Não foi nada inesperado, mas nem por isso deixou de ser um fim de semana inesquecível para quem curte automobilismo. Na icônica pista de Monza o jovem Charles Leclerc venceu seu segundo GP de forma consecutiva e ao volante de um Ferrari (foto de abertura), triunfo mais do que suficiente para consagrá-lo como futuro campeão pelos tifosi locais. Em Interlagos, um fim de semana recheado de provas para várias categorias reuniu 340 carros; dois grids em particular (Turismo Brasileiro e Gold Classic) indicaram que a luz do fim túnel não é nenhum trem vindo em sentido contrário. Resumo desta ópera é que, contra o que muitos pregam, o automobilismo sobrevive e pode oferecer alegrias, empregos e lucros para quem se dispuser a fazer a lição de casa.
Amadurecimento rápido
A trajetória de Charles Leclerc na F-1 é, até agora, típica de grandes pilotos: completou um ano de aprendizado em uma equipe onde seu trabalho podia ser analisado sem reservas (2018, na então Alfa Romeo-Sauber) e após um período de maturação em uma equipe de ponta já deu mostras do que é capaz de fazer. Se no primeiro semestre deixou-se abater pela afobação em disputas com o arqui-inimigo de longa data Max Verstappen, já não se deixa mais levar pela agressividade do holandês e sabe manter a cabeça fria. Melhor que isso: nas suas vitórias, o rival abandonou a prova belga após um acidente na primeira volta e na Itália terminou em oitavo, fruto de uma atuação bem abaixo do seu padrão.
Não bastassem resultados que fortalecem o novato frente a um competidor que desembarcou na F-1 algumas temporadas mais cedo, Leclerc está criando uma situação que é de difícil administração para a Ferrari. O problema atende pelo nome de Sebastian Vettel e não há dúvida que o primeiro monegasco a triunfar na categoria não tem intenção de facilitar a vida do alemão, que agora aparece em quinto lugar no campeonato; com os 50 pontos somados em Spa e Monza Leclerc já soma 182 pontos, 13 a mais que Vettel e apenas três atrás de Max Verstappen, seu próximo alvo.
Um ponto relativamente desprezado na análise do fim de semana merece ser discutido: historicamente, os carros da Ferrari têm rendimento acima do normal quando se disputa o GP da Itália em Monza. Não entra em discussão o trabalho de Leclerc nesta análise, mas a velocidade de reta dos carros italianos era tão superior que nem mesmo com o uso da asa móvel e explorando excepcional vácuo criado nas longas retas deste circuito situado nos arredores de Milão foi possível a Lewis Hamilton e Valtteri Bottas tentar uma ultrapassagem consistente sobre o vencedor e principal líder da prova. Vale a pena conferir se o rendimento de Spa e Monza serão repetidos nas próximas provas e lembrar que tanto o inglês quanto o finlandês erraram nos momentos decisivos e não voltaram a atacar.
Houve, é verdade, motivos outros para tanto. Os pneus do carro de Hamilton já comprometiam a estabilidade do seu carro, fato que o pentacampeão já mostrou ser capaz de superar em outras circunstâncias, mas que desta vez justificou a troca por compostos macios para garantir a melhor volta da prova e um ponto extra no campeonato. Hamilton admitiu que teria muito mais a perder numa disputa acirrada com Leclerc; efetivamente ambos estiveram próximos de uma batida, e muito possível abandono, desfecho que atrapalharia o caminho ao sexto título de sua carreira. Bottas, por sua vez, deixou claro que a agressividade com que enfrente Kimi Räikkönen é, talvez, um mero capricho bairrista e não exatamente uma característica do seu estilo.
Vale destacar o bom rendimento dos dois carros da Renault e a melhor posição de Daniel Ricciardo nesta temporada, quarto colocado à frente de Nico Hulkenberg, resultado que animou Estebán Ocón, que substituirá o alemão em 2020. O resultado completo do GP da Itália e a classificação do campeonato você encontra aqui.
Grids cheios
Interlagos viveu um fim de semana memorável nos últimos sábado e domingo: nada menos de 215 carros de competição, mais 126 inscritos em sessões de track day, movimentaram o circuito paulistano. Nos grids mais significativos foram 61 carros da categoria Turismo Nacional, 50 participantes da Gold Classic Interlagos e 37 do Campeonato Brasileiro de Endurance. Resultado disso é que o esporte sente falta de categorias mais acessíveis e com regulamento que incentive o trabalho de preparadores, como pode ser comprovado pelas duas primeiras especialidades citadas. O simples fato de terem registrado os dois maiores grids da temporada paulista é prova contundente para tal.
Mais importante do que a alegria de ver Interlagos movimentado como era comum antes da profissionalização de categorias de ponta, é capitalizar esse momento e trabalhar em cima dele. Cabe a organizadores, promotores, pilotos e equipes despirem-se de diferenças e vaidades e trabalhar na mesma direção. Certamente não se deve esperar que a próxima etapa do Campeonato Paulista — dia 22 de dezembro —, seja igual, mas se todos os envolvidos arregaçarem as mangas e trabalharem com a mesma vontade como aconteceu no último fim de semana, estará lançada a base para uma temporada 2020 das melhores.
WG