Finalmente dirigi um Alfa Romeo Stelvio! Depois de avaliar o Giulia na Alemanha, em meados de julho passado, artigo que você pode ler aqui, a vontade de andar no suve derivado do festejado sedã virou quase obsessão. E, finalmente, o meu dia — minhas semanas! — de Stelvio chegou.
De um modo geral, a imprensa especializada europeia gostou demais do Giulia. Eu também, e o Stelvio foi recebido de maneira ainda mais positiva, como se fosse a obra-prima do segmento. Dirigi-lo significaria entender o que de tão mágico teriam feito os engenheiros da marca de Arese para transformar um bravo sedã em um suve esportivo de referência, capaz de em sua versão mais ardida, a Quadrifoglio Verde, registrar o recorde da volta em Nürburgring (derrubado pelo Mercedes-Benz GLC 63 S recentemente…) mas também em Silverstone, Brands Hatch e Donington Park.
Serve para quê, um suve quebrar recorde em pista? Marketing, caro leitor, puro marketing. O fascínio que representam recordes é isca poderosa para um certo tipo de consumidor. Porém, por trás disto há também uma excelência técnica irrefutável, algo que permeia a história da marca Alfa Romeo.
Saci Pererê, o que nunca se vê…
Quantos podem, mesmo na rica Europa, empenhar 100 mil euros (470 mil reais pelo câmbio de fins de novembro) e levar para casa um Stelvio Quadrifoglio Verde? Pouquíssimos, claro. É o preço de ter a versão top do suve, que sob o capô traz o motor Ferrari V-6 biturbo de 2,9 litros, com exuberantes 510 cv de potência e 61,2 m·kgf de torque. Durante as quatro semanas que rodei pela Europa neste 2019 não vi NENHUM Stelvio QV, ou seja, ele é um Saci Pererê, aquele que nunca se vê… Em compensação, versões mais pacatas, estas sim, se veem frequentemente. Até mais que os Giulia. O sucesso de vendas do Stelvio é visível não só na Itália mas também na “terra dos inimigos”, a Alemanha.
Diria uma mentira se afirmasse que não fiquei frustrado quando, ao retirar “meu” Stelvio numa tarde de outono em Milão, percebi que a versão designada não era a Quadrifoglio Verde, mas sim a Q4 — que indica tração integral “on demand”— com o mesmíssimo motor 2,2 turbodiesel de 190 cv do Giulia que avaliei em julho. Porém, pensando racionalmente, para realmente conhecer o Stelvio, tal frustração veio a calhar.
Concordem: sair de um Giulia e pular em um Stelvio com poucos meses de distância, e — importante! — ambos estarem equipados com o mesmo conjunto mecânico, motor e câmbio ZF de oito marchas, ajuda bem a ter parâmetro de avaliação, saber exatamente o que diferencia sedã de suve.
Não ter nas mãos o sonhado Stelvio QV me roubou aquilo que seria uma avaliação épica, “Domando o monstro de 510 cv” poderia ser o título. Mas, enfim, saiu o circo, entrou o pão, a chance de conhecer um Stelvio “pé no chão”, aquele que, talvez, eu ou você pudéssemos no futuro caso o FCA Group se anime a vender (de novo…) os Alfa Romeo no Brasil. Preço da versão testada? A partir de 65 mil euros (R$ 300 mil).
Bello, bellissimo!!!
Branco perolizado por fora, vermelho sangue por dentro. O Stelvio me impressionou de cara: intimidante, imponente, mas ao mesmo tempo compacto. Design musculoso e impactante. Na frente, o característico “escudo” dos Alfa Romeo, atrás formas arredondadas, dois escapamentos. Muito estilo, bonito de doer os olhos. O caráter marcadamente esportivo transborda das formas e me veio à mente o Porsche Macan, que com dimensões semelhantes não tem nem um terço do sex appeal do Stelvio no design.
Ao volante, me senti em ambiente instigante: o couro vermelho nos bancos, revestimento de portas e parte do painel contrastando com o preto do teto e partes do console. Complementando tudo isso, insertos aluminizados cá e lá. Nas minhas mão um volante ótimo, através do qual vejo um painel sem firula. Meu corpo, feliz, sentado em posição de dirigir exata, o banco tem ajustes elétricos a rodo. Aperto o botão de partida situado no raio esquerdo do volante e o turbodiesel acorda. As “semanas Stelvio” vão começar…
De Milão fui à Bruntino, visitar meu mais antigo amigo, Pierfranco, nascido no Ipiranga, criado em Bergamo. Ambos loucos por carros, nos conhecemos desde o tempo das fraldas. Para chegar à sua casa dirigi 60 quilômetros em menos de uma hora, em rodovia rápida e em estradinhas movimentadas, trecho que conheço bem, de asfalto perfeito e paisagem de beleza crescente.
Nesta breve primeiro contato com o Stelvio descobri que:
1) A posição de dirigir é bem parecida com a do Giulia, distendida, apesar de estar sentado 19 cm mais alto em relação ao solo.
2) Os 300 kg a mais (para motor e câmbio iguais) não afetaram a vivacidade do turbodiesel em condição de uso civilizado.
3) A direção me pareceu — apesar dos quilos a mais e altura extra — ainda uma grande protagonista do carro, direta e comunicativa, como no Giulia.
Que mais? Mais nada, por enquanto. Depois de 12 horas de voo, fuso horário nos cornos e a carga de tensão que sempre precede viagens de trabalho, já achara coisas demais para um primeiro dia. Excessos ao volante e tocada mais “alegre” ficariam para os dias seguintes, mas nem por isso deixei de notar a resposta pronta ao acelerador do turbodiesel “grazie” ao torcaço de 45,9 m·kgf já a partir de 1.750 rpm.
Amigo enciclopédico
Mal abriu o portão, Pierfranco desanda a falar do Stelvio, e do Giulia, do Giulietta, do MiTo, do 159, 156, 145… e só para quando o abraço, abafando uma frase que continha “75, 33, Alfasud,”, Alfas dos anos 90, 80 e 70. Meu amigo é enciclopédico quando o assunto é carro…
Uma coisa que pincei no discurso de Pierfranco sobre Stelvio e Giulia é o salto qualitativo no padrão de acabamento praticado pela Alfa Romeo que. de um modo geral, os aproximou dos alemães de referência – Audi, Mercedes-Benz e especialmente os BMW. Como sabem todos, o Série 3 serviu de despudorada fonte de inspiração para o projeto do Giulia. Mas, e o Stelvio? É um X3, um X4? Não. Os bávaros, mesmo sacando de suas séries M, nunca conseguiram espelhar 100% da verve de seus sedãs Série 3 nos sport utility vehicles. Já o Stelvio…
No jantar o assunto resvala para o lugar que dá nome a este Alfa Romeo. Trata-se de um passo alpino batizado de Stelvio e “passo”, em italiano, é sinônimo de passagem em português, determinando uma via (estrada ou caminho) que cruza localidades em alta montanha. A escolha do nome Stelvio para este Alfa Romeo, portanto, remete à desafio: qualquer italiano sabe que o “Passo dello Stelvio” (etapa do Giro d’Italia…), e suas oitenta e passa apertadíssimas curvas é prova duríssima para máquinas, pernas e braços, que jamais podem ser duros se a intenção é vencer esta estradinha de cerca 50 quilômetros que, inclusive, atinge a segunda maior altitude da Europa, 2.758 metros acima do nível do mar.
“Que tal levar o Stelvio até lá?”. A ideia era tentadora, óbvia até, mas, como lembrou meu amigo, àquela altura a estradinha distante menos de uma hora e meia de Bruntino estaria fechada para carros, coisa que ocorre todos os anos de novembro a maio por causa do clima.
Sem Stelvio no Stelvio, desandamos a falar da tecnologia. Pierfranco relata as maravilhas da plataforma batizada de “Giorgio”, comum ao sedã e ao suve, obra de uma equipe de 250 jovens engenheiros baseados em Modena, na sede da Maserati, que se propuseram a criar algo de realmente novo e excelente.
Boa parte do empenho foi dedicado à contenção de peso — o Stelvio passa pouco de 1,7 tonelada. Este número baixo foi conseguido por meio de suspensões feitas de alumínio, mesmo material empregado em portas, capô, para-lamas e porta de carga. Falando em material, também o do cardã é chique, fibra de carbono, componente comum a todos os Giulia e Stelvio de tração integral ou não.
No fim da conversa surge um dado que eu não sabia: o Stelvio tem as mesmíssimas suspensões do Giulia, 100% idênticas. Mas como se as bitolas são mais largas (54 e 29 mm respectivamente na dianteira e traseira)? A mágica foi alargar a estrutura onde são atrelados e não o comprimento dos braços.
Manter as mesmas suspensões do sedã permitiu preservar a geometria e inclinação do eixo de rolagem, e portanto conseguir comportamento dinâmico muito similar ao do Giulia, como o qual o Stelvio compartilha o mesmo grau máximo de inclinação. Tal dado é raro nos projetos de suves que dificilmente se valem das suspensões aplicadas aos sedãs sem alteração na geometria.
Somando baixo peso e suspensão em comum com o Giulia, o que se obteve? Teoricamente um comportamento dinâmico excepcional, com pneus que conseguem trabalhar de forma mais eficaz, sempre perfeitamente apoiados no terreno e livres do estresse adicional que a rolagem acentuada (inclinação da carroceria) provoca. As suspensões — duplo braço na dianteira e o Alfa Link® (multibraço) atrás — se destacam por dar as rodas movimentos precisos, com ângulos que permanecem inalterados durante toda excursão.
Quanto à transmissão, a caixa automática ZF de 8 marchas (8HP50) conta com conversor de torque dotado de bloqueador, escolha certeira que, associada ao sistema Q4, deu ao Stelvio capacidade plena para jogar a potência do motor no solo, tenha ele os 160 cv da versão de entrada ou os 510 cv do QV.
O sistema Q4 de tração integral desenvolvido pela Alfa Romeo é do tipo “on demand”, ou seja, durante uso normal — de piso ou tocada —, a tração sempre será traseira. De acordo com as informações de vários sensores, parte da força motriz poderá ser direcionada para as rodas dianteiras até o limite de 50% através de uma caixa de transferência eletro-hidráulica, que conta com uma embreagem multidisco na saída do câmbio. Está presente também um diferencial autobloqueante mecânico na traseira.
Faltou falar de algo? Sim, da alma, o motor deste Stelvio Q4 que descansa a poucos metros deste primeiro jantar italiano de meu tour. Todo de alumínio, o 4 em linha turbodiesel tem exatos 2.143 cm3 e é caracterizado pelo sistema de alimentação Common Rail Bosch de última geração, batizado de Multijet II com Injection Rate Shaping (IRS), injetores por solenóides com pressão de exercício de 2.000 bar. O cabeçote tem duplo comando com quatro válvulas por cilindro e a taxa de compressão é de 15,5:1. Os comandos são do tipo fase variável acionados por correia dentada em vez da corrente. O único turbocompressor Honeywell VNT (geometria variável) é integrado a um coletor de escapamento isolado, possui um cartucho para rolamentos de esferas e um alojamento central arrefecido a água.
Para criar este motor Diesel os projetistas se basearam em versões anteriores do Multijet mas com adoção do bloco de alumínio em vez de ferro, para conter peso que, como vimos, era uma obsessão dos técnicos empenhados no projeto.
Antes de deitar minha cabeça cheia de dados no travesseiro, combinei com meu anfitrião que na manhã seguinte levaríamos o Alfa Romeo Stelvio mostrar seu talento em estradinhas velhas conhecidas nossas do entorno. E com este pensamento fui para a cama depois de 12 horas de voo e incontáveis minutos de papo sobre a vida e Alfas com meu “fratello” bergamasco…
Rumo ao Sul, e com pressa
Não deu certo o tour-teste com o Stelvio: na manhã seguinte um compromisso de trabalho imprevisto fez com que Pierfranco declinasse da diversão. Parti então rumo ao Sul, encarando os 320 quilômetros que conheço quase tanto quanto os que me levam ao litoral norte de São Paulo, trecho que tanto menciono nos Testes de 30 Dias.
Da Lombardia à Toscana, em um sábado de sol, com o Alfa Romeo Stelvio e muito tempo para prestar atenção. Primeira parada? Fotos a 50 metros da porta da casa do meu amigo. Fotógrafo desde que me conheço por gente e conclui, faz tempo, que quando olho através do visor da câmera, detalhes que não seriam percebidos ou notados pelo simples olhar ganham força. No caso do Stelvio, pelo visor vi a intensidade das curvas, a suavidade dos contornos e formas ganharam ainda mais expressão. Fiquei imaginando os modeladores de protótipos de tamanho real em clay (argila) trabalhando as formas do Stelvio.
Mãos desbastando o material maleável, acariciando-o. Isso mesmo, carinho: naquelas formas há paixão genuína, certamente rolou um clima, um calor emocional que resultou nesta harmonia de formas e beleza incomum. Viajei? Acho que não.
O Stelvio (e o Giulia) são automóveis cujo design está bem acima da média e, acredite, as fotos não rendem o impacto de vê-los ao vivo, poder tocá-los — e dirigi-los.
Sessão de fotos completada, lamento Pierfranco não poder ter participado: lembrei de seu lindo drift com um Citroën DS3 Cabrio que “cometeu” ali mesmo diante de sua casa, em uma avaliação publicada aqui mesmo no AE em 2014. O que ele teria feito com o Stelvio? Incógnita!
Nesse trajeto até meu destino, a vilinha de Nozzano, tem a parte chata e a parte boa. A chata é a rodovia até Parma, a A1, a mais antiga a trafegada da Itália. Reta, plana sempre cheia de carros e caminhões. Antigamente era quase pista de corrida, terra de ninguém na qual os italianos tinham certeza de estarem nas autobahnen, sem dar a mínima para o limite de 130 km/h. Agora tudo mudou: o Tutor, o radar de média horária, colocou todos na linha…
Por causa do Tutor levo o Stelvio sem excesso, usando o controle de cruzeiro adaptativo que “lê” quando o carro que vai à minha frente reduz a velocidade, o equipamento me permite escolher quanto espaço manter de distância, que a olho acredito ir de 10 a 50 metros. E que me perdoem os xiitas que detestam qualquer tipo de intervenção eletrônica na ação de dirigir um automóvel mas, numa condição como esta, estrada reta, movimentada e com limite de velocidade rígido, poder contar com esse dispositivo é uma bênção. E, detalhe: o cruise control e seu amiguinho sensor de proximidade permitem que o Stelvio literalmente pare e retome progressivamente a velocidade selecionada, os 130 km/h no caso, sem que seja necessário nenhuma ação de quem dirige a não ser estar com as mãos no volante. Ponto para os automatismos inteligentes!
Passando Parma, entro na A15, rodovia que diferentemente da A1 tem curvas para todos os gostos, menor movimento e, imagino eu pelo ritmo da galera, nada de Tutor. Nesta condição o Stelvio começa a me mostrar seus talentos sob a forma de um rigor impressionante na trajetória escolhida.
As rodonas aro 20 combinadas com pneus 255/45 (Michelin Latitude Sport 3 fabriqués en France) se encarregam de esparramar bastante borracha no piso, mas é certamente o preciso acerto de chassi/suspensões que oferece a sensação de que não há limites para o quão rápido pode se fazer curvas.
Na primeira metade dessa rodovia em que de Parma ruma a La Spezia há 50 quilômetros de curvas rápidas em subida, e nelas o exagero é de casa, e a qualidade máster do Stelvio é confirmada: um suve que não rola, que tem uma direção cirúrgica e que se leva como o… Giulia! Eis o pulo do gato da Alfa Romeo: dar dirigibilidade exata a um suve, o segmento da moda.
Esperneiem à vontade puristas autoentusiastas: guiar com o traseiro perto do asfalto é coisa que só dinossauros gostam (eu incluído). O mundo se modifica mas não é por simples modinha que os suves vendem bem. O arte de guiar, de querer comandar um carro de maneira precisa e extrair dele o máximo que ele pode dar caiu em desuso. Dirigir bem automóveis não é algo ambicionado, valorizado.
Hoje conta mais a praticidade. E, de fato, entrar em sair de um suve (para começar) é mais fácil do que fazer o mesmo em um sedã. Idem colocar comprinhas, sacolas e bagagens. Idem o resto do discurso todo: ver o trânsito do alto e a suposta segurança (ou sensação de) que isso traz, a falsa impressão de robustez, a capacidade de superar pisos ruins pela maior altura..
Subindo a estrada, pé no porão, tomar as curvas a velocidades impublicáveis com o Stelvio traz a perspectiva de uma possível “vida inteligente” no mundo suve. Nessa divertida escalada, em não mais de 20 minutos de lenha, constato como sobra chassi. Quanto ao motor, ele é apenas justo: os 190 cv com 45,9 m·kgf de torque do turbodiesel não são poucos — é impossível dizer que o Stelvio é lerdo nesta versão — mas… e com o V-6 Ferrari de 510 cv, ou mesmo com a versão gasolina de 280 cv empurrada por um quatro em linha turbocarregado, o que seria diferente? Resposta: o pulo entre uma curva e outra.
Mesmo usando as enormes borboletas para reduzir marcha e com isso tentar ganhar algo na resposta, o motor turbodiesel é plano, a curva de torque atinge seu pico quase em marcha-lenta e assim segue até o limite de rotação a 4.500 rpm. Nos motores a gasolina a emissão da potência é diferente, o torque é progressivo e o limite de rotação, mais alto, beira os 7 mil.
Conformado, ambientado e maravilhado, lembrei do seletor no console, que muda parâmetros relacionados ao comportamento de direção, frenagem, suspensões e resposta do acelerador, entre outros. Passo do modo N (toda vez que o carro é ligado está em N), de “Neutral”, para D de “Dynamic” e foi perceptível, mais do que qualquer outra coisa, sentir a direçãoter mais resposta.
Quando começa a descida dos Apeninos, mais 50 quilômetros de curvas algo mais apertadas, chegou a hora de usar os freios para valer e lembrei do sistema IBS – Integrated Brake System, já conhecido no Giulia. É o primeiro “brake by wire” de sucesso da indústria automobilística no qual a ligação entre pedal e o servo-freio é eletrônica e não mecânica. Quem se encarrega de dar sensibilidade ao pedal é um software. O sistema é mais leve do que um convencional (6 kg contra 9 ou 10 kg), o pedal não vibrará nunca e terá curso constante mesmo em uso intenso. Além disso, a pressão de frenagem em cada pinça varia através da “conversa” dos sensores do IBS com sistema de controle de estabilidade.
Como funciona? Funciona muito bem. Uma patada no pedal serviu para fazer voar do banco do carona celular, máquina fotográfica e quase quase o para-brisa recebeu o lanchinho que engoli meia hora antes. Potente e modulável, freia como deve.
Chegando ao destino, descanso eu, descansa o Stelvio. E, com a cabeça no travesseiro, me pergunto: se pudesse comprar Giulia ou Stelvio, qual seria? Essa pergunta feita antes de guiar o suve teria como resposta um grito – GIULIAAAAAA! – mas agora, 400 quilômetros de Stelvio bambearam esta certeza..
Quebra do paradigma
Um retrospecto recente mostra que nos últimos três anos avaliei três Alfa Romeo para o AE aqui na Itália: o esportivissimo Giulietta Veloce 1750i e seu motor pura pimenta de 240 cv, avaliada em 2017 (leia aqui), o Giulia Q2 B-Tech em julho passado e, agora, este primeiro suve Alfa Romeo, o Stelvio Q4.
Oh, dúvida! Um sedã raçudo ou o suve-novidade, que contraria minhas mais arraigadas crenças que, em síntese, dizem que quanto mais baixo (sentar) e menor (por fora), melhor. Para tal conclusão, levo o Stelvio aos meus lugares, as típicas estradinhas apertadas de uma parte da Itália que conheço muito bem. Pouco movimentadas, me permitem fazer o que não se faz: levar os carros a seu extremo.
No dia do Stelvio nestes mágicos pedacinhos de asfalto chovia de verdade, muito, mas entendi que tanta água caindo do céu era uma bênção. Afinal, não estou com um tração integral? Então, vamos ver se é verdade mesmo que o Q4 joga até 50% da tração para a dianteira quando isso se faz necessário, e verificar se tudo funciona bem.
O contraste da rodovia, de piso impecável, com estas estradinhas de pavimentação bem degradada é enorme. Desníveis, rachaduras, remendos são comuns. Nesta condição, a escolha do modo Dynamic deve ser feita apertando também o pequeno botãozinho com um desenho de amortecedor no centro do seletor circular no meio do console, que se encarrega de reduzir a dureza das suspensões evitando um pula-pula desnecessário, desconfortável e contraproducente para fins de performance.
A cada curvinha tomada o grau de confiança crescia. Asfalto molhado exige atenção redobrada, ainda mais com carro que não se conhece 100% (e é dos outros). Logo percebo que melhor do que usar Dynamic é selecionar o Neutral, e que mais do que aderência o problema para levar o Stelvio a mostrar suas capacidades é visibilidade: mesmo trabalhando em força máxima os limpadores de para-brisa não dão conta de tanta água.
Minha sessão nonsense termina antes que algo chato acontecesse, mas o recado foi dado pelo Stelvio: a mesma sensação de segurança e de pneus plantados no solo passadas nos curvões a 180 e passa km/h permaneceu nos cotovelos molhados a 50 km/h: carro na mão, a direção é o ponto alto e a estrutura geral foi pensada para aguentar potência bem maior como… a aplicada ao Stelvio QV!
Na volta para casa, uma rotatória vazia, larga me dá a chance real de perceber a ação do Q4, a tração integral on demand: aumento a velocidade no carrosselzinho de repente e o Stelvio acena uma gostosa traseirada, logo é contida. Não fui eu: sensores determinam a entrada em cena da tração dianteira e trazem de volta o suve ao prumo e, pela primeira vez, percebi a direção ficar efetivamente mais pesada, como consequência da aplicação do torque às rodas dianteiras.
No gira-gira da rotatória o aumento de velocidade foi até quando a eletrônica deixou, e a ação de múltiplos duendes aplicaram freio aqui e acolá, cortaram potência e fizeram outras graças, tudo em nome da eficiência dinâmica. Azar meu, não vou conseguir de jeito nenhum fazer o Stelvio esparramar nas quatro, ou levá-lo a um espetacular drift porque — como no Giulia — não é possível libertá-lo totalmente dos controles de estabilidade e tração.
Refleti que a pergunta feita no segundo parágrafo deste meu longo blábláblá (desculpem, mas não tenho tempo para escrever pouco…) — “o que de tão mágico teriam feito os engenheiros da marca de Arese para receberem tantos elogios pelo primeiro suve da marca”—, tinha sido respondida: o Stelvio é um suve só na aparência. Ele permite ser levado como o Giulia, responde como o Giulia e passa as mesmas sensações para quem está ao volante que o Giulia. Única real diferença? Bebe um pouco mais. Nos meus mil quilômetros de Stelvio o consumo foi de 14,8 km/l contra os 16,4 km/l conseguidos com o Giulia, o que combina com o diferente coeficiente aerodinâmico destes modelos, 0,25 para o sedã e 0,30 para o Stelvio (recorde na categoria).
Outra pergunta respondia foi quanto à escolha: Giulia ou Stelvio, Agresti? A escolha, impensável antes que esta avaliação acontecesse, me leva ao suve, que às qualidades do sedã alia maior espaço e acessibilidade no porta-malas, facilidade de embarque e desembarque e outros aspectos ligados à praticidade, mas mantendo a verve genuína que se espera de um Alfa Romeo. Enfim, estou ficando velho, mas talvez mais esperto. E na modinha…
RA
P.S.: Notou que não houve menção ao sistema de áudio/multimídia, infotenimento, conectividade, climatização e assistência à condução (o Stelvio é nível 2 em autonomia)? Pois é! Meu princípio: quem se interessa por um Alfa Romeo quer mesmo é saber da dirigibilidade e não do resto que, como vocês bem podem imaginar, está lá.
Nota: Foram feitas várias captações de vídeo pelo autor, que se encontram em edição. O vídeo único abrangendo todas as imagens será publicado posteriormente em separado, mas integrado a essa matéria.
FICHA TÉCNICA ALFA ROMEO STELVO Q4 AWD | |
MOTOR | |
Denominação | FCA Multijet II |
Tipo | Turbodiesel, 4 cil. em linha, longitudinal, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, correia dentada, variador de fase na admissão e escapamento, 4 válvulas por cilindro, injeção direta por common rail, turbocompressor de geometria variável com interresfriador |
Diâmetro e curso (mm) | 83 x 99 |
Cilindrada (cm³) | 2.143 |
Taxa de compressão (:1) | 15,5 |
Potência (cv/rpm) | 190 / 3.500 |
Torque (m·kgf/rpm) | 45,9 / 1.750 |
Corte de rotação (rpm) | 4.500 |
Velocidade média do pistão máxima (m/s) | 14,8 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Automático epicíclico ZF 8HP50, conversor de torque, 8 marchas + ré, tração nas 4 rodas sob demanda, predominante traseira |
Relações das marchas (:1) | 1ª 5,00; 2ª 3,20; 3ª 2,143; 4ª 1,720; 5ª 1,314; 6ª 1,00; 7ª 0,882; 8ª 0,610;ré 3,45 |
Relação do diferencial (:1) | 3,27 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, braços triangulares superpostos, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra antirrolagem |
Traseira | Independente, multibraço, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra antirrolagem |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade |
Relação de direção (:1) | 11,8 |
Diâmetro mín. de curva (m) | 11 |
Voltas entre batentes | 2,2 |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/330 |
Traseiros (Ø mm) | Disco ventilado/292 |
Controle | Atuação eletrônica “sem fio”com bomba hidráulica, distribuição eletrônica das forças de frenagem e vetoração por torque |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio, 7,5J x 20 |
Pneus | 255/45R20V (Michelin Latitude Sport 3) |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Monobloco em aço, subchassi dianteiro e traseiro, sedã, 4-portas (de alumínio, assim como o capô), 5 lugares |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto | 0,30 |
Área frontal (calculada, m²) | 2,543 |
Área frontal corrigida (m²) | 0,763 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.687 |
Largura sem espelhos | 1.903 |
Altura | 1.671 |
Distância entre eixos | 2.818 |
Bitola dianteira/traseira | 1.610/1.650 |
Distância mínima do solo | 200 |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 525 |
Tanque de combustível | 58 |
PESO (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.745 |
Carga útil | 585 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 7,6 |
Velocidade máxima (km/h) | 210 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL NEW EUROPEAN DRIVING CYCLE | |
Cidade (km/l) | 18,2 |
Estrada (km/l, G/A) | 22,7 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 8ª (km/h) | 67,7 |
Rotação a 120 km/h em 8ª (rpm) | 1.800 |
Rotação à vel. máxima (rpm, 7ª) | 4.500 |