Para o caso de alguém não conhecer a história de Pagani vale a pena contar. Horacio Pagani nasceu na Argentina e sempre teve uma paixão muito grande por carros. Como ele não ficava totalmente contente de olhar e sonhar, começou a construir carros. Um bugue, caminhonetes para morar tipo caravana (pequeno motorhome), e um Fórmula 2. Construir carro de corrida na Argentina era difícil evitar de encontrar um piloto muito famoso, Juan Manuel Fangio. O contato entre Pagani e Fangio era muito bom, e quando Pagani disse que um sonho dele era construir um carro como Ferrari ou Lamborghini, Fangio escreveu uma carta para Enzo Ferrari recomendando empregar Pagani.
Mas mesmo com a carta de Fangio Horacio nunca foi chamado. Horacio entãoolhou para outro lado, para a Lamborghini. Lá, o senhor Alfieri gostou do currículo de Horacio. Com o pé dentro da Lamborghini, Horacio pouco a pouco começou a mostrar a capacidade e ideias que tinha. Ele se interessou muito pelo assunto de fazer partes de compósito de fibra de vidro e fibra de carbono. Um pouco engraçado é que os gerentes de Lamborghini achavam que fibra de carbono não teria uso no futuro. Por causa disso Horacio comprou uma autoclave com seu próprio dinheiro.
Em 1985 ele teve a responsabilidade de um projeto, fazer um Countach protótipo com chassis e carroceria de vários tipos de fibras. E depois alguns anos dessas ideias, Horacio trabalhou para o Countach Anniversary.
Infelizmente o único Countach, feito de fibras, foi destruído em testes, mas Horacio viu um futuro para fibra de carbono, ao contrário dos gerentes de Lamborghini. Em 1990 houve uma crise econômica no mercado de supercarros e a decisão foi sair da Lamborghini para abrir uma empresa própria.
A Pagani nasceu como fornecedora de peças feitas em compósito de fibra de carbono. Deu certo e pouco a pouco a empresa e o lucro cresceram, até que houve como começar realizar o sonho, um carro superesportivo.
Horacio já tinha conversado com Fangio sobre essa ideia de um novo supercarro, e como o relacionamento entre Fangio e a Mercedes-Benz era muito bom, procurar utilizar um motor Mercedes foi a preferência. Nessa época, a Mercedes estava correndo no Grupo C, tipo de carro para“Le Mans e esse carro também inspirou muito Horacio Pagani.
Durante a década 1990, passo por passo, detalhe por detalhe, o sonho do carro próprio de Horacio cresceu. E em 1999 o Pagani Zonda estava pronto. Infelizmente Fangio tinha falecido alguns anos antes disso. Na verdade, o plano inicial de Horacio era chamar o carro de Fangio, mas depois de sua morte o nome foi mudado para Zonda, um vento da Cordilheira dos Andes.
Feito no material em que Pagani se especializou e com motor V-12 de Mercedes AMG, era um carro bem exclusivo. O preço? Bem alto, no céu, uns 500 mil euros naquela época. Mesmo assim, gente com dinheiro que gostou do carro fez pedidos. O dono do carro número cinco queria o carro sem pintura, só verniz transparente para mostrar as fibras de carbono pretas. E pagando mais ainda, Horacio e sua equipe fizeram esse carro.
Vamos mais seis anos para frente, 2005. O desenvolvimento do Zonda F (F de Fangio) estava pronto, a empresa estava tendo bons lucros, e assim Horacio acabou tendo condições ter um Zonda para si próprio. E muito feliz, Horacio comprou o carro sem pintura que o primeiro dono quis vender de volta.
Andando de Zonda F
Naquele dia do final de abril de 2005 o sol estava brilhando no norte de Itália. Eu o meu amigo James encontramos a pequena fábrica e na frente tinha algo para babar. Um novo Zonda S, o Zonda sem pintura e um Zonda Roadster. E, balançando com o vento, as bandeiras Italiana e Sueca, marcando a nossa visita. Incrível!
Na recepção fomos muito bem recebidos, e em pouco tempo estamos junto com um rapaz que trabalha no marketing da Pagani. Logo entramos na pequena fábrica onde pudemos ver a fabricação de alguns Zondas. Gente colocando fibras em moldes grandes, mexendo com vários detalhes como instrumentos e até instalando o motor V-12 num carro.
Numa área vejo uma pessoa com camisa vermelha que me parece ser o Horacio. Sim, é o próprio. Nós dizemos “oi” e começamos a falar, mesmo que meu português na época fosse mais “torto” do que hoje, e Horacio só fala espanhol e Italiano. Horacio está de bom humor, porque hoje é um dia que ele escolheu fazer um pouco de trabalho manual dentro da fábrica. Depois de um pouco de conversa nós combinamos fazer algumas fotos de Horacio lá fora, ao lado dos três carros estacionados de uma forma um pouco mais organizada.
Meia hora depois chega Horacio de novo, com outras roupas, muito bem vestido, e começamos a fazer fotos. Depois um tempo eu converso com o rapaz do marketing sobre fazer fotos com carro andando, só que o “F” e o Roadster estão vendidos e devem ficar zero-quilômetro, mas. . . o carro de Horacio, ele mesmo vai liberar para nós dirigirmos.
Que sonho, encontrar Horacio Pagani e dirigir o próprio carro dele! Imagine ter encontrado Enzo Ferrari e pegar a chave do carro da mão dele. É parecido, ou ainda melhor, olhe só esse monstro, o Zonda.
Alguns minutos depois estou atrás do volante e penso, estou maluco? Esse carro custa umas três vezes mais do que a minha casa. E se eu quebro algo? Mas, fazer o que agora? E claro que quero dirigir. O motor V-12 tem uns 450 cv nesse carro “antigo”, menos do que o novo F com uns 550 cv. Mas, 450 cv é um número nada mau, e quando o motor pega. . .que maravilha! Um ronco de V-12 saindo dos quatro escapamentos dentro do grande círculo na traseira do carro.
Tento colocar o banco numa posição mais para trás, mas ele já está na última posição. Confuso, olho para o rapaz, que ri e fala que sou mais alto do que o Horacio. Verdade, e eu rio também. Não é hora de reclamar. Então vamos. Saindo da área industrial o carro já faz as pessoas pararem e olharem, mesmo sendo bem conhecido aqui. Continuando dentro de uma cidadezinha é incrível, TODO mundo olha, aponta, faz fotos. Tudo para, todo mundo abre a boca e olha.
A estrada onde dirijo é bastante estreita, e estamos indo pelas montanhas onde tem ruas bem sinuosas. O carro é bastante fácil de dirigir, nada pesado ou esquisito demais. O volante comunica bem e o carro sempre vai onde eu quero. O carro tem câmbio manual. Nessa época já havia câmbios robotizados com borboletas nos Ferraris, mas carros de série limitada como Pagani e Koenigsegg usavam câmbios manuais da empresa italiana Cima (Construzione Italiane Macchine Attrezi), existente desde 1942. Trocar marcha é normal e bastante “mecânico”, algo que eu acho muito gostoso.
Um pouco menos gostoso é o ruído do câmbio, tão alto que dá para escutar, mesmo estando na traseira do carro. Algo que um Koenigsegg da época não tinha, mas pode ser que não desse para escutar porque o motor de um Koenigsegg é bem barulhento. Aqui dentro do Zonda o som do V-12 é um pouco mais discreto — só um pouco, ele é bem longe de silencioso. Outro barulho vem dos pneus com o solo, típico nos carros de fibra de carbono, que não absorvem muito ruído. O que achei melhor no Zonda é que ele faz menos barulho do vento do que um Koenigsegg.
Na subida da montanha encontro uns três Ferraris vindo em sentido contrário. Me parecem carros de teste da fábrica, já que todos eles deram tchau para nós com as mãos levantadas dos volantes. E eu faço a mesma coisa, claro, não é todo dia que pessoas dentro de Ferraris fazem sinal para outros carros, e o meu sorriso fica maior ainda.
Nas curvas o carro é muito comunicativo e depois de um tempo começo a acelerar nas saídas de curvas e sinto que a traseira sai um pouco da linha, o que é bem legal. Fico impressionado como o carro é bom de dirigir.
Chegando ao final da estrada, lá no alto, entro num estacionamento para manobrar e descer de volta. Aí preciso dar ré um pouco e vejo que a visibilidade para trás é muito limitada, é importante planejar onde se vai com esse tipo de carro. Nessa época os sistemas de câmera de ré ainda não tinham chegado. Dar ré hoje num supercarro novo é uma moleza, muito fácil, todos tem câmeras. Dirigindo e voltando para a fábrica estou nas nuvens, que dia inesquecível!
O que me faz feliz hoje é que autoentusiastas como Horacio Pagani e Christian von Koenigsegg conseguem continuar a desenvolver, construir, produzir e vender os carros dos sonhos deles. Sim, são carros inacessíveis para mais de 99% das pessoas porque têm preços muito altos, e se pode pensar se isso faz um mundo melhor ou não.
Mas eu admiro muito o trabalho de Horacio e Christian. Estão trabalhando com as mãos deles mesmo, fazendo as empresas sobreviverem e crescerem de forma controlada, sem pegar dinheiro de ninguém para gastar com uma consultoria e tentar fazer algo que nunca decola.
Parabéns pelos 20 anos! Horacio, sou um “tifoso” seu.
HJ