Eu vivo quebrando minhas promessas com meus leitores. Mas, juro, não é minha culpa. Ou, pelo menos, não só minha. Sei que já havia dito que ia tentar não ficar ranheta mas, vejam a foto de abertura deste texto. Como não reclamar?
Este fenômeno de originalidade é de julho passado e aconteceu no residencial Sítio Santo Antônio, em Taubaté (São Paulo), na avenida Manoel José de Siqueira Mattos. Algum gênio conseguiu pintar no chão um aviso de “Pare” depois de uma faixa de travessia de pedestres que ficou exatamente no meio do cruzamento.
Pergunto a quem fez isso: o que é que um motorista que se depara com esta genialidade faz? Para no meio do cruzamento? Passa reto justamente para não ficar parado num cruzamento? Para sobre a faixa de pedestres? Confesso que não sei qual deveria ser o procedimento, mas sugiro colocar nesse lugar quem pintou esta sinalização e por várias horas. Porém, não seria justo com os outros motoristas que teriam que parar subitamente e ainda poderiam se envolver em acidentes. Lembrei daquele episódio do Asterix em que um soldado romano encontra um gaulês pichando um muro com críticas aos dominadores romanos, porém com uma declinação errada em latim. Em vez de prendê-lo, o obriga a escrever sei lá quantas vezes, no mesmo muro, a frase só que da forma correta. Hilário.
É claro que tudo foi considerado um “pequeno equívoco” pelas autoridades — especificamente o secretário de Mobilidade Urbana da cidade. Ele atribuiu o “engano” à empresa – claro que é uma terceirizada. É como se quem as escolhe e deveria supervisionar não tivesse nenhuma responsabilidade. Mas ainda assim, a explicação é surreal: as guias rebaixadas e as bocas de lobo no local não constavam do projeto e a empresa teria executado o serviço com um “ajuste” feito na implantação. Continuei sem entender completamente. Apenas inferi que o projeto foi feito de forma incompleta e quem tinha apenas pincel e tinta teria decidido como resolver isso. Hã?
Sempre questiono a falta de vivência no mundo real de muitos profissionais. Jornalistas que fazem reportagens por telefone sem nunca ter visto os objetos sobre os quais escrevem — sejam carros ou prédios invadidos. Engenheiros que nunca levantaram os narizes das pranchetas costumam fazer coisas deste tipo. Eu mesma participei de reuniões com o poder público quando um projeto incluía uma ponte por cima de um parque e jogaria o trânsito de uma avenida de quatro pistas numa de duas que já é congestionada. As conversas beiraram o surrealismo. Tipo “qual é o problema de uma ponte por cima de um parque? Não vai afetar as árvores que estão embaixo”. Juro que ouvi isso. É claro, que não. Quem conhece o Minhocão em São Paulo ou algum dos muitos elevados que há neste país sabe como é verdejante tudo o que está sob ele (modo irônico no máximo, claro).
O único jeito de fazer esse pessoal entender foi marcar uma reunião às 8 horas da manhã exatamente no local onde a ponte despejaria todo o trânsito. Claro, todas as autoridades chegaram atrasadas. Nooooossa, que surpresa!
Sabe aquela frase “papel aceita tudo”? Esse é o problema. Tem gente que não entende que no mundo tridimensional o que é projetado em duas dimensões nem sempre funciona – especialmente quando já em duas dimensões é mal projetado.
Em Maringá (Paraná) houve outra pérola da sinalização de trânsito há alguns anos que mesmo assim durou algum tempo até que depois de muitas reclamações dos usuários, as autoridades resolveram consertar a besteira. A explicação, novamente, foi um “descuido”. A conversão, antes proibida passou a ser permitida na rotatória da Sote, na avenida Adolfo Viana. Sinceramente, não sei como coisas assim duram qualquer coisa mais do que 2 segundos. É de se imaginar que quem é enviado a colocar qualquer placa ou alterar um semáforo, deveria saber o mínimo sobre o que vai fazer, pois não? Mas parece ser que vivemos numa dimensão paralela onde as pessoas sequer olham a sua volta e se limitam a cumprir ordens, por mais sem sentido que sejam.
Em Brusque (Santa Catarina) a própria autoridade de trânsito confunde os usuários ao colocar placa de proibido estacionar e demarcar vagas para motos (foto de abertura), duas das quais antes da placa, na rua Pedro Werner, no Jardim Maluche. E aí? Quem estacionar será multado? Na foto ao lado, a placa de proibido estacionar não indica início ou término, o que obriga os usuários a manterem 30 metros de distância dela antes e depois para estacionar. Só que logo adiante, a muito menos de 30 metros, a própria autoridade de trânsito sinalizou vagas de estacionamento na rua.
Este tipo de erro, além de confundir os usuários, incentivar a indústria da multa e dar margem a um monte de outras confusões, passa a impressão de que a própria autoridade de trânsito não sabe o que está fazendo — seja porque faz errado, porque permite que seja feito errado ou porque não fiscaliza, vejam só, o trânsito.
Sempre me surpreende como as autoridades de mobilidade no Brasil conseguem fazer lambanças. Viajo com muita frequência pelo Brasil e mundo afora e, especialmente, à minha Buenos Aires natal. É incrível como mesmo com todos os problemas financeiros e de infraestrutura o tráfego na capital argentina é bem planejado, assim como suas obras. Isso não significa que não haja congestionamentos. Há, e muitos, é claro. É uma metrópole, mas as obras tem sido bem planejadas e executadas ao longo dos anos — em sua maioria e a despeito da alternância nos governos. Parece ser que há um certo senso de pensar a cidade par ao futuro. Isso para não falar em outras cidades por aí, muitas vezes com mais recursos. Aliás, é justamente quando os recursos são escassos quando deveriam ser mais cuidados, embora eu seja daquelas pessoas que acham que dinheiro não admite desaforo e ele vai embora quando é mal tratado ou desrespeitado. Meu avô dizia que precisamos cuidar os centavos porque os milhões se cuidam sozinhos. Claro que ele não conhecia alguns políticos que tem por aí…
Mudando de assunto: como todos sabem, não sou fã de carros autônomos porque justamente ele me tira aquilo que eu mais curto num veículo, que é dirigir. Nem digo que não seja prático, inevitável, etc., etc., etc. Apenas que não me agrada pessoalmente. Imaginem a seguinte cena: (“Impacto da digitalização e da automação… hilário! Aqui é seu piloto falando. Hoje estou trabalhando de casa…”)
NG