Sabem, caros leitores, aquela história que tem por aí que antes do aniversário passa-se pelo inferno astral, aquele período em que nada dá certo? Pois é, meu aniversário passou há meses e ainda falta para o aniversário dos carros de casa, mas… a Lady Murphy atacou. Sim, aquela personagem malévola, que antes era conhecida como Lei de Murphy mas que já adquiriu traços de pessoa, feições de bruxa e por isso chamo Lady Murphy.
Como já contei neste espaço, há algum tempo sofri um acidente na estrada que só não foi pior porque Papai do Céu ajudou. Acabei de conseguir o último friso para deixar o carro do meu marido novamente impecável, mas deu trabalho e gastei dinheiro e ainda tenho de levar à oficina para que seja instalado. Sem falar no tempo que perdi por causa de um motorista desleixado e de uma fiscalização leniente que permite que veículos sem condições de circular trafeguem por aí.
Pois bem, somente 10 dias depois daquele acidente estava eu com meu próprio carro paradinha havia cerca de um minuto numa pacatíssima rua de uma cidade do interior de São Paulo, exatamente ao lado da praça principal esperando que algumas pessoas atravessassem na faixa de pedestres da esquina. O cruzamento estavam uns quatro carros adiante do meu, quando um veículo não parou e bateu no que estava atrás de mim. Quando digo atrás quero dizer logo atrás. Tão colado que não passaria uma folha de papel. Como ao contrário dele eu mantenho distância regular do carro à frente, respeitando o Código de Trânsito Brasileiro, que em seu Capítulo III – das normas gerias de circulação e conduta diz:
- 29 Inciso II – o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas;
Assim, apesar de ter sido projetada à frente nem encostei no carro adiante de mim. Mas o impacto na traseira do meu veículo foi razoável. Felizmente, apenas lataria, mas ainda assim motivo de profunda raiva para quem como eu tinha um veículo absolutamente impecável.
Trocamos telefones, e-mails, tudo. Tentei fazer BO pessoalmente, mas sem chance. De uma unidade me mandavam para a outra: GCM, posto rodoviário, delegacia de polícia, tudo. Ninguém quer fazer BO e me mandavam fazer online. Novamente esclarecendo que estava eu numa pacatíssima cidade onde não havia qualquer ocorrência. Mas o sinal do meu celular não ajudava e só consegui fazer o BO na segunda-feira, já de volta a São Paulo e ao maravilhoso mundo da banda larga.
Quem estava imediatamente atrás de mim conseguiu fazer no final de semana e me enviou os dados para que eu desse entrada na seguradora dele pois, assim como eu e seguindo orientação do próprio corretor, entendeu que ele é que deveria se responsabilizar pela colisão no meu carro.
Entrei em contato com meu corretor de seguros para confirmar os procedimentos e ele me disse para abrir ocorrência pelo seguro de quem bateu em mim – ou seja, quem estava logo atrás. Todo mundo entendeu que era isso, então eu fiz exatamente assim. Dias depois, a seguradora pediu para fazer a vistoria no meu carro. Lá fui eu com meu possante para cumprir mais essa tarefa. Mais uma semana e vem a recusa da seguradora alegando que não foi o segurado dela quem provocou o acidente, mas sim o terceiro veículo.
Obviamente eu já havia checado toda a legislação a esse respeito, e, novamente, como quase tudo que envolve legislação no Brasil há pareceres e decisões dos dois tipos. Basicamente, há uma distinção entre colisão e engavetamento. Engavetamento é um acidente com dois ou mais carros nos quais os carros vão sequencialmente colidindo quando um freia subitamente. Não houve isso e sim colisão pois tanto eu quanto o carro imediatamente atrás do meu já estávamos parados há tempo.
A correspondência que recebi da seguradora dizia:
“Caro(a) cliente! (adoro essa profusão de exclamações, como se o que se seguia fosse motivo de felicidade para mim)
Assim que fomos comunicados da ocorrência com o seu veículo, empenhamo-nos para prestar toda a assistência necessária, porque compreendemos que incidentes podem acontecer. Contudo, analisamos sua solicitação e identificamos que não está caracterizada a responsabilidade do segurado no acidente. As decisões que tomamos são fundamentadas nos critérios técnicos da seguradora e às condições gerais da apólice, por esses motivos não podemos atender ao pedido de indenização.”
Imediatamente, liguei para meu corretor e, ao receber o telefonema da seguradora confirmando o teor da correspondência avisei que não concordava e expliquei os motivos. Bla, bla, bla, claro que a resposta foi a padrão e, nada de sequer escutar meus argumentos, mas apenas o discurso padrão. Meu corretor concordou comigo e recorremos da decisão da seguradora. Depois de uma semana, o Jurídico da seguradora pediu mais prazo para analisar o caso do meu sinistro. Pura enrolação, acho, pois a resposta que veio foi, novamente, a mesmíssima.
É claro que eu precisava resolver a questão do carro, especialmente porque o porta-malas ora fechava, ora não, o que me impedia de parar na rua, entre outros vários incômodos. Acionei meu próprio seguro e aí é que a situação ficou ainda mais kakfiana. Era a mesma empresa que a de quem bateu em mim. Coincidência e ironia do destino, diga-se.
Qual foi a resposta da seguradora, agora acionada por mim, como vítima? Segundo me informou o meu corretor, eles disseram que quem foi culpado foi quem bateu atrás de mim mas eu deveria pagar a franquia do meu próprio carro. Juro que achei que estava numa espiral surreal sendo sugada para um inexplicável buraco negro ou numa dimensão paralela.
É ou não surreal? A mesma seguradora adota dois comportamentos diferentes, mas em ambos casos se recusa a pagar. O incrível é que não sei como eu poderia ser vítima de um carro e de outro ao mesmo tempo quando se trata de um único sinistro, mas ainda assim eu é que teria de pagar a franquia do meu carro. Adoraria ser uma mosquinha invisível e saber como prossegue este processo: eles vão cobrar as despesas de qual dos dois veículos? Pelo andar da burocracia, diria que dos dois simultaneamente. Ou não. Ou sim. Ou qualquer outra coisa, pois as respostas parecem ser elásticas.
Como dor de cabeça e burocracia pouca são bobagem, levei meu carro à concessionária para reparo apenas quando a seguradora já havia autorizado e as peças estavam todas na oficina justamente para não ficar tanto tempo a pé. Mas no dia seguinte recebi uma ligação que, ao desmontar meu carro, descobriram que precisavam de mais uma peça — pedida à seguradora, que a pediu à fábrica. Com isso meu carro ficaria parado mais uma semana.
Uns 10-15 dias depois do pedido da nova peça, meu carro ficou pronto. Lá fui eu buscá-lo e deparei-me com outra dor de cabeça. Como foi trocado o para-choque e outras peças de funilaria, a oficina teve de romper o lacre da placa do carro. Com isso, eu teria de levar meu carro até uma unidade do Detran que faz emplacamento e substituição de lacres, preencher toda a papelada, pagar a taxa e, claro, perder mais tempo. Isso porque meu lacre anterior já era amarelo – se não, teria de trocar também as placas pelas refletivas e, claro, ainda mais despesas, prazos novos, etc.
Então, entrei na página do Detran para saber como fazer. É claro que as informações são confusas pois qualquer coisa relativa a “lacre” está incluída em “placa” — mesmo o formulário que é exigido é um no qual pedimos a troca da placa… O pagamento da taxa é um capítulo à parte. No site diz que só pode ser feito nas agências do Banco do Brasil presencialmente – ou seja, nada de pagamento por internet, caixa automático. Só indo em carne e osso até o banco. Moderníssimo. Mas também diz que se as taxas forem num valor abaixo de R$ 3.000 poderá ser paga no próprio local de troca do lacre, com cartão de débito, desde que das bandeiras tal, tal e tal. OK, desconfiada que sou, “printei” a tela e guardei no meu celular antes de ir até a unidade do Detran onde se faz isso — a meros 15 quilômetros da minha casa. Tentei em vão qualquer forma de contato com o Detran, mas nada. O telefone que consta é automaticamente desligado ao completar a ligação e encontrei dezenas de comentários no Gúgol de pessoas que diziam ter encontrado o mesmo problema há meses.
Lá fui eu com cartão de débito, o formulário que diz que vou trocar a placa quando o que preciso é trocar o lacre, os documentos do carro e os meus, por via das dúvidas. Cheguei ao Parque Villa Lobos — e aí um parênteses. Acho irônico chamar aquilo de “parque”. Quem não é de São Paulo não sabe o que é fazer a fila do Detran naquele Saara que alguém muito bem humorado chamou de parque. Só tem cimento e absolutamente nenhuma sombra. E, claro, o dia era de calor etíope depois de vários de frio e névoa.
Estacionei na fila mas, desconfiada como sou, fui perguntar. Claro que não era nada disso. O pagamento tem de ser feito antecipadamente no Banco do Brasil, presencialmente, não tem nada de poder pagar no local… tudo errado. Tentei mostrar ao funcionário a tela do Detran onde diz que o pagamento pode ser feito com cartão de débito, mas ele nem olhou. Disse-me que isso é só na unidade da Av. do Estado. Custa fazer uma página web correta? “Ah, moça, mas eu não sou do Detran, não, sou da lacração. Sou terceirizado”. Gostaria de saber se no caso de um processo trabalhista isso funciona também. Acredito que não. Nesses casos, esses terceirizados querem tudo o que os funcionários regulamente contratados têm direito. Modo irônico ativado, claro.
Toca pegar o carro, ir buscar uma agência do Banco do Brasil. Viva o 4 G e o Waze. Dentro do banco, quatro pessoas diferentes para descobrir como raios fazer para pagar a tal taxa. Claro que o formulário que eu havia baixado da página do Detran e imprimira não era necessário, mas sim um “protocolo” que o terminal 24 horas me deu. E aí nova fila no caixa. Voltei então ao posto do Detran, nova fila, e, quatro horas e meia depois de ter saído de casa, estava de volta com o raio do lacre colocado na placa. Fácil, não?
Novamente, achei que estava numa dimensão paralela, mas não, era no Brasil, mesmo — o que não deixa de ser uma dimensão paralela. Como diz a frase, a cada enxadada, uma minhoca. O pior é que agora sim está chegando o tal inferno astral do meu carro. Acho que vou deixá-lo parado na garagem até passar o período.
Mudando de assunto: eis mais uma piadinha infame, apenas para não perder o hábito: