Não concordo com nenhuma das propostas do presidente Bolsonaro para alterações nas regras de trânsito. Mas ele acertou em pontos da legislação repletos de aberrações.
Bancos infantis – Reduzem significativamente o risco de lesões ou mortes das crianças e sua obrigatoriedade deve ser mantida. Substituir, como sugerido, multa por advertência, vai torná-la inócua. Mas o presidente acertou ao questionar o porquê de táxis e vans escolares estarem isentos da obrigatoriedade. Ele nem imagina que a explicação está na incompetência do Denatran em regulamentar o banco infantil em outros veículos. E criar situações surrealistas: o pai leva o filho para a escola em seu automóvel, sem o banco infantil. Um policial o flagra, registra a infração e o impede de continuar em seu carro com a criança. O pai chama então um táxi para levar o filho. Sem esse banco, pois ele não é obrigatório nos táxis…
A obrigatoriedade existe desde 2010, mas somente em 2017 o Denatran publicou a regulamentação para vans escolares. Obstáculo intransponível: esses pequenos bancos exigem cintos de três pontos e as vans só contam com os de dois pontos. Um “gênio” do Denatran chegou a sugerir adaptar um terceiro ponto, de tão ignorante no assunto. Solução existe: exigir cintos de três pontos (ou engates Isofix) em veículos escolares.
Pontos no prontuário – O sistema de pontuação que suspende a habilitação do motorista que atinge 20 pontos em um ano não é excessivamente rigoroso. O problema é outro: o critério absurdo para seu registro. A aberração é tamanha que um erro puramente administrativo como o atraso na transferência de propriedade do carro gera infração “de trânsito”, com multa pecuniária e pontos (5) no prontuário. Qual é a lógica de suspender a CNH de um motorista que deixou — num ano — de transferir quatro vezes dentro do prazo o registro de propriedade de seus automóveis?
Outras infrações, como a própria falta banco infantil, não significam nenhuma interferência no trânsito nem colocam em risco a vida de pedestres e outros motoristas, como o excesso de velocidade, o avanço do sinal vermelho, a ultrapassagem em local proibido, etc. Em países onde autoridades de trânsito e legisladores são seres pensantes, existe o sistema da pontuação, mas somente para infrações graves ou gravíssimas. Não por qualquer distração do motorista. Não por dirigir no “dia errado” em áreas de circulação restrita em São Paulo, onde não há sequer a indicação clara e expressa para quem desconhece este discutível sistema.
Radares – O presidente está certo ao comentar que dificilmente um motorista volta de uma viagem sem ser “presenteado” com uma notificação de excesso de velocidade. Entretanto, vale também lembrar que o motorista que respeita a lei jamais será multado nem vítima da abominável “indústria da multa”.
Chega às raias da irracionalidade o dirigente máximo de uma nação defender o fim das radares para que os motoristas voltem a ter o “prazer de dirigir”. Ele sugere que se possa acelerar à vontade, sem limites, para agravar ainda mais a carnificina de nossas ruas e rodovias? Ele não tem noção de que, mesmo na Alemanha, onde a velocidade é liberada em algumas estradas (autobahnen), existem muitas outras, secundárias, com placas estabelecendo limites e radares que fiscalizam e punem (pesadamente) os infratores?
Novamente o presidente ouviu o galo cantar sem saber exatamente onde. Na verdade, nossos radares constituem mesmo, em sua maioria, uma indústria de multas. Pois são instalados sem nenhum critério nem embasamento técnico que justifique a velocidade máxima no trecho. Ela permanece imutável durante dezenas de anos, sem levar em conta as novas tecnologias aplicadas aos automóveis e às próprias rodovias. Muitos radares são mesmo estrategicamente posicionados, não para que o motorista reduza a velocidade num local perigoso, mas para flagrá-lo numa eventual distração ao volante.
Não há excesso de radares, há escassez de cabeças pensantes e sensatez das autoridades de trânsito.
BF