Projeto de Lei do Senado (PL152/2017), aprovado em 09/10 último pela Comissão de Constituição e Justiça, pretende tornar obrigatório automóveis serem aprovados em testes de impactos (crash tests) antes de serem comercializados. E ostentarem no para brisa um selo que comprova ter cumprido a exigência. Ele ainda terá que ser aprovado em outros turnos antes de virar lei.
Apresentado pelo senador Elmano Ferrér (Podemos-PI), o projeto chove no molhado, pois já existe regulamentação do Contran (Resolução. 221/2007 e Portaria Denatran. 190/2014) exigindo condições mínimas de segurança e proteção aos passageiros para que o modelo seja comercializado no Brasil. As fábricas devem apresentar os resultados de testes realizados por laboratórios credenciados. Independentes ou próprios, desde que homologados ou acompanhados por técnicos indicados pelo governo. Além disso, as etiquetas com o níivel de segurança já estão também previstas pelo programa Rota 2030.
O senador Ferrér ouviu o galo cantar sem saber onde. Ele está enganado ao sugerir que se realizem testes “nos moldes do Latin NCAP”, entidade uruguaia que classifica com estrelas os modelos comercializados na América Latina. Melhor o Latin NCAP do que nada: nossos carros ganharam em segurança desde que os uruguaios começaram a testá-los. Entretanto, não se sabe exatamente por que o senador Ferrér insinua estabelecer os mesmos protocolos do Latin NCAP para se avaliar a segurança dos nossos automóveis.
Há diversas distorções nos procedimentos dos uruguaios, pois não levam em conta a legislação nem as particularidades do nosso mercado. A picape Ford Ranger, por exemplo, foi reprovada nos testes. Só depois de publicado o resultado é que o Latin NCAP se dignou a esclarecer que a unidade testada era comercializada na Colômbia, que não exige as bolsas infláveis frontais. O Kia Picanto vendido no Brasil foi contemplado com 5 estrelas pelo Euro NCAP, mas rebaixado para uma única pelo Latin NCAP, que testou o modelo vendido no Equador sem as bolsss. Outra distorção é testar duas vezes o mesmo modelo. Que pode ser aprovado no primeiro teste mas reprovado no segundo, não porque tenha sido modificado, mas porque o Latin NCAP estabeleceu novos critérios entre os dois testes.
Os uruguaios costumam “mudar de ideia” em relação aos critérios de classificação (que eles mesmos tinham estabelecido) durante o desenvolvimento de um novo modelo e deixam as fábricas falando sozinhas.
Mais uma inadmissível arbitrariedade dos uruguaios é só considerar válido o acessório de segurança (banco infantil Isofix, por exemplo) que, mesmo disponível no Brasil, estiver à venda em todos os países da América Latina. Por essas e por outras é que se criaram na China o China NCAP, o Euro NCAP na Europa e outros NCAP pelo mundo a fora.
O governo brasileiro deveria se preocupar em atualizar e tornar mais rígida a legislação que cuida da segurança veicular, defasada em relação a outros países. As normas estabelecidas pelo Contran, por exemplo, só previam testes de impacto frontal e traseiro, sem mencionar os laterais. Depois que alguns de nossos carros foram reprovados pelo Latin NCAP por não oferecer essa proteção, o Contran correu para torná-los obrigatórios, a partir de 2020. Deveria também fiscalizar o comércio de carros usados, colocando um ponto final nos automóveis que sofreram acidente que resultou em perda total (PT) e que voltam a circular depois recuperados sabem os deuses como.
Se o senador Ferrér está realmente preocupado com a segurança dos automóveis, deveria então prestar atenção nas barbaridades praticadas pelo mercado de peças de reposição, onde se comercializa de tudo sem fiscalização. Não adianta o carro oferecer condições de segurança enquanto novo, mas receber depois rodas de liga leve recuperadas ou fluido de freio fora dos padrões.
Finalmente, já passou da hora de o Brasil contar com sua própria entidade para realizar crash tests respeitando a legislação internacional porém focado nas particularidades do nosso mercado, um “Brazil NCAP”. Ou alguém conferiu poderes aos uruguaios para que estabeleçam regras relativas à nossa segurança veicular?
Com todo respeito ao Latin NCAP, ele que vá cantar em outra freguesia. E leve junto o galo que cantou sem o senador Ferrér precisar onde.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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