Um amigo me pediu para falar um pouco mais sobre ergonomia no automóvel.
A parte de ergonomia no automóvel é tratada por uma área específica, dentro da engenharia como um todo, mas muito especialmente pela área de design que é responsável por criar a forma que vai entrar em contato direto com o corpo humano.
A ergonomia e a ciência que estuda o relacionamento do corpo humano com produtos criados pelo Homem.
Quando se fala em ergonomia vem-nos à cabeça o manequim de um homem posicionado dentro de um automóvel, sentado, com mãos ao volante e pés nos pedais.
Porém, este relacionamento entre homem e carro, começa antes do homem entrar no interior do veículo.
Por exemplo, as novas regras, normas e leis de proteção ao pedestre, já em vigor na Europa, obriga os designers e engenheiros a criar formas no exterior que respeitem certos limites e normas.
Por exemplo, o para-choque dianteiro tem que criar duas superfícies no mesmo nível, porém distantes verticalmente, para amenizar as lesões em caso de atropelamento de um adulto.
Se você tem uma superfície mais profunda e outra exposta, a mais exposta vai fraturar com mais facilidade o joelho do manequim.
A superfície completa do capô não pode ter nenhum ponto rígido sob ele mais próximo que 60 mm.
Após um atropelamento padrão, a cabeça da vítima tem a tendência de bater na área do capô, perto do para-brisa. Por este motivo a lei dita que ou se cria mais espaço entre capô e elemento rígido, levantando toda superfície do capô, ou criando dispositivos ativos, que, levantam a superfície do capô fisicamente, antes da cabeça atingir a superfície.(como um airbag)
Outra implicação externa com a ergonomia está no acesso ao interior do automóvel. Para abrir a porta precisamos de um trinco, muito forte, porém com toque delicado.
O ângulo de direção de abertura do trinco (puxamento), o espaço entre os dedos e carroceria, e uma forma que proteja a mão de um esmagamento acidental, são levados em conta.
O trinco não pode ter cantos (raios) menores de 3 mm, e não pode ter divisão de ferramentas na área de toque.
Quando a porta estiver toda aberta, o que vai ajudar muito o acesso é um ponto H mais alto, ou seja, sentar-se mais alto em relação ao solo e ao assoalho do veiculo.
Ponto “H” baixo e muito bom para estética e para a estabilidade, mas é péssimo para se sentar e principalmente se levantar.
A maioria dos Lamborghinis e Ferraris são objetos de desejo de senhores com idade já avançada, que na realidade sofrem bastante na hora de sair do veículo.
Claro que é muito importante preservar de maneira adequada o espaço de entrada da cabeça. Parece meio óbvio, mas dependendo da inclinação do gap da porta e consequentemente do “frame” das janelas, pode-se bater não só a cabeça mas também no seu próprio corpo quando do fechamento da porta pelo lado de fora.
Ainda do lado de fora existem alguns temas importantes quanto à ergonomia. Por exemplo, a altura da abertura da tampa do porta-malas.
O ideal seria ela se alinhar com a altura do assoalho traseiro, para evitar o movimento de subir com a bagagem para depois descê-la ao assoalho, movimento que quando feito com muito peso pode causar problemas nas costas do usuário.
Esta “barreira” fornada pelo painel traseiro e guarnições é criada na maioria das vezes por questões estéticas.
A linha de abertura do porta-malas muito baixa é muito feia e prejudicial para o design, já que ela “quebra” linhas importantes, e por isso mesmo, na maioria dos carros esta exigência de Package é ignorada.
Porém, para carros com uma finalidade mais funcional, como peruas, picapes e vans, o conceito de linha de abertura de tampa alinhada com o assoalho ainda é usada com grandes vantagens ergonômicas para o usuário.
Outro cuidado deve ser, quando a tampa do porta-malas estiver toda aberta para carga ou descarga, a cabeça não pode tocar acidentalmente na tampa ou anexos presos à tampa.
Em muitos carros está posição da tampa em relação a cabeça é bastante crítica.
Bom, chega de falar sobre exterior, agora vamos para dentro do veículo.
É interessante que todos os movimentos de se abrir a porta e de alguma maneira nos metermos por dentro do carro até terminar sentado, fazemos de maneira quase que inconsciente.
Você se lembra exatamente da sequência de movimentos até chegar lá, em frente ao volante?
Pois é, o corpo humano e uma máquina tão sofisticada e perfeita que mal nos damos conta de movimento que fazemos inconscientemente.
Porém, o importante em termos de ergonomia, quanto à posição do banco, é que ele deve estar alinhado com o volante e também aos instrumentos combinados do painel.
No passado, por motivos técnicos ou filosóficos o eixo do volante, em alguns casos, não era alinhado com a linha de centro do banco, ou do instrumento combinado, causando, a princípio, uma má sensação para o motorista.
Com o passar do tempo, o motorista pode até acostumar com este desvio, porém, a sensação de erro permanece para sempre.
Os ângulos de conforto, do encosto versus assento, e do conjunto versus assoalho variam de marca para marca.
Porém, nos hoje em dia, as boas marcas oferecem regulagens opcionais a gosto do freguês, tornando a vida a bordo, principalmente para o motorista, uma missão agradável.
O volante que pode variar de inclinação e profundidade (alguns consideram distância), e o banco que pode variar na altura do assoalho, inclinação do assento e inclinação do encosto, mais a posição para frente e para trás, cobre praticamente qualquer situação de conforto para qualquer manequim, seja uma garota de 1,50 m ou um homem de 1,95 m de altura.
Na realidade o importante é, ao nos posicionarmos para a condução de um automóvel, atentarmos a alguns detalhes.
Sentado com as costas completamente encostadas no encosto, estique a perna esquerda até acionar ao máximo o pedal de embreagem.Então, regule desta maneira a distância do banco em relação ao painel.
Se o carro for automático, procure o apoio de segurança da perna esquerda ou uma movimentação de conforto da pena direita entre o acelerador e freio.
Já em relação entre tronco versus o volante, a posição ideal, que me foi passada por um piloto de teste do ADAC, o maior clube de automobilismo na Alemanha, é a seguinte:
Sentado com as costas encostadas no encosto do banco, estique seu braço sobre o centro do volante e regule seu banco para frente ou para trás até que o seu pulso esteja sobre o centro do aro do volante.
A posição a princípio pode nos parecer “muito perto” do volante, mas esta é a posição recomendado pelos experientes pilotos do ADAC, que têm sua formação nas pistas de rali, em minha humilde opinião as corridas que mais exigem de qualquer piloto.
Na ergonomia automobilística moderna, nós não determinamos posições fixas, mas a ideia é dar o maior número possível de opções de regulagem do manequim em relações aos comandos: volante, pedais, alavancas de câmbio, freio, e todos outros controles manuais como regulagem de ar-condicionado, acionamento das luzes externas, limpadores de para-brisa, abertura dos vidros, regulagem dos espelhos retrovisores, e até acesso ao porta-luvas.
Cada corpo humano tem suas próprias características. Alguns com tronco mais longo, outros com pernas mais longas, sem contar a altura total. Procuramos atender de 1,50 m até 1,90 m, porém também tem os mais magros e os mais gordos.
Com as novas soluções digitais, praticamente todos os controles mecânicos serão abolidos, e todos estarão na tela, por enquanto posicionada no centro do painel.
Esta mudança conceitual muda tudo, e todo aquele “finesse” a que submetíamos nossos controles serão desnecessários.
Texturas anti transpirante ou mecânicas, qualidade de percepção de acionamento, toque e funcionamento, ergonomia dos acionadores, ruído e força de acionamento… tudo isso será substituído por um só sentimento: o toque liso e frio da tela.
Para que o toque na tela não fique tão insignificante, sons de toque ajudam a passar a mensagem de que o dispositivo foi acionado.
A questão vai além dos ângulos de conforto da coluna e pernas, mas também da posição dos braços e mãos.
As mãos deveriam estar na posição 10h:10min e os descansa-braços, seja na porta ou entre os bancos, também têm sua posição e ângulos determinados, com base nos manequins.
No grupo VW os puxadores internos de porta “padrão” são verticais inclinados conforme a relação pulso x mãos.
O acionador de luz, sempre do lado esquerdo do volante, localizado no painel de instrumentos.
Questão de DNA.
Quando olhamos está vista lateral vemos que na realidade todos elementos do interior está de uma certa maneira ligadas à posição ergonômica do manequim no carro, principalmente a do motorista, que tem a responsabilidade da condução do veículo..
A visibilidade dos instrumentos combinados assim como de todos comandos, a visão dianteira, e traseira que se da através dos espelhos retrovisores, estrategicamente posicionados à disposição do motorista.
O manequim também analisa o quão difícil é se posicionar o pé no assoalhoestando sentado nos bancos dianteiros.
Os passageiros traseiros também são posicionados e todo seu espaço é estudado em detalhes, desde o acesso à posição sentado, como detalhes como descansa-braços e direcionamento de ar-condicionado para o banco traseiro.
Mas temos que admitir que os bancos traseiros estão cada vez mais abandonados, já que a grande maioria dos carros andam por aí com um único passageiro, justamente o motorista.
A maioria dos carros europeus dá preferência a somente dois lugares no banco traseiro.
No Brasil, conforme os marqueteiros, a tal da “família brasileira” exige três lugares no banco traseiro, com o que eu nunca concordei, pois desta maneira (com três pessoas) você perde a possibilidade de criar bancos anatômicos com bons apoios individuais, em favor um banco “flat”, plano e sem graça.
O amigo que me sugeriu este tema, um autoentusiasta de primeira categoria, pediu que eu comentasse também sobre a ergonomia nos pedais, e menciona, aborrecido, que no VW up! é impossível de se fazer um “punta-tacco” (manobra com os pés que permite você frear e acelerar ao mesmo tempo com o pé direto), muito usado em ralis de velocidade em corridas em circuito com carros de câmbio manual.
Ele alega que todos VWs permitem está operação, menos o up!.
Eu não me lembro de exigências ergonômicas que levem em consideração esta manobra, porém no passado a posição dos pedais possibilitava está manobra e hoje não mais.
De qualquer maneira, ninguém soube me dizer porque isso mudou, mas eu posso imaginar como isso aconteceu.
Na realidade, a troca de marchas manual é uma manobra que será extinta completamente dos automóveis modernos, já que a troca de marcas manual ainda existe somente para justificar um preço extra pelo câmbio automático, pois parece que ninguém mais que trocar marchas manualmente.
Aliás, mesmo dentro da indústria automobilística se comenta que as pessoas não só não querem mais trocar de marcha, como também não querem mais dirigir o automóvel!
O automóvel do dia a dia nas grandes cidades são realmente um purgatório em vida.
Com o advento do carro automático, muitas outras funções “mecânicas” foram substituídas por eletrônicas e automáticas, autônomas.
A mais bem-vinda acredito que foi a direção com assistência que começou hidráulica, passou a eletro-hidráulica e hoje é elétrica com gerenciamento eletrônico.
Depois, a troca da manivela de levantador dos vidros pelos acionadores elétricos.
Ajustes do banco com acionadores elétricos é uma das delícias automobilísticas. Ultimamente descobrimos o acionamento de partida sem chaves, por botão.
Freio de estacionamento também virou botão!
Tudo estava virando botão, quando de repente…
Descobriram-se as telas táteis,sensíveis ao toque, que aos poucos foram engolindo todas as funções, conforme elas foram se eletrificando e digitalizando.
Um Tesla não tem nenhum controle tipo botão. Quase todas funções estão disponíveis na tela, um monstruoso iPad no centro do painel e mais nada.
Algumas outras funções em alavancas ao redor do volante, que já se tornou um joystick, pois também não tem mais a função mecânica, mas simplesmente emite sinais para acionadores de direção.
No momento estamos vivendo uma histeria nos meios automobilístico.
O mundo muda muito mais rápido do que nos conseguimos criar e produzir.
Ainda bem, que mesmo com todas estas mudanças, nosso corpo continua o mesmo. Continuamos nascendo exatamente como éramos antes do automóvel ser inventado e, se Deus quiser, assim continuaremos mesmo após a extinção completa do automóvel.
LV