Num Brasil onde o originalmente Jeep Willys, renomeado Jeep Ford por ser produzido pela marca do oval azul, e o Toyota Bandeirante, dominavam o cenário dos 4×4 a serviço do Exército Brasileiro, mais para o fim da década de 70 apareceram dois “jipinhos” com motorização Volkswagen e tração 4×4 que tentaram a sua sorte perante nossas Forças Armadas no momento em que se anunciava a saída de linha do Jeep.
A história deste veículos sempre esteve envolta num manto de mistério, em especial a do VEMP (acrônimo de Veiculo Militar Protótipo), da Volkswagen, do qual foram construídos somente dois protótipos (um 4×4 e outro, 4×2). Já o Jeg entrou em produção tendo muitas unidades produzidas — mas as informações são esparsas. Portanto não há, em muitos aspectos, como deixar de se locomover no campo das suposições.
Na parte 1 desta matéria vamos tratar do VEMP cujo sobrevivente foi recentemente apresentado na “Garagem Volkswagen”, showroom preparado no contexto da comemoração dos 60 anos da inauguração da Fábrica Anchieta.
A Volkswagen mostrava ousadia ao desenvolver um projeto inédito para poder participar de uma licitação do Exército Brasileiro no início dos anos 1970. A especificação falava em “veículo todo-terreno, com tração 4×4, e que tenha capacidade para rebocar 500 kg.” E assim surgiu o VEMP.
Abaixo uma rara foto mostra o VEMP 4×4 sendo testado pelo Exército, e atendendo ao edital estava rebocando uma pequena carreta com os especificados 500 kg:
Este veículo chamou a atenção da imprensa especializada em automóveis, como mostra, acima, a reprodução da foto da versão 4×2 publicada pela revista Quatro Rodas:
Com construção do tipo carroceria sobre chassi, trazia o mesmo motor traseiro 1600 arrefecido a ar aplicado aos demais modelos da linha Volkswagen. A carroceria de aço é toda feita com linhas retas e simples, para facilitar a produção e a manutenção. E detalhes mostram a preocupação de oferecer estruturas fortes visando a aplicação militar, como os para-choques, ganchos, engates, etc.
A tração é traseira, com caixas de redução nos cubos das rodas, solução empregada por Ferdinand Porsche nos anos finais da década de 30 nos seus jipes (Kübelwagen – jipe leve 4×2 — e Schwimmwagen — veículo anfíbio 4×4) e nos Kommandeurwagens (carros do comandante —, Fuscas com a mecânica do Kübelwagen e alguns, do Schwimmwagen). A tração nas rodas dianteiras, quando necessária, é engatada por meio de uma pequena alavanca ao lado da de câmbio. A suspensão dianteira utiliza barras de torção longitudinais (ver detalhes no quadro adiante)..
Foram feitas duas unidades do VEMP. Sobre uma delas há poucas informações, trata-se da 4×2 que, segundo a lenda, foi parar no sítio de Wolfgang Sauer, presidente da Volkswagen do Brasil na época, onde ficou por anos servindo nas lides.
Depois de recusado pelas Forças Armadas, a unidade 4×4 em exposição na “Garagem Volkswagen”, permaneceu na Fábrica Anchieta e passou a ser utilizada internamente. Foi descaracterizada, recebeu rodas de liga leve, outra pintura e perdeu o visual de veículo militar. Era utilizado para puxar um carretas com peças entre os setores da fábrica.
Escolhido para ser resgatado e integrar o Acervo da Volkswagen do Brasil, este VEMP foi totalmente desmontado e entrou em processo de restauração. No entanto, havia poucas informações disponíveis a respeito e quase todo o processo foi feito a partir de fotografias de época (daí as diferenças entre as fotos antigas e o resultado da restauração).
De volta ao seu estado original, o modelo conta com algumas modernizações, como os bancos dianteiros de Fox e o motor 1600 da Kombi.
Embora não tenha sido aprovado pelo Exército, o projeto teve sua história preservada na “Garagem Volkswagen”. O motivo da reprovação foi o fato do motor ser traseiro e a especificação interna das Forças Armadas previa motor dianteiro (norma militar inexplicável tecnicamente) …
Uso do “chassi” de Kombi no VEMP
Perguntado ao Guilherme Sabino, que cuidou do Acervo durante anos, sobre o chassi do VEMP, ele esclareceu o seguinte:
“A Kombi, apesar de ser monobloco, possui um chassi também:
Só que ele não é separado da carroceria como nos veículos de construção separada (carroceria sobre chassi), porém, se retirarmos tudo que é soldado sobre ele, teríamos algo assim:
No caso do VEMP, usamos tudo isto até o dash panel, ou painel corta-fogo; isto permitiu usar todo conjunto mecânico da Kombi na parte traseira com suspensão e ancoragem do motor e câmbio. O chassi de Kombi foi encurtado em 40 centímetros, o entre-eixos passando a 200 centímetros..
Na parte dianteira foi projetada e construída uma nova suspensão com braços triangulares superpostos e barra de torção, esta em posição longitudinal. É ancorada num suporte atrás do para-choque dianteiro e solidária ao braço ao braço triangular superior. Isso foi reprojetado para que o cubo traseiro de Kombi Clipper fosse montado na dianteira e semiárvores pudessem ser montadas, transformando o veículo em um 4×4.
Na dianteira foi montado um diferencial fabricado na engenharia da fábrica. Na verdade, era um diferencial de Kombi modificado com entrada para um cardã que o interligava ao diferencial do transeixo traseiro, também modificado na engenharia.
O sistema era acionado com uma alavanca ao lado da alavanca de câmbio. O 4×4 do VEMP era um sistema simples que deveria ser usado apenas em trechos de lama ou íngremes, sempre em baixa velocidade, já que a transmissão era desprovida de diferencial central.”
A imprensa caprichosamente colocava o VEMP potencialmente como concorrente do Jeg, como se pode ler na matéria do jornal O Globo de 2 de dezembro de 1976, com o título: “Utilitários aliam resistência a baixo custo de manutenção”. Chamo a atenção para o erro na legenda da foto do Jeg, onde O Globo escreveu que a sua carroceria seria toda em fibra de vidro, quando na verdade era de aço.
No olho desta matéria é dito que:
A saída de linha do jipe, que a Ford não mais produzirá por razões de custo, está abrindo o mercado para novos modelos, um dos quais, o Jeg, transmitiu excelente imagem no Salão do Automóvel, principalmente entre os jovens. Há também o “Qualquer Terreno” nome provisório do protótipo que a Volkswagen está desenvolvendo para as Forças Armadas e que poderá ser lançado brevemente.
Como estamos tratando do VEMP, aliás “Qualquer Terreno”, vamos ver o que esta reportagem disse sobre ele no intertítulo “Alternativa”:
A Volkswagen justifica a construção do protótipo “Qualquer Terreno” com o fato de as Forças Armadas estarem à procura de um substituto para o jipe da Ford, que não será mais produzido. O projeto começou a ser desenvolvido há quatro meses, e em sua versão civil competirá com o Jeg e o Xavante, este construído com a mecânica do Volkswagen 1300.
De acordo com um porta-voz da Volkswagen, a produção do “Qualquer Terreno” dependerá de sua aceitação pelas Forças Armadas. Estas exigem um veículo com tração nas quatro rodas, mas isto não exclui a possibilidade de ser lançada no mercado a versão civil, com tração 4×2.
Continua a reportagem::
A Volkswagen está desenvolvendo também um motor de Passat, de quatro cilindros, a diesel, para com ele equipar futuramente as Kombis e pick-ups. Na Alemanha esse mesmo motor será instalado no Golf, segundo informações da fábrica. Um técnico da Volkswagen calcula que com um motor diesel o veículo poderá fazer 21 quilômetros por litro, o que seria já uma segunda vantagem, pois esse combustível já é mais barato do que a gasolina.
Uma pena que o VEMP não foi aprovado pelas Forças Armadas brasileiras, pois certamente teria sido um carro bastante divertido, que teria boas chances de fazer sucesso.
Na parte 2 será a vez do Jeg, quando eu vou contar a história deste veículo que andou até sendo testado na Alemanha pelas Forças Armadas de lá.
AG
Na preparação da parte 1 desta matéria foram usados, além das informações de meu arquivo pessoal e as informações disponibilizadas pela Volkswagen do Brasil — no caso acessíveis pelo QR Code correspondente do VEMP. Agradeço a Hugo Bueno pelas informações enviadas há algum tempo atrás e que agora encontraram a sua utilização. O amigo Guilherme Sabino também colaborou para a preparação desta matéria e agradeço-o
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