Sabemos que esta fábrica deve seu nome à Rodovia Anchieta, à margem da qual, no sentido litoral, ela foi construída. A escolha do local da Fábrica Anchieta seguiu critérios de acessibilidade que previam acesso por rodovia, por via fluvial (havia previsão de os rios Pinheiros e Tietê serem navegáveis, com acesso pela Represa Billings), e por ferrovia (havia um plano de entrar por um ramal ferroviário na fábrica), mas o que vingou mesmo foi o acesso rodoviário que até já existia.
Por falar em Rodovia Anchieta, poucos sabem que há uma passagem de pedestres que passa por baixo das suas duas pistas, construída seguindo os padrões alemães de acessibilidade para os empregados. A passagem fica na altura da portaria principal da fábrica, no km 23,5.
Lá se vão 60 anos da festa de inauguração, mas acho que cabe fazer uma reflexão sobre quando é que uma fábrica está pronta para ser inaugurada. Sim, a Fábrica Anchieta veio a ser inaugurada somente no dia 18 de novembro de 1959, com alas prontas e já produzindo dois modelos de veículos.
Começou pela primeira Kombi nacional em 2 de setembro de 1957 e o Fusca nacional, em 3 de janeiro de 1959; lembrando que a produção desses veículos em CKD pela Volkswagen começara já em 1956 — paulatinamente transferida do galpão alugado da Rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, a primeira sede da Volkswagen do Brasil, estabelecida em 23 de março de 1953, onde a montagem de CKD’s começou em 1954.
Certamente foram restrições de agenda dos presidentes da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira, e da Volkswagen alemã, Heinrich Nordhoff, que acabaram definindo a data da inauguração de uma fábrica que, na verdade, já estava funcionando a todo o vapor, faltando apenas ser inaugurada.
Isto posto, vale a pena entrar um pouco mais nos detalhes desta história, relembrar o pano de fundo deste acontecimento e algumas imagens que marcaram época.
A Fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo, região da Grande São Paulo, começou a ser construída em 1956 e suas áreas foram sendo utilizadas à medida que as obras progrediam.
Este projeto foi impulsionado pelos planos inicialmente traçados pelo presidente Getúlio Vargas, mentor dos planos de instalação de uma indústria automobilística brasileira. Mas sua participação neste plano foi interrompida por seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Ele havia estabelecido as indústrias de base como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) — que foi desmontada nos EUA e montada em Volta Redonda, RJ — e a Refinaria Duque de Caxias, região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Com isso as chapas de aço e o combustível estavam assegurados.
No dia 30 de outubro de 1953, o presidente Vargas, tendo a seu lado o então capitão de mar-e-guerra Lúcio Meira, membro da Comissão de Desenvolvimento Industrial da Presidência da República, visitou o galpão da rua do Manifesto. Ambos observaram atentamente automóveis Volkswagen que serviriam de modelo para a indústria nacional. É interessante notar que um dos carros expostos tinha teto solar de lona, versão que não foi montada no Brasil e nunca viria ser aqui produzida.
Juscelino Kubitschek de Oliveira, empossado presidente da República em 31 de janeiro de 1956, tocou estes planos para frente com redobrado vigor ao criar em 16 de junho daquele ano o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia). Ele teve a visão de nomear presidente do Geia o agora almirante Lúcio Meira, seu ministro da Viação e Obras Públicas (MVOP). Caberia ao Geia acelerar o processo de implantação da indústria automobilística com a concessão de financiamentos e incentivos, bem como estabelecer metas de nacionalização, valendo-se do seu poder executivo e supraministerial.
Em alguns meses a Volkswagen do Brasil estava montando o Fusca e também a Kombi, algo que a Companhia Distribuidora Geral Brasmotor, que desde 1949 detinha os direitos de importação e depois de montagem dos veículos VW no Brasil, não havia feito — as Kombis vinham praticamente prontas de Wolfsburg.
Em 1956, a linha de montagem foi transferida para uma área pronta de uma ala da nova fábrica, construída em tempo recorde, a transferência foi feita de maneira progressiva em função do progresso da obra.
E as máquinas estavam se aquecendo para o lançamento do primeiro Volkswagen brasileiro, que foi uma Kombi, no dia 2 de setembro de 1957.
Em termos de marcos históricos da trajetória da Fábrica Anchieta, seguiu-se a fabricação do primeiro “Volkswagen de Passageiros”, como o carro era chamado na época, no dia 3 de janeiro de 1959. A produção de Fuscas e Kombis corria em paralelo então. Infelizmente não se tem registro fotográfico deste primeiro Volkswagen sedã nacional.
Mas a fábrica, apesar de pronta, não havia sido inaugurada… Só depois de resolvidos os problemas de agenda do presidente Kubitschek e do presidente mundial da Volkswagen, e das autoridades brasileiras, foi marcado o dia da inauguração: 18 de novembro de 1959.
O evento contou com a presença de diversas personalidades ilustres, dentre elas o governador de São Paulo Carvalho Pinto e, do lado da Volkswagen, Nordhoff e o presidente da Volkswagen do Brasil Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk.
A inauguração oficial da fábrica ocorreu três anos depois da “inauguração de fato”, que ocorreu em 1956 com a transferência final da linha de montagem da rua do Manifesto para a fábrica. Com isso a Fábrica Anchieta perdeu três anos na contagem de sua idade real.
Normalmente um empreendimento é inaugurado o mais rápido possível, mas aqui vemos um exemplo contrário, onde não houve pressa alguma para a inauguração.
O vídeo que se segue faz parte da minha palestra “O Fusca no Brasil” e mostra imagens da festa de inauguração. Uma grande quantidade de funcionários da fábrica teve a oportunidade de acompanhar a parte formal da inauguração.
Alguns aspectos são muito interessantes, como o helicóptero Sikorsky H5 da Força Aérea Brasileira que trouxe JK para a inauguração, e o VW cabriolé que já estava próximo ao ponto de pouso esperando Heinrich Nordhoff, ter ido até o helicóptero para recepcionar o presidente da República.
A Fábrica Anchieta conheceu dias de glória no auge da produção de Fuscas quando milhares de carros eram produzidos diariamente bem antes do advento dos robôs de produção.
Em 1970 a linha de montagem do Fusca já tinha alcançado proporções significativas. Hoje em dia a Fábrica Anchieta está altamente automatizada e tem ótimas perspectivas de futuro dado os planos que o Grupo Volkswagen tem para esta unidade.
Desde seu início esta foi quebrando barreiras, como a produção do milionésimo Fusca em 1970; em 1979, um Fusca completou a contagem de cinco milhões de carros VW fabricados, e em 1983 a cada 70 segundos um veículo VW saía das linhas de montagem!
Agora é momento de desejar felicidades a esta grande sessentona que é a Fábrica Anchieta, com votos de muitos e muitos anos de vida e renovações constantes no futuro. Parabéns à Volkswagen do Brasil e aos milhares de funcionários que com seu laborioso trabalho permitiram que esta fábrica se mantivesse sempre jovem e apta para um futuro brilhante.
AG
Obs: Informo que a parte 3 da matéria “ELE GOSTARIA MUITO DE TER SIDO “O” VOLKSWAGEN” será publicada oportunamente. Publiquei a notícia dos 60 anos da inauguração da Fábrica Anchieta em função de sua atualidade, afinal de contas a data do 60º aniversário é hoje!
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