Sempre achei que Jornalismo deveria buscar novidades, tendências e, por óbvio, notícias, mas sem deixar de lado as análises daquilo que é corrente, mas que nem sempre percebemos. Provavelmente é por isso que vejo pautas e assuntos em todo lado. Não é intencional, entendam. Amo minha profissão, mas não sou obcecada por ela a ponto de ver em cada conversa um assunto sobre o qual escrever. Mas acho natural que também a imprensa destaque certos assuntos e os destrinche, especialmente quando eles estão bem à nossa frente, como que pedindo para serem abordados.
É mais ou menos como colocar uma lente de aumento sobre alguns temas e ir a fundo nas razões pelas quais são importantes ou porque comportamentos mudaram (ou não). Enfim, acho que é sempre interessante que outro nos mostre algo que por vezes não percebemos.
Foi isso o que aconteceu recentemente comigo. Estávamos em casa com vários amigos almoçando uma bela feijoada que fiz pela primeira vez na vida — aliás, um deles disse que de tão boa que estava um dia todos iam descobrir que eu não sou argentina coisa nenhuma, que na verdade sou bem brasileira porque só assim para obter esse resultado. É claro que fiquei super-orgulhosa. Como sempre quando há muita gente, tento me dividir entre os grupos e as conversas às vezes não se concluem e muitas vezes quando chego ela já está em andamento. Foi assim que acabei entrando num papo já começado sobre termos determinado perfil ou não.
Quando cheguei, um dos meus amigos que toca piano comentou com o outro que quando foi comprar seu próprio instrumento optou por um bom, mas não um Steinway de primeiríssima linha. “Eu não tenho perfil para isso. Não sei tocar tanto assim para usar um piano desses”. E aí a conversa encostou em vinhos (“não adianta me servirem um vinho de 5.000 euros que não saberei a diferença entre esse e um de 100 euros”) e acabou em carros. O assunto era o mesmo. Adianta ter uma mega hiper blaster carro quando se é um motorista normal? Segundo ele, não. Esse amigo meu troca muito de carro e tem um para cada pessoa da família. Gosta, mas vê os veículos como bens de consumo e analisa custo x benefício, valor de revenda, etc, etc etc. Ou seja, bem longe de ser um autoentusiasta, mas ainda assim apreciador de carros.
Talvez pelo fato de eu ter entrado na conversa meio atrasada, talvez porque estivesse preocupada em atender os convidados e obviamente nervosa com minha estréia gastronômica, levei um tempinho para entender. E não é que meu amigo tem razão? Eu mesma, fã de carros, penso um pouco assim também.
Gostaria de dirigir um Bugatti Veyron? Certamente que sim. Compraria um? Veja bem… Eu, Nora, conseguiria perceber umas 10 diferenças entre esse modelo e um McLaren Speedtail? Sem contar obviedades como design, cor e outras que qualquer pouco-mais-que-leigo conseguiria perceber muito provavelmente a resposta seria não. Entre um Bugatti La Voiture e um Volkswagen up! conseguiria apontar algumas dezenas, mas aí não seria justo pois não falamos de coisas comparáveis. E chega um nível que está além do além do além para mim. Eu sempre disse que considero que entendo mais de carros do que a média das pessoas e certamente bem mais do que a média das mulheres. Mas chega um ponto em que, como disse, meu amigo, eu não tenho perfil para esse tipo de carro. Conheço gente que sim consegue apontar não 10, mas provavelmente mais diferenças entre Bugatti Veyron e McLaren Speedtail — ou qualquer outro supercarro. Mas são realmente poucos e certamente menos do que os que acham que podem fazer isso.
Talvez a palavra não seja perfil, como ele usou. Talvez seja outra, mas me falta alguma melhor. Não gosto de escrever que eu não teria sido “talhada” para um carro de milhões de dólares — nem eu nem ninguém deveria achar que não está à altura de algo porque não é disso que se trata. Trata-se de realmente entender, apreciar e principalmente usufruir do delta entre um produto bom/ótimo e um do outro mundo. Talvez o mais correto seja o prosaico “é muita areia para meu caminhãozinho”.
Sou uma ávida apreciadora de vinhos e, assim como no campo dos carros, considero que depois de ter visitado mais de uma centena de vinícolas (sim, é isso mesmo) em cinco continentes, de ter lido muitíssimo, de ter participado de palestras e cursos e, a melhor parte, de ter tomado muito vinho bom ao longo da vida, consigo apreciar uma boa bebida. Mas isso não quer dizer que consiga diferenciar um vinho de 2.000 euros de um de 5.000. Certamente que não, embora ainda não tenham me dado essa chance. E provavelmente também não de outras faixas de preço sem descambar, é claro, para o vinho de mesa – esse sim, facilmente detectável por mim. É algo parecido com isso. Não bebo nem compro vinho de garrafão, mas também não compro uma safra rara de um Romanée-Conti. E tenho certeza de que sou muito bem atendida pela faixa de produtos que há entre os dois.
A todo momento vejo nas ruas e nas estradas ou mesmo no meu círculo de amigos e conhecidos pessoas dirigindo carros para os quais não têm perfil. Vejam bem, não me refiro a poder aquisitivo, mas a perfil mesmo. Gente que parece ter comprado o carro em função de modismo, de status, enfim, de qualquer coisa, menos de perfil. Pessoas que não sabem usar nem 30% dos recursos que o carro que dirigem lhes oferece e que estariam muito bem atendidas por outros modelos.
Não que eu ache que tenho que determinar qual carro cada um tem de ter. Nada mais longe da realidade — até mesmo porque a vida dos outros é algo para o qual eu não ligo a mínima e não me interessa ditar regras para ninguém. Refiro-me (olha a ênclise aí, gente) a dirigir algo que tenha a ver com cada um. Voltando na questão do poder aquisitivo, este meu amigo anos atrás comprou uma Frontier. A esposa detestou. “Eu não sou fazendeira, não ando na terra, para quê vou querer uma caminhonete dessas?”. Pareceu-me (outra ênclise, hoje estou impossível) muito razoável. Para alguém que roda exclusivamente em cidade não fazia sentido mesmo. Ela teve vários carros desde então e atualmente ela está feliz da vida com um March. Novamente, perfil de carro. Nada a ver com poder aquisitivo.
Claro que toda minha pensata é mais fácil para mim porque não ligo a mínima para modismos nem para o que os outros pensam. Nunca comprei carro pensando no que meus amigos iam achar, no que meus vizinhos iam ver na garagem… Comprei carros mais ou menos sofisticados em função do momento ou das circunstâncias, mas sempre levando em conta meu gosto pessoal e minhas necessidades — sim, preciso de um porta-malas gigante, por exemplo. Já tive carro do qual não gostava porque naquela hora era o que dava para comprar. Paciência. Mas quando pude comprar escolhi o que eu quis. Nunca o que era moda.
Entendo alguém comprar um possante avaliando custo x benefício, valor de revenda, custo do seguro, outras coisas, mas fazer isso porque é o carro mais vendido, porque é o modelo que os amigos tem ou porque está na moda… não mesmo. É como matar formiga com bala de canhão. Não precisa. Sobra munição e falta objetivo.
Reconheço os méritos e as qualidades do Marketing e da Propaganda, mas para mim isso só serve se embrulhar um bom produto — ou pelo menos um que seja adequado a mim, para ser mais exata. Se não, não adianta.
Mudando de assunto: como todos sabem, adoro carros e piadas infames. Juntar os dois, então, é puro deleite. Vai aí mais uma da minha coleção: