e borragens — até que a indústria automobilística forçou os fabricantes a criarem um material ideal, que foram os markers.
Markers, são canetas hidrográficas, em todas cores imagináveis, que secam imediatamente após sua aplicação.
Uma bênção para os designers que se viram livres dos acidentes que já inutilizaram belos desenhos, causados por um toque involuntário.
Os markers também são transparentes, assim como era a “ecoline”, uma linha transparente parecida com a aquarela.
Além disso as boas marcas de markers oferecem uma gama de “cinzas frios” e “cinzas quentes”, que vulgarmente chamamos de beges!
Existe uma variação de 10 tons de cinza, que vai do grau 1, um cinza muito suave usado para simular sombras brandas, até o preto total.
Com estas variações de cinza você pode criar a ilusão de tridimensionalidade, modelar a peça, e criar a ilusão da forma física.
Os markers foram de longe a técnica mais usada pelos designers a partir dos anos 1980.. Aplicados sobre os dois lados do papel Velum, que era de transparência leitosa, criavam-se efeitos diversos como de transparência dos vidros e reflexos da carroceria..
Porém muitos designers desenvolveram técnicas diversas. Muitos trabalham somente com lápis de cor, sendo a marca mais famosa entre os designers os Prismacolors.
Os Priamacolor brancos eram os mais requisitados, pois com eles fazíamos as linhas de luz, e os “spots”, que são a concentração de luz normalmente em cantos e curvas fechadas.
As linhas de luz e especialmente os spots faziam toda diferença na hora de finalizar os sketches.
Havia também a técnica do pastel seco, onde o designer raspava os pastéis para obter o pó de pastel, para criar degradês.
Estes degradês criavam a ilusão de superfícies curvas, assim como acontece na vida real em certa situações de luz.
Outra ferramenta que usávamos muito no passado era o aerógrafo, um pequeno revólver de pintura para também criar nuances de cores e simular degradês.
O aerógrafo precisa de ar comprimido, portando de um pequeno compressor para gerar a pressão de ar necessária para vaporizar a tinta.
Nos grandes estúdios tínhamos pintos de saída de ar comprimido de baixa pressão para as mesas dos designers.
O Flow Master era uma técnica pouco conhecida e poucos designers usavam este caminho.
O Flow Master era um tinta, que mais tarde constatamos ser altamente tóxica, que era aplicada misturada com o pó de pastel seco sobre as linha de um desenho de maneira meio caótica com o intuito de obter uma mancha transparente o suficiente para que ainda se enxergasse o desenho.
Depois, com o marker e lápis branco, íamos trazendo o claro e escuro para definir a forma da carroceria.
Hoje em dia os designers trabalham diretamente sobre um pad digitalizador, que substitui o papel, e todas as técnicas do passado juntas, agregadas em programas como o Photoshop.
Estas novas ferramentas têm muitas vantagens, tais como a função de voltar uma ação para trás, o que é impossível da maneira análoga. Se você errar, ou derramar tinta sobre o papel, todo seu trabalho está perdido.
Já com o Photoshop, você pode simplesmente voltar a ação e o “papel” estará novamente imaculado.
Porém, existe o lado sombrio, que na minha opinião é a pasteurização de uma técnica, em que fica mais difícil de se reconhecer o caráter, o estilo, entre os designers.
No passado podia-se reconhecer facilmente de quem era o desenho, pelo traço e estilo, o que não acontece nos dias de hoje.
Já os renders, são desenhos extremamente elaborados, onde os estilistas gastavam semanas para expressar não somente a forma do automóvel de maneira quase perfeita, com detalhes, reflexos, luz e sombra, mas também o integravam à paisagem que estava ligada ao estilo de vida do mesmo.
Muitos destes desenhos que a princípio eram usados como peça de convencimento dos diretores, foram também muito usados como peças de propaganda, quando o veículo estava pronto para ser lançado e vendido no mercado.
Eram verdadeiras obras de arte!
A fotografia veio para acabar com esta arte e os maravilhosos desenhos foram substituídos por fotos, que embora mais realistas, fizeram com que todo refinamento da mensagem das ilustrações fossem substituídas por fotos frias e sem vida.
Nos dias de hoje, tudo é feito de maneira digital.
Usando os dados matemáticos, ilustradores digitas são capazes de posicionar um veículo digital em um ambiente também digital, com grande poder de realismo, construindo-se cenários, e iluminação que só existem dentro de seus computadores.
O resultado é impressionante ao ponto de mesmo olhos treinados não conseguirem identificar se estamos numa cidade real ou fabricada por números!
Enfim, são inúmeras as maneiras de se desenvolver e lapidar as ideias iniciais através dos desenhos.
Porém eles são somente os embriões que vão disparar uma imensa quantidade de outros desenhos que são os responsáveis finais da criação de qualquer produto manufaturado.
Não só seu carro, mas seu telefone, seu relógio, sua caneta, sua camisa, seus sapatos, sua televisão, seu refrigerador, seus pratos, seus talheres, sua escova de dentes, seu sabonete, sua comida do cachorro, casas, prédios, estradas, navios, aviões… Enfim tudo que te rodeia numa grande cidade foi construído a partir de desenhos.
Eu fico bastante surpreso em perceber como as pessoas desconhecem a importância do desenho, e a falta de interesse em desenvolver estas técnicas, especialmente os jovens.
Quando se fala em desenho, só se imagina seu uso na arte, mas dificilmente na técnica.
Como eu disse, depois dos sketches se seguem vários outros tipos de desenhos técnicos.
A sequência e diversidade de desenhos, relativa aos automóveis, é a seguinte.
• Desenhos técnicos de engenharia do produto de cada peça individual que especificam todas características importantes às mesmas: definição do material, tolerâncias de construção, cor, textura, etc.
• Desenhos de construção de dispositivos de teste
• Desenhos de construção das ferramentas e moldes de construção da peças individuais
• Desenhos da construção das fábricas, com todos seus sistemas hidráulicos, de ar-comprimido, roteiros elétricos dos mais diversos, esgotos e caminhos para detritos, enfim, tudo que está ligado à construção dos prédios das diversas áreas da fábrica:
• Desenhos das linhas de montagem
• Desenhos dos dispositivos de montagem, soldagem, etc.
• Desenhos dos robôs.
• Desenhos fígados aos roteiros de logística interna e externa de peças e conjuntos.
• Desenhos ligados ao controle de qualidade de peças individuais, conjuntos e veículos completos…
Enfim, seja no passado, com desenhos análogos, seja hoje, com os desenhos tridimensionais e digitais, o desenho tem vital importância na vida dos seres humanos desde as mais remotas eras, e são responsáveis diretos pelo desenvolvimento e melhora do estilo de vida de todas as pessoas..
LV