Quando entrevistei o famoso designer italiano Giorgetto Giugiaro, eu lhe perguntei por que um formato tão exótico de uma massa que ele projetara. “Muitos acham que foi idealizada fora do padrão habitual só para se tornar diferente. Mas o formato foi pensado com o propósito de absorver melhor o molho”.
Observei então novamente o formato do “macarrão” de Giugiaro (foto de abertura) e percebi (apesar dos meus parcos dotes culinários) que fazia sentido sua explicação e que realmente tinha textura e formato para reter melhor o molho. O que, obviamente, o tornava mais saboroso.
Lembrei-me dessa entrevista enquanto andava pela exposição “Beleza em Movimento” (organizada pela Casa Fiat de Cultura em Belo Horizonte) com criações do design italiano, desde sofás e panelas até esculturas e automóveis. Entre estes, duas das obras-primas de Giugiaro: o Fiat Uno e o DeLorean DMC-12 (“De Volta para o Futuro”), dois carros sem nenhuma identidade aparente entre si mas que revelam a genialidade do designer em obter linhas fluidas e harmoniosas, porém funcionais qualquer que seja o propósito do objeto. Mesma filosofia adotada no macarrão, que acolhe tão bem o molho como os dois carros acomodam seus ocupantes. Aí está a identidade entre os mais diversos objetos projetados por Giugiaro: a forma como consequência da função.
O mundo se curvou ao design italiano. Nenhum país reuniu tantos gênios do design em tantas áreas da criatividade. Na exposição estão mais de 100 peças entre esculturas, objetos e automóveis de cinco carrozzieri icônicos: Giugiaro, Bertone, Pininfarina, Touring e Zagato. O curador da mostra é o alemão Peter Fassbender, diretor de Design da FCA América Latina, em Betim.
Se a Fiat tem um alemão dirigindo sua área de design, tem o reverso da medalha: a Volkswagen do Brasil exporta designers brasileiros para a Europa, como Raul Pires, que começou como estagiário em São Bernardo do Campo mas foi depois para o Grupo VW como responsável pelo Design da Škoda e depois diretor de Design da Bentley. E dele o belo Bentley Continental GT, de 2003, e que está na terceira geração
Os irmãos (gêmeos) Marco Antônio e José Carlos Pavone sucederam outro brasileiro, Luiz Alberto Veiga, no Centro de Design da VW na Alemanha. Criaram, entre outros, o up! e o novo Jetta. Marco continua na Europa, José Carlos voltou para dirigir a área de Design da VW do Brasil.
A propósito, Luiz Alberto Veiga tem forte participação na história de sucesso dos irmãos Pavone: ele recebia cartas dos meninos, com desenhos de carros, em que diziam querer ser designers, e os orientou para a para chegar à profissão. O Veiga está aposentado e escreve para o AUTOentusiastas há um ano e meio, aos sábados às 10h00, onde dá verdadeiras aulas do assunto que domina..
Num passado pouco mais distante, designer que se tornou figura icônica da nossa indústria foi Anísio Campos, que desenhou pelo menos 15 veículos entre os anos de 60 e 90. Foram carros de corrida, bugues (Kadron), compactos (Dacon), esportivos (Puma GT-DKW) e até restaurantes. Assinou alguns projetos em conjunto com Rino Malzoni, entre eles o Carcará, um streamliner,,um veículo altamente aerodinâmico com trem de força traseiro-central DKW idealizado para bater o recorde brasileiro e sul-americano de velocidade. Se esquecer o próprio Rino Malzoni — italiano que chegou adolescente ao Brasil e aqui se radicou — criador do esportivo GT Malzoni.
Também destaque nos anos 60 e 70 foi o mineiro Márcio Piancastelli, responsável pelo projeto do VW SP1/SP2, esportivo lançado em 1972, e do Brasília, no ano seguinte. Outro destaque foi o arquiteto e diretor de Estilo da Willys-Overland do Brasil, o também mineiro Roberto Araújo, que transformou o insosso Aero Ace 1955, desenhado nos EUA e lançado aqui em 1960, no elegante e vistoso Aero-Willys 2600 de 1963.
Outros designers que marcaram presença foram o italiano Toni Bianco, também radicado no Brasil, que projetou carros de competição e esportivos (Bianco Furia e Bianco Tarpan) na década de 70, e Mario Hofstetter que criou e produziu, nos anos 80, uma “edição atualizada” do Mercedes 300 SL Asa de Gaivota. Rigoberto Soler, espanhol mas radicado no Brasil, foi responsável pelo Brasinca 4200 GT, esportivo com mecânica Chevrolet que teve cerca de 60 exemplares construídos na década de 60, os últimos chamados de Uirapuru. Além de várias outras pequenas empresas que produziram esportivos mas sem notabilizar seus designers: Miura, Santa Matilde, Farus, Chamonix, MP Lafer, Lobini e outros.
Não falta criatividade nem talento ao brasileiro. O que lhe falta é oportunidade. Quando ela (raramente) surge, ele demonstra toda sua capacidade criativa. Curiosamente, nos primórdios da nossa indústria, vários designers tiveram chances de se sentar à prancheta: projetavam para várias pequenas fábricas de carros de competição, esportivos, bugues, jipes e veículos transformados, que hoje não encontram mais espaço no mercado. As oportunidades se reduziram, mas, por outro lado, quando surgem, projetam internacionalmente nossos designers.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.