A pureza do Golf original foi amada em todo o mundo onde ele foi comercializado (o que, infelizmente, não inclui o Brasil), mas não mais do que na África do Sul, onde a produção durou mais de um quarto de século. Aqui está a história do “Citi” e o longo adeus do país ao ícone hatch original.
Jovem, descolado, retrô e com preços atraentes, o “Mk 1” foi revivido como “Golf Citi” na África do Sul e a história de como ele obteve o avanço inicial, sua evolução e o luto em massa que se seguiu quando finalmente foi descontinuado em 2009, torna esta história fascinante.
Chamo a sua atenção para o fato de que a África do Sul foi uma retardatária de todo o fenômeno Golf. Sua fábrica de Uitenhage, perto de Port Elizabeth, só foi convertida da produção de Fusca para Golf em 1978, quatro anos depois que o carro tinha feito a sua estreia na Europa continental. Impressionantemente, mais da metade das 5.000 peças individuais necessárias para a produção deste carro foram fabricadas na África do Sul, tornando-o um produto verdadeiramente local.
O benefício de estar tão distante de Wolfsburg era que a Volkswagen permitiu uma variedade de versões interessante desde o início, incluindo um que usava o motor de 1,3 litro e 60 cv do Polo — um ano inteiro antes desta motorização chegar ao Golf alemão. No outono de 1978, adotando inicialmente a nomenclatura rejeitada por Wolfsburg, o GTS assumiu o papel do GTI com seu motor de 1,6 litro de 85 cv, disponível no Passat e no Scirocco — mas nunca no Golf. O “Gigante Matador”, como ficou conhecido, poderia fazer 0-100 km/h em apenas 10,6 segundos, o que não estava longe do GTI europeu. Um detalhe: os Golfs da África do Sul saíram somente na versão de quatro portas.
Então, quando o Mk 2, maior e mais caro, apareceu, a VW of South Africa (VWSA) começou a estudar uma alternativa para o modelo de entrada, em substituição do Mk 1. Uma era adotar o Polo, mas o investimento necessário para construí-lo e o fato dele só estar disponível com duas portas naquele momento acabou por descartá-lo. Outra alternativa era produzir um Mk 2 “pé de boi” sem tampa do porta-luvas, sem o para-sol do passageiro e sem as molas a gás da tampa traseira. Mas mesmo nesta versão, fortemente simplificada, o tal “pé de boi” foi considerado muito caro.
A terceira opção foi o “Econo-Golf” — uma versão espartana do Mk 1 que usava uma motorização de 1.100 cm³ e 50 cv existente. Um estudo de conceito, na cor bege, foi apresentado internamente, mas mesmo os mais “prudentes” contabilistas não ficaram impressionados com sua absoluta austeridade. Este Mk 1 “pobrinho” foi considerado indesejável, e uma pesquisa de mercado confirmou que algo um pouco mais confortável era necessário: acabou que um conceito do Golf Citi na cor vermelho brilhante acabou sendo desenvolvido.
Assim, em dezembro de 1983, uns bons nove meses antes do lançamento do Golf Mk 2 sul-africano, a produção foi comutada do Golf original ao Golf derivado do Citi. Mais uma vez ele só veio como um modelo de quatro portas, sem teto solar; o único motor disponível era uma versão de 1,3 litro com carburador de corpo duplo de 65 cv, e não havia nenhum catálogo de extras. Este “novo” Mk 1 estava disponível em vermelho, azul ou amarelo, com a parte inferior da carroceria brilhando em um branco radiante, como tinha sido apresentado no estudo conceitual original. Em 1984 a cor preta foi adicionada como opção. Foi acrescentada à linha de produtos a versão Citi Sport, com motor 1,6-litro de 85 cv, com bancos esporte, como uma reencarnação do GTS. Com isto as vendas aumentaram exponencialmente, atingindo 7.622 unidades em 1988.
Em 1989, o Golf Citi recebeu um facelift com uma grade mais curvilínea que lembra o Mk 2, bem como o aumento da coluna C. Ao mesmo tempo, o Golf Citi Sport recebeu um motor de 1,8 litro e 95 cv. O motor de 112 cv e 1,8 litro do Mk 1 GTi foi reintroduzido em 1990 sob a versão do novo Golf Citi GTi. Em 1992, a gama inferior foi ampliada: o Golf Citi Shuttle veio sem itens como limpador traseiro, espelho de cortesia, alça de pega do passageiro e alguns outros luxos.
De maneira bastante bizarra, no final de 1992, quando o Golf Mk 2 estava sendo gradualmente substituído pelo Golf Mk 3 na África do Sul, por alguns meses as três primeiras gerações de Golf foram produzidas na mesma linha de montagem da fábrica de Uitenhage. Mais estranho foi o fato de que mais tarde a mesma ala de fabricação foi compartilhada com o Mk 5!
Em 1995, a austera versão de entrada do Citi, o Shuttle, foi substituída pela versão Chico, tornando-se o carro mais barato do país, e as vendas cresceram: enquanto as vendas anuais do Golf Citi desde 1991 se estabilizaram em torno de 15.000.
Os números finais de 1995 registraram 26.759 modelos vendidos — e uma participação de mercado de 45,1% no segmento de nível de entrada, um recorde.
Seguiram-se novas edições especiais do Golf Citi. Em 1998, o motor do nível de entrada cresceu para 1,349 cm3, com a potência aumentando de 65 cv para 71 cv. Ao mesmo tempo, houve outro ligeiro facelift, e a partir de 2002 a potência do motor, agora de 1.423 cm³, foi aumentada para 73 cv. Enquanto isso, o Citi 1,6i estava ficando “quente” e incomodando o mercado de desempenho com seus 100 cv. Entre esses dois modelos surgiu o 1,4i de 82 cv. Em 2003, a VWSA atualizou o interior, dando um toque semelhante ao do Škoda Fabia em praticamente todos os detalhes, ficando muito elegante!
Outro facelift em 2007 mudou o formato da lanterna traseira de quadrada para circular, enquanto o spoiler dianteiro também foi visivelmente melhorado. No entanto, a grande novidade foi o lançamento do Volkswagen Golf Citi 1,8i R-Line, o mais potente Golf Mk 1 a sair da fábrica (além do raro GTI 16S para o mercado francês). Com “escaldantes” 122 cv, era capaz de atingir 194 km/h.
Sendo um carro com volante de direção no lado direito, muitos apreciadores ingleses do Mk 1 tiveram interesse em ter um. Mas aí é que a coisa desandou: tanto o “fogoso” R-Line, como todos os outros modelos do Golf Citi fabricados desde 1990, eram incompatíveis com as leis de licenciamento do Mercado Comum Europeu. Os últimos modelos conseguiam atender os níveis de emissão Euro 2 da Europa, mas este nível já tinha expirado há muito tempo; e com a gasolina sem chumbo sendo introduzida na África do Sul apenas em 2001, catalisadores eram desconhecidos antes disto. ABS, diagnóstico de bordo (OBD) e direção com assistência hidráulica também eram conceitos alienígenas. Dito isso, ao menos, os últimos modelos do Citi tinham airbsgs..
Em 21 de agosto de 2009, o último de um total de 377.484 carros Golf Citi fabricados em Uitenhage desde o final de 1983 saiu da linha de produção, sendo os últimos 1.000 todos numerados individualmente. O último anúncio de mais de um quarto de século de propaganda não ortodoxas do Golf Citi apareceu na forma de uma despedida em janeiro de 2010.
Este anúncio (da agência Ogilvy & Mather, da Cidade do Cabo), talvez ilegível dadas as condições de edição desta página, pode ser visto em alta resolução neste link . Mas o seu texto é importante para o contexto desta matéria, e sua tradução segue abaixo:
[Início do texto do anúncio]
Problema:
O Citi da Volkswagen é um ícone sul-africano. É o carro mais vendido da nossa história e uma parte insubstituível da nossa cultura. Em 2009, a Volkswagen anunciou que o carro seria descontinuado. Foi uma notícia desoladora para todos. Fomos informados para criar uma campanha de despedida para um carro e gerar demanda para os últimos milhares de Citi’s.
Ideia:
Nós pegamos o último Citi de todos os tempos e partimos para uma viagem pela da África do Sul, para que todos pudessem dizer adeus ao carro e assiná-lo — como um cartão de despedida gigante.
Acompanhamos a viagem ao vivo, de um site, abrimos páginas de mídia social que permitiram que as pessoas se despedissem on-line e, finalmente, estacionamos o carro no Museu Volkswagen, onde ficará para sempre, coberto de mensagens de despedida.
Em seguida, criamos um anúncio de TV com todas as filmagens da viagem.
Resultados:
O sentimento em torno de nossa campanha transformou os últimos poucos Citi em itens de colecionador. Eles foram vendidos em tempo recorde.
Cerca de 7 mil pessoas assinaram o último Citi em 11 dias na estrada.
Mais de 10 mil se despediram online.
Cerca de 59 mil pessoas acompanharam a viagem ao vivo pelo site.
Um recorde de 12,6 milhões de rands em publicidade gratuita foram gerados.
O terceiro último Citi foi vendido por três vezes o seu valor de mercado em um leilão de caridade do nosso site — um recorde para um leilão de caridade on-line na África do Sul.
E a África do Sul conseguiu a despedida que merecia.
[Fim do texto do anúncio]
Eu tenho uma amiga na África do Sul que deixou a sua mensagem no último Golf Citi em sua passagem pela cidade onde ela vive. Trata-se da designer e ativista VW da África do Sul, Heide-Marie Von der Au, na foto abaixo participando da despedida do Golf Citi. A Heide-Marie produz uma agenda – Motorsports – sobre carros antigos e possui vários VW’s em sua coleção. Ela desenhou para mim o “Logo de Despedida do Motor VW Boxer” e o “Logo dos 25 Anos do Dia Mundial do Fusca”:
Abaixo o vídeo (01;02) resumo do tour de despedida do Golf Citi:
E cada dia percorrido foi registrado em vídeo colocado no YouTube, como o vídeo (02:57) a seguir, do quinto dia da viagem no trecho entre as cidades de Harrismith a Joburg quando da passagem pelo autódromo de Kyalami. Neste autódromo, que já foi sede de corridas de Fórmula 1, vários Golf Citi se uniram ao “último de sua espécie” e todos deram uma alegre volta na pista.
Outros vídeos desta viagem de despedida podem ser vistos no seguinte canal do YouTube enquanto este canal permanecer no ar.
A campanha se encerrou no dia 28/01/2010 com a retirada do ar do site da despedida e o carro passando para o acervo do Museu da VW na África do Sul.
Disto podemos fazer algumas comparações que infelizmente só servirão para deixar os apreciadores da marca aqui no Brasil acabrunhados e tristes. A VW da África do Sul é bem menor que a VW do Brasil, tanto que passou fabricando o mesmo modelo de Golf por 25 anos como descrevi acima, mas lá se tem coração e respeito pelo que se fabrica. Basta ver a alegre e sentimental despedida feita para este carrinho, que certamente foi um marco da indústria automobilística por lá, tendo a sua produção sido iniciada um pouco depois da despedida do Fusca sul-africano.
Outro detalhe é o fato de lá existir um museu, pequeno, mas simpático, e aqui a VW do Brasil, com todo o poderio que tem, ainda não ter dado um passo no sentido de fazer um museu local.
O sucessor do Golf Citi foi o Polo Vivo, uma versão atualizada do Polo IV, tipo 9N, disponível na Alemanha entre 2001 e 2009. Foi bom, mas emocionalmente nunca conquistou o coração dos sul-africanos da mesma forma que o Citi.
AG
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Para a elaboração desta matéria foi realizada pesquisa na internet, indico com sites visitados: VW Heritage e Wikipedia, etc. que foram fonte das fotos da matéria. Parte desta vem de um trabalho que foi publicado anteriormente no Portal MAXICAR. A foto da Heide-Marie Von Der Au foi enviada por ela.
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A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
(Atualizada em 8/07/19 às 16h15, inclusão de foto da versão “Chico”, com explicação para evitar confusão com outro veículo Volkswagen)