Se sobre a Albânia eu tinha poucos conhecimentos, sobre a Macedônia do Norte eles eram quase inexistentes. Havia assistido a um “Globo Repórter” sobre o país e isso me fez colocá-lo na lista de lugares que gostaria de conhecer. Como eu mesma digo, tem lugares aos quais só a Glória Maria, meu marido e eu fomos. Obviamente há um certo exagero, mas antes desta viagem aos Bálcãs não havia encontrado ninguém que tivesse ido para lá — de fato, nem até agora. E sequer conheço a Glória Maria pessoalmente.
Mas, como todo nosso roteiro, é um destino que vale a pena. É um país pequeno, de apenas 25.000 quilômetros quadrados que pode ser conhecido, mesmo que superficialmente, em pouco tempo — portanto, ideal para ser incluído como combinação com outros destinos. Como não tem saída para o mar, mas muitos parques naturais e cidades com muita história, é uma boa opção para qualquer época do ano — mas no inverno pode fazer realmente muito, muito frio. Nada que me incomode, diga-se de passagem.
Vamos logo ao momento Uiquipídia: a Macedônia do Norte fez parte de vários impérios ao longo de sua história, incluindo o Império Bizantino, mas foi invadido e ocupado por tribos eslavas desde o século VI. Pertenceu também ao Império Sérvio, ao Otomano e ao Búlgaro em vários momentos e com alternância de épocas.
Durante a Segunda Guerra Mundial voltou ao domínio dos búlgaros, mas em 1945 passou a fazer parte do estado comunista da Iugoslávia, do qual se tornou independente depois da dissolução do país. Ao contrário de outras nações da região, a separação da Macedônia do Norte da Iugoslávia, em 1991, foi pacífica.
Uma curiosidade: depois de uma longa disputa com a Grécia, onde há uma região chamada Macedônia, este pequeno país passou a ser chamado oficialmente de Macedônia do Norte em fevereiro de 2019 como forma de se diferenciar do território grego.
Nossa chegada
Nossa chegada ao país foi um sucesso em termos de logística. Graças ao meu planejamento (e ao Gúgol Mépis que me permite ir fazendo o roteiro com as distâncias entre cada ponto que me interessa) atravessamos a fronteira entre a Albânia e a Macedônia do Norte pelo sul do Lago Ohrid. Optamos por cruzar na fronteira de Tushemisht-Shen Naum, perto da cidade albanesa de Pogradec como já me havia indicado a embaixada albanesa no Brasil. Minha ideia era aproveitar ao máximo o tempo e já parar para conhecer o mosteiro de St Naum, exatamente do outro lado da fronteira.
Lindíssimo lugar — um mosteiro ortodoxo que já foi universidade também. E aí vai um parênteses sobre o porquê da minha predileção por viajar fora de temporada. Normalmente, St Naum é um dos principais destinos do país e parada obrigatória dos barcos que fazem passeio de dia inteiro pelo lago Ohrid. São grupos gigantescos de turistas na alta temporada — e a igreja mais importante e aquela que todo mundo quer visitar é minúscula.
Havia lido relatos de pessoas que ficaram duas horas para poder entrar e 45 minutos para poder sair, tamanha a multidão de pessoas espremidas num exíguo espaço. Para complicar ainda mais, os ortodoxos tem um ritual próprio nos templos: beijam umas quatro ou cinco vezes cada imagem de um santo, em diferentes pontos do rosto. E, claro, cada mosteiro tem muitas.
No caso de St Naum acredito que fossem umas 20 figuras. Imaginem, caros leitores, cada pessoa parada diante de cada imagem o tempo suficiente para dar quatro ou cinco beijos e isto em cada uma das 20 imagens, numa determinada ordem. A quantidade de pessoas é enorme e deve-se seguir a fila. No nosso caso, na baixíssima temporada, éramos apenas eu e meu marido para visitar o local.
Depois de alguns minutos dentro do templo chegou outro casal. Compramos os ingressos, bem ao lado do pequeno templo, e perguntei se poderia tirar fotos desde o exterior pois é comum que nos templos ortodoxos não se possa fotografar o interior. O gentil senhor da bilheteria disse que sim. Pareceu simpático com sua barba enorme. Entramos, admiramos o lindo e pequeno interior (que é do ano 905 mas que foi destruída e a atual é do século 17) e especialmente as colunas, que são do século VI.
Gentileza
Depois de um tempo, saímos. O senhor da bilheteria me chamou e perguntou de onde vínhamos. Contei que éramos do Brasil e ele nos disse para entrar novamente um pouco e fotografar as colunas, contando sobre a história delas ao mesmo tempo em que nos mostrava um pequeno folheto à medida em que falava de cada parte. Na dúvida de se eu havia entendido bem expliquei que não havíamos fotografado o interior, mas ele disse: “podem fotografar até as colunas, sim. Eu deixo. Não tem problemas”.
Nem precisou dizer uma segunda vez, mas antes de sairmos do guichê, me deu um livrinho de postais, daqueles um emendado no outro como se fosse uma sanfona e disse: “um presente meu para vocês.Aqui tem várias fotos das imagens do interior do templo”. Agradeci efusivamente em algum idioma eslavo (acho que foi bósnio, mas nunca saberemos, pois meu vocabulário é de apenas meia dúzia de palavras e ainda por cima quando os idiomas são parecidos os confundo) e entramos novamente para fotografar as lindas colunas.
Na saída, o gentil homem nos chamou novamente e nos deu outro folheto, agora maior, com várias páginas que, assim como o anterior, estava à venda. “Um presente para vocês. Aqui tem muitas explicações sobre o local. Aproveitem”. Contei que imprimo as fotos e as coloco em álbuns, escrevendo cuidadosamente sobre cada uma e que as duas brochuras que me dera seriam de enorme utilidade. E saquei uma das minhas fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim da minha mochila. Expliquei o que era e pedi licença para entregá-la a ele, que me pediu que a amarrasse ao pulso.
Bem, nosso primeiro contato com os macedônios do Norte havia começado da melhor forma possível. Na realidade, foi nosso segundo, pois em Montenegro demos carona para uma senhora daquele país que me deu uma cruz ortodoxa muito bonita — e a quem eu dei uma fitinha do Bonfim. É claro que minha impressão sobre os habitantes do país foi a melhor possível.
Mas voltemos à história de nossa viagem. A estrada desde a Albânia era lindíssima, com várias vistas do incrível lago Ohrid. A travessia da fronteira fora, mais uma vez, tranquila e supercivilizada. A P501 que depois vira P1301 vai margeando o lago e nós íamos em direção ao Norte, a cidade de Ohrid (ou Ocrida) propriamente dito, onde ficam a maior parte dos hotéis, mosteiros e pontos turísticos, como a igreja de St. Clement (foto de abertura). Cruzamos com poucos carros, mas paramos várias vezes nos recuos da estrada para admirar a vista e, claro, tirar fotos já que eu tenho olho grande e redondo mas é propaganda enganosa — tenho certeza de que sou japonesa disfarçada…
O caminho era bem sinalizado e se não fossem nossas inúmeras paradas para curtir o visual e especialmente o pôr do sol teríamos chegado mais cedo. Mas pressa não é nossa marca quando queremos conhecer um lugar.
A malha rodoviária macedônia é pequena, assim como a extensão territorial do país. São apenas 317 quilômetros de “motorways”, mas há algumas obras sendo realizadas em vários lugares para que este número aumente. Os caminhos que nós percorremos, estavam em bastante bom estado — incluindo a E65 que corta o lindo parque nacional de Mavrovo — mas é fato que há muita variação, especialmente na conservação. E os motoristas são medianamente corretos.
Os limites de velocidade são muito razoáveis para o tipo de estrada. Nas highways, ele é de 130 km/h, como no caso da A3, que vai de Ohrid a Mavrovo e na A1, que vai de Escópia rumo à Sérvia . Nas estradas reservadas exclusivamente para veículos a motor, 110 km/h, 100 km/h, 90 km/h nas demais rodovias e 50 km/h quando há obras no local. Por isso é bom calcular tempo a mais para os deslocamentos, que costumam ser demorados devido aos poucos caminhos possíveis — mas há estradas entre os principais destinos, sem nenhum problema.
Há pedágios nas estradas principais, que pode ser pago em dinares macedônios, euros ou cartão de crédito. Várias estradas apresentam restrições de circulação para alguns tipos de veículo de carga e em alguns horários.
O limite de álcool no sangue é também mais alto do que nos países vizinhos: 5 decigramas de álcool por litro de sangue — mas para motoristas profissionais a tolerância é zero. Nos nossos dias no país não vimos nenhum comando para checagem de alcoolemia. O combustível custa mais ou menos o mesmo que nos demais países da região: pagamos 1,11 euro o litro do diesel, mas num dos postos em que paramos só tinham diesel ecológico. Preços regulam com os demais da região. Em Ohrid encontramos lugares para carregar as baterias de carros elétricos.
Já na capital, Skopje ou Escópia, a coisa muda de figura. Se nas estradas não havia muito caos, na capital, por momentos me senti como se estivesse em Cidade do México ou Lima — duas das cidades com alguns dos piores trânsitos que conheço. Parecia que estávamos na Albânia. Carros que surgiam a cada momento sem o menor aviso, ônibus que paravam em qualquer lugar — mesmo no meio da pista ou da avenida principal da cidade.
Quando estávamos próximos do Velho Bazaar, o ponto turístico mais visitado da cidade, parecia que estávamos no próprio inferno. Nosso hotel estava a apenas 100 metros do Bazaar, que na verdade é quase um bairro, pois é um conjunto gigantesco de lojas a céu aberto que relembra bem o passado otomano da cidade. Nessa hora lembrei que a Madre Teresa nasceu nesta cidade e acho que rezei a São Judas Tadeu, Buda, Shiva e todos os outros deuses, deidades e genéricos que me ocorreram.
Logo ao chegarmos ao estacionamento do hotel ficamos cerca de 15 minutos esperando que uma motorista tirasse um Corsa de uma vaga grande, desse ré numa passagem onde cabiam dois carros um ao lado do outro, e fosse embora. Quinze minutos!. Meu marido me segurou pelo braço quando eu já descia do carro para pedir para a criatura me deixar assumir o volante do treminhão (modo irônico ativado) e me deixasse fazer a manobra por ela. Enquanto isso, nós e vários outros carros atrás e à nossa frente estávamos imobilizados porque ninguém conseguir ir nem vir. Detalhe: ela tinha a ajuda do sujeito que controlava a entrada e saída do estacionamento — de pouca utilidade, pois ele também era meio confuso na sinalização, mas acho que nada teria resolvido o impasse. Somente outra pessoa ao volante.
Passado o primeiro susto de ver o trânsito de Escópia, nos instalamos no hotel e só saímos motorizados no checkout. Nossa ótima localização nos permitiu fazer tudo a pé. Menos mal, pois não haveria maracujina suficiente na face da Terra para que eu não tivesse uma síncope se tivesse que sair de carro — dirigindo ou no banco do carona.
Elaborei uma teoria estapafúrdia sobre as dificuldades das pessoas no trânsito macedônio: depois de ver a inacreditável quantidade de estátuas no centro de Escópia e sua mais absoluta desproporção em relação aos lugares onde estão instaladas, nos meus devaneios criei a tese de que há algum tipo de distorção especial reinante naquela cidade. Mesmo os prédios mais antigos e imponentes sofrem de total falta de proporção em relação ao lugar.
Das estátuas, então, nem se fala. Há uma profusão delas, todas simplesmente gigantescas. Será que há algum problema que distorça a noção tridimensional dos cidadãos de Escópia? Isso justificaria o trânsito caótico, a falta de noção de tamanho para estacionar… sei lá, é uma teoria que criei no meu desespero. Nada minimamente empírico, diga-se.
Continuamos com as dificuldades com o idioma. Mais de 60% da população é etnicamente macedônia e 25% albanesa. Como nós não nos encaixamos em nenhuma das duas habilidades idiomáticas, abusamos dos gestos e novamente, a gentileza dos macedônios nos ajudou a superar qualquer problema. Assim, conseguimos passear, jantar e até mesmo pegar um táxi quando a chuva nos fez desistir de andar de volta os mais de 20 quarteirões entre o restaurante o hotel. E, claro, tudo em cirílico.
Chama a atenção a quantidade de carros de passeio, especialmente na capital. Para uma população de 2,1 milhão de habitantes em 2017, o país tinha registrados 403.316 carros de passeio e 14.129 motos no mesmo ano. Em Skopje é difícil achar vaga para estacionar, mesmo com uma rede de ônibus que parece bem eficiente — ou, pelo menos, é bem abundante. Mesmo na pequena Ohrid, com só 42.000 habitantes, há restrições de acesso em vários lugares e carros parados em todo lugar. Não consegui números sobre bicicletas, mas vi várias ciclovias em Escópia — totalmente vazias, como sói acontecer (foto da autora ao lado). Em Ohrid, vimos alguns ciclistas pedalando à beira do lago.
Como nos outros países dos Bálcãs, para dirigir basta a carteira de motorista brasileira e o Green Card, o seguro especial requerido em toda a região. Tendo isso e os passaportes em ordem, a entrada, saída e mesmo a circulação dentro do país são facílimas e tranquilas. Sinceramente, vendo o trânsito do país entendi perfeitamente a obrigatoriedade de um seguro. Faz todo sentido.
Mudando de assunto: ano novo, ranhetices velhas. Me deparei com um pequeno problema doméstico que me obrigou a fechar um registro d’água em casa. Como por mais que girasse a água continuava vazando, fiz como sempre faço: tentei o absurdo, mesmo que a contragosto, e virei o registro para o outro lado. Aí descobri que ele fecha assim, de forma errada. Ufa!, custa manter o padrão de abrir as torneiras no sentido anti-horário e fechar no horário? Aí lembrei da casa de uns amigos, na qual a torneira de água quente fica à direita e a de água fria, à esquerda e sosseguei. Está tudo errado mesmo, e não é só na minha casa.
NG