Eu já havia terminado o meu penúltimo artigo, verdadeira análise das declarações de um técnico, competente, bisneto de Oscar Niemeyer, quando, ao relê-las, deparei-me com uma confissão sobre o fato de que o seu respeitado bisavô considerava o automóvel como: “um câncer urbano”.Em respeito à cultura de Oscar Niemeyer não posso aceitar como verdadeira esta definição, vinda de um arquiteto gênio e consciente de suas limitações.
Oscar Niemeyer jamais se pronunciou como urbanista, sempre se destacando como “primus in ter pares” na sua espetacular arquitetura, baseada nas curvas e no concreto armado. Já na construção de Brasília, onde projetou todos os seus prédios com uma visão futurista digna de seu gênio, teve que seguir o plano urbanístico deste sim, urbanista e arquiteto: o mestre Lúcio Costa.
Em respeito à memória de seu ilustre avô, aqui transcrevo o que disseram especialistas de renome mundial, colocando a sua afirmação, se existiu, que, — repito — não creio ter havido, na contramão de opinião de renomados técnicos, urbanistas internacionais.
Comecemos, com um comentário constante do livro básico, resultado de um grupo de trabalho britânico,em 1963, presidido pelo especialista Collin Buchanan, intitulado: “Traffic in towns”. Tão importante para se compreender e equacionar o trânsito moderno, com a influência primordial do automóvel, foi a ação do mestre Buchanan com este fundamental livro,para quem deve organizar o trânsito em sua cidade, que passou a ser conhecido como:”Buchanans’ Report”, ou seja “Relatório Buchanan”.Esta obra criou uma geração de seguidores em todo o mundo, chamados de “Buchanistas”, entre os quais me orgulho de situar, assim como meu saudoso amigo Roberto Scaringella, reformador do trânsito na capital de São Paulo.
Tive a honra de conhecer Collin Buchanan pessoalmente e de assistir à sua conferência no Rio de Janeiro, no Clube de Engenharia, em 1966. Meses depois eu era chamado a dirigir o trânsito do então Estado da Guanabara e colocar em prática, com sucesso, o que dele aprendera.
Toda esta introdução foi necessária, para iniciar a defesa do automóvel caso fosse verdadeira a conceituação que dele teria o mestre Oscar Niemeyer, com a avaliação do automóvel, constante do livro de Buchanan e seu grupo de trabalho: “O automóvel é uma notável invenção. Tão desejada que se incluiu inevitavelmente na maioria de nossas atividades.Não se pode recuar desta sua influência.”
Além desta opinião de um especialista internacionalmente reconhecido, que poderia ser bastante e suficiente, nada mais contundente, em defesa do automóvel, colocando-o no lugar que merece no planejamento urbano,do que declarou, em seu livro “Compêndio de arquitetura urbana”, o urbanista P.D. Spreiregen, cujas considerações se seguem:
“Certamente o automóvel é a causa mais manifesta do congestionamento urbano e a dispersão periférica das cidades, mas em igual grau de responsabilidade está a nossa atitude, em relação ao uso da terra, juntamente com a escabrosa história do transporte público”.
E mais adiante, complementa:
“O automóvel impõe a sua passagem através a cidade, reclamando linhas claras e desimpedidas do fluxo de tráfego; cria problemas de estacionamento requerendo novas formas de resolvê-los; cria problemas de interseções que requerem novos sistemas de movimento; cria problemas de intercâmbio modal que requerem novos sistemas de conexão; pode desgastar uma cidade ou promover novas formas construtivas; pode destruir a velha arquitetura ou pode colocá-la a seu serviço; requer muitas indicações de destino que necessitam desenhos simplificados e inteligentes; dá origem à confusão da forma urbana, porém pode criar uma nova ordem geral desta forma.”
Exatamente por assim entender, o mestre arquiteto e urbanista Lúcio Costa planejou Brasília, no inicio da segunda metade do século XX, considerando a presença do automóvel, só planejando o deslocamento de veículos sobre pneus, mas tendo como planejador das construções ninguém mais do que o mestre Oscar Niemeyer.
Se este tivesse a conceituação de ser o automóvel, um “câncer urbano” deveria ter advertido o planejador de parte urbanística, para este terrível mal.
Acredito que ficou mais do que demonstrado que não poderá ser verdadeira a inconfidência do bisneto, em respeito à cultura seu eminente bisavô.
P.S.: Aos leitores que insistem em criticar o sistema URV por estarem na “meia ciência”, apenas lhes lembro que o controle do sistema é todo informatizado, inclusive a fiscalização.
CF