Para quem é fã de carros antigos este artigo poderá mostrar cenas drásticas, mas é o que eu sempre falo, a “extinção é para sempre” e todos os esforços de preservação de carros antigos são válidos para evitar o fim que, infelizmente, um grande número de carros “colecionáveis” acaba enfrentando no Brasil.
Já contei casos incríveis de resgate de antigos, como na matéria VW39/3: Como a Fênix, renasceu das cinzas , mas o que se vê muitas vezes é o abandono de carros históricos que ainda teriam como ser resgatados, e que acabam encontrando o seu fim num forno de reciclagem de aço proveniente de ferros-velhos.
Milhares de carros acabam em depósitos pelos mais variados motivos. Em regra são lotes de sucatas inservíveis não identificadas (automóveis e motocicletas) retidas e/ou removidas, não reclamadas por seus proprietários no prazo legal e oriundos do pátio legal (onde ficam os veículos recuperados de roubo e furto). Os bens são vendidos como destinação final e sem direito a documentação, devendo ser transformados em fardos metálicos por processo de prensagem ou trituração.
Mas há outras fontes de carros, como os abandonados nos pátios da cidade de responsabilidade da prefeitura (neste caso a maioria dos carros é de proprietários que não foram retirá-los dos pátios em tempo hábil e o prazo legal de 180 dias expirou). Os carros cujo prazo expirou passam para o pátio do Detran.
Na verdade, são vários tipos de leilões; incluindo os de seguradoras, neste caso é possível arrematar carros isoladamente, ao contrário dos leilões de entidades municipais e estatais que promovem leilões em lotes de veículos. Estas ponderações se referem ao estado do Rio de Janeiro e à cidade do Rio de Janeiro (segundo definido na Lei 6657/13); mas em outros estados e cidades existem regulamentações semelhantes.
Só que entre eles podem estar veículos que consideramos de coleção e que, no mínimo, têm itens e detalhes que são necessários em muitas restaurações e que normalmente acabam sendo destruídos. Muitos já fora de linha e com a obtenção de peças cada vez mais difícil.
Em uma das modalidades de processamento os carros são impiedosamente amassados e transformados em fardos para depois serem fundidos:
Vídeo (02:22) de um exemplo de máquina de amassar veículos:
Na falta de máquinas próprias alguns ferros velhos lançam mão de meios menos elegantes para atender às ordens de amassar os carros (esmagamento total, prensagem ou compactação na sua integralidade estrutural e a destinação final de reciclagem) como o exemplo abaixo:
Outra das modalidades de processamento de carros para posterior aproveitamento dos matérias são as máquinas de moer carros, cujo resultado são lascas que passam por uma esteira magnética para separar os materiais magnéticos (como ferro e aço carbono) de outros. Vídeo de um carro sendo triturado (03:29):
O material assim processado costuma alimentar fornos a arco elétrico nos quais três grandes eletrodos de grafite (material condutor elétrico) são baixados sobre uma carga de sucata, abrindo um arco elétrico de grande intensidade que funde a sucata que retorna à forma de aço fundente que é sangrado do cadinho do forno para processamento posterior:
Vídeo do funcionamento de um forno a arco elétrico (09:36):
Voltando aos carros que estão nos pátios, a comercialização destes veículos segue regras governamentais rígidas que visam impedir que carros oriundos destes pátios voltem a circular. Somente empresas com reconhecida capacidade de processar as sucatas de maneira ecológica (a saber cujo trabalho não venha a causar nenhum impacto ambiental) podem adquirir veículos provenientes destes pátios. O acesso de particulares é praticamente impossível.
Nesta visão tenebrosa, do ponto de vista dos colecionadores, o meu amigo Fábio Silva, do Rio de Janeiro, conseguiu encontrar um caminho para a salvatagem (nome dado ao conjunto de equipamento e medidas de resgate e manutenção da vida no pós-desastre — no caso no resgate de itens de carros que dão sobrevida a carros de coleção) de componentes necessários ao mercado de carros de coleção. Ele enviou o seguinte depoimento:
(Início do depoimento)
“Vi uma oportunidade rara de negócio, atender um mercado carente de reposição de peças, prestando o serviço de procura de peças, resgate e venda atendendo encomendas.
Diversos carros raros são encontrados, muitos em fase terminal, todos esperando o fim cruel da reciclagem ou da ação do tempo, que não tem pena nem sentimento.
Visto a carência do mercado e a oportunidade de ir atrás de ferros-velhos, tornei isso um novo negócio. Nem sempre o comprador quer uma réplica ou uma peça paralela de péssima qualidade, ele opta por um produto usado original em excelentes condições ou que seja possível restaurar.
Já encontrei Impala, Mercedes 280 S, Fuscas 1200 até os”Itamares”, Brasília 4-portas, Kombi Diesel, Passat GTS, Gol GTS e GTi, Miúra, Opala, Caravan, Puma, Kombis 1500, Alfa Romeo 2300, Gurgel BR-800, X12, Karmann-Ghia, Supermíni… e várias versões especiais como Fusca Ouro, Santana e Quantum Sport, Monza SR, Gol GT, Passat Sulam… A lista se estende para importados como BMW 740i V-8 do início dos anos 90, Passat alemão turbo e aspirados, Golfs, Audis etc… Um espectro que vai dos antigos aos carros que estão prestes a se tornarem colecionáveis.
Pilhas de peças destruídas, verdadeiro desperdício de dinheiro no mundo da reciclagem. Enquanto sabemos de diversos carros antigos parados por falta de peças, nesse meio de ferros-velhos que é sempre abundante e generoso.; o problema é “tirar as peças de lá”.
É muito satisfatório resgatar pequenos tesouros que irão servir a alguém. Mas esse é um trabalho difícil com meandros complexos e isso tem o seu custo.”
(Fim do depoimento)
O Fábio, em alguns casos, consegue resgatar carros inteiros como é o exemplo abaixo, neste caso ele comentou o seguinte: “Resgatei essa VW Parati 1991 do IBGE com pouco mais de 41 mil rodados. Eu ia comprar os outros quatro que estavam no edital de leilão também, mas logisticamente foi impossível, por estarem em cidades diferentes; acabei desistindo.” Abaixo a foto deste VW Parati cujo destino será voltar às ruas já que foi liberado com a documentação:
Mas também há casos de carros sendo comprados sem direito à documentação, porém com nota fiscal de sucata, e que servem como doadores de peças. Um exemplo disto é este Santana, sobre o qual o Fábio disse: “Este e um Santana 93 GLSi 2000, já com injeção EFi igual à do GTi, que comprei. Uma das diversões é por motor para funcionar, a partir disto é que é possível determinar o que fazer. Detalhe para a buzina dupla igual à do Fusca Itamar:
No vídeo que se segue (00:10) se pode ouvir o ronco do motor e a buzina dupla:
Volta e meia aparecem itens que são verdadeiras “moscas-brancas” como o lendário radiador de cobre do Gol GTS e do Passat Iraquiano, que vale uma fortuna e que foi resgatado pelo Fábio:
Um momento de alegria, um valente motor VW boxer arrefecido a ar é salvo da destruição e volta a funcionar (00:12):
Mas há momentos de tristeza no trabalho do Fábio, como foi testemunhar um VW 1600 TL sendo amassado para posterior processamento como sucata. No vídeo que se segue o Fábio conta o que sentiu naquela oportunidade. Não aconselho assistir este vídeo a que é sensível em relação a carros antigos, em especial Volkswagens (01:40):
Esta matéria não é das mais alegres, concordo, mas eu a apresento para que seja dado mais valor aos carros antigos, sim, pois extinção é para sempre. As empresas siderúrgicas que trabalham com sucata necessitam de matéria-prima para a sua produção e isto acelera o sucateamento de carros.
Outra coisa importante, como vimos, é o trabalho de pessoas como o Fábio que seguramente ajuda a muitas restaurações e a manter carros funcionando com o auxílio das peças usadas resgatadas por ele. Em tempo, ele tem um grupo no WhatsApp e para quem se interessar em contactá-lo basta acessar este LINK que leva direto ao grupo.
Certamente o mundo não pode parar para que gente salve todas as peças e carros que poderiam se tornar colecionáveis, mas ter uma noção de como o progresso vai ocupando o seu lugar, eliminando “coisas do passado” é muito importante. Assim como é importante dar valor a tudo que é possível resgatar e a nossos carros de coleção, já que há muitas peças que não são mais encontradas no mercado.
Agradeço ao Fábio a importante participação nesta matéria, bem como parabenizo-o pelo trabalho importante para o Antigomobilismo.
AG
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