Quando vi aquele gigantesco utilitário esportivo com uma respeitável senhora ao volante, lembrei-me da conversa na véspera com a presidente do grupo PSA no Brasil, Ana Theresa Borsari (foto de abertura).
Foi no evento em que a Citroën celebrava — em São Paulo — o centenário da marca num local muito adequado: o pavilhão da Bienal no Parque Ibirapuera. E reuniu uma dúzia de colecionadores da marca, todos vestidos a caráter e exibindo orgulhosamente seus impecáveis automóveis que retratavam parte da história da empresa criada em 1919 por André Citroën. E não hesitaram em ceder seus carros para um “test drive” pelos jornalistas. Dirigi até um raríssimo SM, com motor Maserati V-6i, da época em que a fabricante francesa tinha comprado (imaginem!) a marca italiana.
O prédio da Bienal, construído em 1954 e projetado por Oscar Niemeyer, é um clássico da arquitetura e tão ousado quanto as linhas e a tecnologia da marca francesa. Só ela e a DKW ousaram produzir, na década de 30, um carro popular com tração dianteira. Solução pioneira e adotada hoje por todos os compactos e médios do mundo.
No almoço, sentei-me com a Ana Theresa e aproveitei para lhe contar que a marca tem um significado nostálgico para mim, pois meu primeiro automóvel foi um Citroën 11 Légère de 1951. Ela está há muitos anos na PSA. Tem personalidade forte, é dinâmica e enfrenta uma batalha para recuperar prestígio, imagem e vendas do grupo no Brasil.
Começou na área comercial da Peugeot no Brasil, em 1994. Foi depois para a França e ainda dirigiu a filial da marca do leão na Eslovênia por três anos. Sua experiência naquele país, que fez parte da antiga Iugoslávia, foi marcante. Ela diz ter se impressionado com a falta de apego dos eslovenos às coisas materiais, um estilo de vida e pensamento radicalmente oposto ao nosso.
De não entender, a princípio, funcionários seus recusando uma promoção com aumento de 30% do salário. Para perceber, mais tarde, que eles não trocam seus momentos de prazer, convívio com amigos e família e lazer por funções que demandam maior responsabilidade e carga de trabalho. “São capazes — disse ela — de pagar uma pequena fortuna por uma sofisticada prancha de surfe em fibra de carbono para curtirem ainda mais seu hobby, mas jamais por um relógio de ouro ou um sapato de grife”.
Perguntei se esse modus vivendi interferia também no mix de carros vendidos lá pela Peugeot e ela disse que “é claro que interfere!”, e que o mercado dá preferência a modelos mais simples, econômicos, confortáveis e seguros, nada de status ou sofisticação. A comparação com os nossos motoristas foi inevitável e imediata. E logo pensei na avalanche de suves tomando conta do mercado brasileiro e jogando para escanteio o hatch, a perua, o monovolume.
No dia seguinte, mais atento aos suves, deparei-me com aquele, na estrada. Dimensões do veículo e motorista inversamente proporcionais. A baixinha mal enxergava acima do volante. Fiquei imaginando sua dificuldade para manobrar e estacionar aquele gigante. E o consumo daquelas duas toneladas para carregar uma velhinha de, no máximo, 60 kg. Que certamente estaria mais feliz ao volante de uma perua…
As concessionárias dos jipões comentam que, apesar de adequados para o off-road, jamais recebem um respingo de lama e nunca tiveram engatada a tração nas quatro rodas. São usados para as compras no supermercado, visita ao shopping center e levar as crianças à escola. Não contam com argumentos razoáveis para defender sua compra. Mas estão na moda.
Lembro do “fenômeno” duas-portas no Brasil: provectas senhoras fazendo malabarismo para chegar ao banco traseiro do Opala cupê com motorista. Opção igualmente desprovida de argumentação lógica. Chegava-se a justificar que a preferência pelo carro duas portas era para evitar confusão com táxi….
BF