Você chega na avenida e em poucos minutos tem uma certeza: não vai conseguir ver todos os carros, seja qual for seu plano de ataque. Se ficar parado, carros que não ficam rodando não serão vistos. Se for andar a pé, vai precisar do dia todo, e quase certamente não vai dar tempo de percorrer os 34,6 quilômetros da M-1, a primeira rodovia dos Estados Unidos, que une o centro de Detroit ao centro de Pontiac, estado de Michigan.
Uma tentativa pode ser feita, percorrendo de carro o caminho, mas também será impossível ver tudo, já que há locais como o Memorial Park, que é bem grande e abriga mais de 400 carros, além da Old Woodward, uma parte em curva que começa e termina na atual Woodward, mas tem centenas de carros e expositores que se concentram nessa área — onde a circulação não é permitida, apenas entrar para estacionar e expor seu orgulho com rodas, mesma situação do Memorial Park.
Chamada no início Saginaw Trail (trilha dos índios Saginaw), e depois de Detroit’s Main Street (rua principal de Detroit), em 1805 foi batizada em homenagem ao juiz Augustus Woodward, que fez um planejamento das ruas da cidade, com as cinco principais saindo radialmente do centro (avenidas Gratiot, Jefferson, Grand River, Woodward e Michigan). Por ser a primeira estrada e começar do centro de sua maior cidade, Detroit, na época a capital do estado (hoje é Lansing), a Woodward foi adotada como a divisa entre o lado oeste e leste de Detroit, aparecendo em vários registros históricos como local importante na história americana e dos automóveis. Teve também a primeira pavimentação em concreto adotada nos Estados Unidos em uma milha completa (1,6 km).
O início do cruise
Nesse rastro de história, alguns doidos por automóveis decidiram se encontrar e percorrer a avenida em um passeio (fazer um cruise) em um sábado de 1995 para angariar verbas para a construção de um campo de futebol público. Apareceram 250 mil pessoas quando se esperavam 25 mil. Daí para frente, a coisa toda foi se ampliando e mais e mais entusiastas acharam bacana a simplicidade do acontecimento. Levar seu carro para andar e/ou estacionar em uma via em que quase todo mundo que lá está gosta dessa máquina que mudou o mundo, e conversar, trocar ideias ou apenas curtir.
Hoje, chegar pela primeira vez ao Dream Cruise e apenas observar, não permite aquilatar o tamanho do evento. Na prática, não se percorre toda a avenida, mas mesmo assim, uns 20 quilômetros de carros em dois sentidos e mais tudo que ocorre ao redor, já impressiona muito.
Os números oficiais são de 40 mil veículos e 1,5 milhão de pessoas no sábado. Mas não há aquela sensação de estar em meio a uma multidão, pois a área ocupada é bastante grande. Inclusive não é difícil estacionar nas ruas próximas, basta ter um pouco de paciência para encontrar uma vaga, ou chegar cedo. Os mais fanáticos chegam por volta de 6 da manhã para colocar suas tendas e cadeiras nos melhores lugares, de preferência com sombra, para escapar um pouco do sol de verão, forte e ardido.
Depois de algumas horas de pescoço que se vira e olhos que fotografam, chega uma frustração que se mistura com alegria. Não vai dar para ver tudo, e ainda bem que não vai, sinal que a paixão pelos automóveis e tão enorme que suplanta a capacidade de ao menos conseguir olhar rapidamente para todos os veículos que para lá convergiram. E pensar que tudo isso fica escondido no inverno, longe da neve e do sal, esse sim um destruidor de veículos.
Uma volta de helicóptero para enxergar tudo junto? Mas aí os detalhes se perdem, e os motores não se escutam, muito menos as patinagens ou “borrachadas” (burn-outs), comuns por ali, apesar de tecnicamente proibidas pela lei de trânsito estadual. Mas americano é especialista em festa e show, e a polícia simplesmente faz vista grossa para a lei para permitir o espetáculo que, se diz, contabiliza 56 milhões de dólares para a economia da região.
Claro que exageros não são perdoados. Um burn-out curto é normal e simpático. Mas se alguém arrancar de um semáforo e quiser riscar uns 100 metros de asfalto, vai tomar certamente uma multa, já que não se pode abusar em um local com tanta gente. Uma escapada para cima de uma calçada vai causar ferimentos em terceiros, não apenas nos ocupantes do carro.
Os carros, maior atração, são um exemplo de variedade. Há toda e qualquer marca de todas origens e épocas, originais ou não, em bom ou mau estado. Ou seja, o cruise é completamente aberto a qualquer possibilidade.
Fique então com o mais importante dessa festa anual, nossas adoradas máquinas. Ao final, um vídeo com algumas imagens que consegui captar.
Aqui, algo muito especial para mim e para muitos de nossos amigos leitores e seguidores, um Chevette. Nos EUA só houve a fabricação da versão hatchback, justamente o mais raro no Brasil. Este é todo modificado para arrancadas, e tem motor V-6.
Um carro-símbolo de Woodward é o Silver Bullet (bala de prata), um Plymouth GTX 1967 com motor Hemi 426. Esse carro venceu a maioria das corridas de arrancada feitas na avenida antes de existir o encontro.
Abaixo um que eu precisava ver de perto, um AMC Matador. Já escrevi sobre ele, e a maior curiosidade é ser um modelo que teve motores de 4, 6 e 8 cilindros. Mais estranho ainda é fato de ser um carro na cor bege, talvez uma das piores para qualquer carro, junto com marrom, outra também que não traz muitas alegrias. Importante o fato deste carro exposto ser da versão Barcelona, bastante rara, de 1977.
Foi possível ver o novo Corvette de motor central-traseiro, exposto na área da General Motors. Junto estavam vários modelos, um de cada geração, todos na cor branca (aparecem no vídeo, assistam), e dois dos conceitos de motor central-traseiro, os CERV I e II. CERV significa Chevrolet Engineering Research Vehicle (Veículo de Pesquisas da Engenharia Chevrolet).
De um encontro de carros antigos e modificados no início, há alguns anos fabricantes passaram a expor seus produtos. Havia também algumas áreas da Ford e da FCA, todas expondo seus carros de alto desempenho, além dos normais da linha.
Um local imperdível para quem gosta de miniaturas e livros é a loja Pasteiner’s, que tem um sortimento inacreditável de material relativo a automóveis e corridas, tanto americanos quanto europeus. Todos os sábados pela manhã no estacionamento da loja há um encontro, um Cars & Coffee. Steve Pasteiner tem uma empresa de engenharia de protótipos, e para mostrar as capacidades dela, fez dois carros exclusivos que estavam na frente da loja. Steve trabalhou no Design da GM por 22 anos. É dele também um Corvette modificado que soma a dianteira dos primeiros modelos com a traseira da Chevrolet Nomad, bastante chamativo e interessante.
Para terminar, uma imagem curiosa. Fotografei un Camaro customizado (abaixo), e depois, ao descarregar as fotos, vi na direita da imagem algo que pareceu conhecido. Um Puma P-018 ou um de seu sucessor, o AM2. Como não sou especialista na marca, peço ajuda aos caros leitores para identificar corretamente o carro. Recortei e ampliei a foto para ajudar.
Atualizado em 26 de agosto de 2019, às 22h30min, conforme o leitor Chris, a quem agradecemos:
O Puma é um AM4 de 1989, que estava à venda no site detroit.Craiglist.org
Esse fato prova o que falei no começo do texto: é impossível ver tudo em Woodward! Quando você vier, se prepare!
Assista ao vídeo, um pequeno “teaser” dessa imensidão:
JJ