Como em outras matérias publicadas aqui, na coluna “Falando de Fusca & Afins”, esta conta com a importante participação de Hugo Bueno, já conhecido dos leitores e leitoras por ser um competente “detetive antigomobilista” de primeira ordem — observador e detalhista por excelência — que, desta vez. se debruçou sobre um assunto que já tinha sido “encomendado” por leitores em matérias anteriores: a Variant II.
A intenção dessa matéria é resgatar a história de um modelo que, apesar de ser considerado por muitos aficionados como o melhor Volkswagen a ar fabricado no Brasil, já que incorporou soluções mecânicas mais modernas e uma sofisticação jamais vista em modelos similares, não fez o sucesso que o fabricante esperava, nem o que merecia. Teve uma passagem discreta e efêmera em nosso mercado, só perdendo em tempo de produção para o VW 1600, outro modelo bastante incompreendido, cuja história pode ser lida aqui: VW 1600: “FALEM BEM OU FALEM MAL, MAS FALEM DE MIM”.
Atualmente, é um modelo que tem despertado o interesse dos aficionados que buscam escassas informações a seu respeito em fóruns de discussão, em publicações de época e em material distribuído pelos próprios concessionários durante o período em que esteve em linha. Logo, essa matéria é para ajudar aqueles que gostam dos modelos arrefecidos a ar a conhecer um pouco melhor a história da Variant II, “o grande carro de 1978”, conforme o mote de lançamento utilizado pela Volkswagen do Brasil.
Desde seu lançamento em fins de 1969, já como modelo 1970, a Variant possuía um concorrente direto em sua categoria, o Ford Corcel Belina, lançado no mercado ainda no início de 1970. Algumas diferenças de concepção tais como motor arrefecido a ar versus motor arrefecido a água, tração traseira versus tração dianteira, ajudavam a acirrar a disputa pelo mercado, sendo a Variant, de certa forma, beneficiada por ser um derivado direto do Volkswagen Sedan, o Fusca, sucesso absoluto no mercado brasileiro.
Durante o IX Salão do Automóvel, em novembro de 1974, em São Paulo, um terceiro concorrente entrou em cena, a Caravan, derivada direta do Chevrolet Opala, que naquele ano ganhava sua primeira grande reestilização. A imprensa da época já especulava que em função do preço e tamanho, ela disputaria sozinha uma faixa do mercado já que vinha sendo considerada a “primeira camioneta brasileira no estilo das “Station Wagon” americanas”, pois poderia transportar até seis pessoas e trazia duas opções de motor, quatro e seis cilindros.
Nessa mesma edição do Salão, com o mercado de peruas aquecido, a Chrysler apresentava um protótipo (nunca lançado) da perua Dodge 1800 com quatro portas, essa configuração sim, uma novidade para a época. Nesse período, havia também a especulação sobre o lançamento da perua Chevette, configuração de carroceria que acabou chegando mais tarde, com o nome de Marajó, na linha Chevrolet para 1981.
Com a iminente chegada de novos concorrentes em um mercado aparentemente em expansão, o das peruas, Volkswagen e Ford tinham que começar a se mexer, pois Variant e Belina já começavam a mostrar o peso da idade, o que certamente levaria á perda de parte da fatia desse mercado.
Passado pouco mais de um ano do lançamento da Caravan, já em 1976, começavam as primeiras especulações sobre uma nova Variant, maior, cujo objetivo seria brigar diretamente com a Caravan. A revista Quatro Rodas, em sua edição 192, de julho de 1976, trazia como destaque de capa: “Segredo: Variant do Tamanho da Caravan”. Na matéria de Nehemias Vassão, um grande caçador de segredos automobilísticos da época, o texto de abertura da matéria citava que “o Variantão” era o segredo mais bem guardado da Volkswagen e que, potente e com bastante espaço, viria para brigar com Caravan e Belina.
Àquela altura, o novo modelo Variant era tratado quase que como um híbrido, pois contaria com soluções mecânicas já utilizadas no Passat (suspensão dianteira e caixa de direção), seria equipada com o conjunto motor de 1.679 cm3 e câmbio com diferencial mais longo como no SP2 (3,875:1) e teria o estilo muito parecido com o do VW Brasília, que estava há aproximadamente três anos no mercado. É interessante notar nas três fotos de F. Lucrécio Jr, que ilustram a matéria, que o protótipo fotografado (havia outros três) é praticamente o mesmo carro lançado pouco mais de um ano depois.
Olhando com um pouco mais de atenção, é possível identificar que alguns itens foram modificados no modelo final que foi lançado: o retrovisor externo de aço inox igual ao do Passat, as molduras claras dos faróis e o modelo das rodas. Como a especulação era de que o “Variantão” viria para um confronto direto com a Caravan, o que foi corroborado por Wolfgang Sauer, então presidente da Volkswagen do Brasil, em entrevista publicada nessa mesma edição da revista Quatro Rodas, a leitura que se fez na época era que esse novo modelo seria introduzido na linha e a Variant, que estava no mercado desde 1969, permaneceria em produção. Até mesmo as dimensões citadas nessa matéria não se concretizaram. Haviam imaginado um modelo pouco mais de vinte centímetros maior (456,5 cm) do que realmente foi lançado (432,6 cm). Outra informação que não se confirmou foi o iminente lançamento aproveitando o X Salão do Automóvel que se realizaria em novembro de 1976 em São Paulo, ou seja, cinco meses à frente.
Ainda na citada edição da revista Quatro Rodas, parte da entrevista com Wolfgang Sauer, ele cita a concorrência com a Caravan e a possibilidade da Variant “atual” permanecer no mercado. É interessante notar que já naquela época era descartado o lançamento da perua Passat aqui no Brasil:
Alguns meses mais tarde, em setembro de 1976, uma nota redigida pelo jornalista Fernando Mariano para a coluna “Auto Moto” do jornal O Globo, retificava e ratificava algumas informações publicadas pela revista Quatro Rodas. A coluna informava que a Volkswagen desmentiu, via circular para seus revendedores, o lançamento do Variantão no X Salão do Automóvel de São Paulo, previsto para ocorrer dali a dois meses, em novembro de 1976. A coluna também informava que o novo carro teria o mesmo tamanho da Caravan e que não substituiria o modelo que estava em linha.
A Volkswagen dava sinais para o consumidor que, mesmo com a chegada do Variantão, a Variant tradicional permaneceria em linha. Ela foi incluída na linha para 1977 comemorando, em 16 de novembro de 1976, o 250.000º veículo entregue.
Incorporava várias melhorias como freios de duplo circuito, coluna de direção retrátil, estrutura reforçada, novo padrão para o revestimento interno assim como nova grafia para os instrumentos. Era difícil acreditar que sairia de linha menos de um ano depois, até porque os consumidores eram convidados a conhecê-la no X Salão do Automóvel que estava em andamento em novembro de 1976 em São Paulo.
Iniciado o ano de 1977, muito se discutia sobre as novidades que estreariam na linha para 1978. A Ford preparava o lançamento de uma nova família Corcel, incluindo a Belina, totalmente remodelada. Como estava sendo considerado um modelo novo, com linhas inspiradas em carros europeus da época e não uma simples reestilização, a Ford o batizou como Corcel II, o que ressaltava a evolução do carro que foi lançado em 1968 e que chegava à sua segunda geração. Assim como a Ford, a Volkswagen preparava a apresentação de sua nova perua e sua última aparição como pré-série, mas ainda chamada de Variantão, ocorreu na revista Quatro Rodas, edição 201 de abril de 1977. Já era o modelo definitivo que rodava para os ajustes finais e seria apresentada ao mercado poucos meses à frente. O limpador traseiro, inédito em modelos brasileiros daquela época, foi um dos itens que chamou a atenção na matéria de Quatro Rodas.
Três meses à frente, em julho de 1977, o jornalista Fernando Mariano da coluna “Auto Moto” do jornal O Globo já antecipava a novidade de que o nome do novo modelo ainda que não utilizasse algarismos romanos e deixasse transparente sua dúvida para os leitores. Ficava claro que o nome evidenciaria que aquela seria a segunda geração do modelo apresentado pela Volkswagen em sua linha para 1970.
Finalmente, em novembro de 1977, o novo modelo foi apresentado oficialmente ao mercado que esperava um carro bem diferente daquele lançado em 1969, mas que por motivos de custos, ficou bem aquém do que se esperava. A Caravan, caminhando para seu quarto ano de produção e a Belina II, esta sim completamente reformulada, concorriam na mesma faixa de mercado que a nova Variant II que chegava oito milímetros mais comprida e cinquenta milímetros mais larga que sua antecessora, não combinando com o apelido “Variantão” utilizado quando surgiram os primeiros rumores de sua produção. Talvez ofuscada pelo sucesso do lançamento da linha Corcel II, a notícia de lançamento da nova Variant teve apenas uma nota de canto de página na coluna “Auto Moto” do jornal O Globo em novembro de 1977.
Logo após o lançamento, começou a campanha publicitária destacando as qualidades do novo modelo da Volkswagen. É fato que mesmo mantendo a mecânica igual ao seu modelo anterior, o robusto motor plano de 1.584 cm3 e não o de 1.679 cm³, tampouco o diferencial mais longo, como havia sido especulado, a Variant II chegava modernizada com uma bela combinação de cores externa/interna e linhas mais retas que a antiga Variant. Com o slogan “Variant II. O Grande carro de 1978” a Volkswagen tentava cativar o consumidor que ainda tinha a sua escolha a Caravan e a novíssima Belina.
Baseando-se no press release de lançamento, é possível entender um pouco melhor o propósito do novo veículo e inclusive o porquê de seu nome: “Variant II, um nome e um número de batismo que servem para ligar o prestígio da antiga perua a um veículo de novo conceito que, além de mais espaço, tem a beleza, o conforto, a segurança e a economia de um automóvel de passeio.” Podemos dizer realmente que houve uma evolução em relação ao modelo anterior.
No seu interior, o acabamento melhorou muito. Bancos, revestimento interno e painel formavam um conjunto sóbrio e elegante, somados ao carpete, de série, que revestia o assoalho. Havia a disponibilidade de opcionais básicos como o sistema de aquecimento, o sistema de ventilação forçada e o acabamento unicromático (termo empregado na época e constante dos catálogos). Além desses opcionais, a Variant II possuía dois conjuntos de opcionais: “Conjunto 1”, que trazia limpador e lavador elétrico do vidro traseiro, protetores dos para-choques em lâmina de borracha e lavador do para-brisa com bomba elétrica. O “Conjunto 2” incluía rádio AM/FM de 18 watts de potência de saída, apoio de cabeça, acendedor de cigarros, friso autocolante cromado lateral e revestimento do bagageiro dianteiro em carpete.
Nove cores sólidas e três metálicas para a carroceria combinavam com as cores do interior. No modelo 1978, o interior consistia em bancos de courvin com faixa central também de courvin listrado ou opcionalmente de tecido, formando um conjunto unicromático em preto ou castor. O apoio de cabeça dos bancos dianteiros, assim como em todos os demais modelos Volkswagen, era integrado ao encosto formando uma peça única. Seu painel, contendo instrumentos retangulares, transpirava modernidade e serviu de inspiração para o futuro lançamento e grande sucesso de vendas, o VW Gol. Havia espaço para a instalação de relógio e conta-giros que eram oferecidos como acessórios nas revendas da marca. Sua capacidade de transportar bagagem, somada, chegava a 412 litros (252 litros na traseira e 160 litros na dianteira), podendo chegar a 1.080 litros somente no porta-malas traseiro quando o encosto do banco traseiro estivesse rebatido.
Externamente, as linhas da Variant II chamavam atenção pela harmonia dos detalhes de construção e acabamento. Nas laterais, um vinco estampado à meia altura da carroceria dá equilíbrio à saliência estampada na parte inferior. As soleiras das portas receberam um friso cromado em toda sua extensão, assim como as molduras das amplas janelas laterais e da traseira. Os para-lamas dianteiros tinham um desenho de linha suave, assim como a tampa do porta-malas que contava com apenas um único vinco estampado no centro, dobradiças embutidas e molas a gás.
Seus para-choques de lâmina cromada possuíam protetores plásticos nas extremidades e um rebaixo central revestido com fita preta autoadesiva. A lâmina protetora de borracha era opcional e fazia parte do “Conjunto 1”. Na dianteira, dois faróis duplos circulares formavam o conjunto ótico e na traseira, lanternas caneladas totalmente embutidas (diferente do VW Brasília) formavam um belo conjunto com a tampa e para-choque traseiros. Uma chapa pintada de preto fosco cobria as tubulações de escapamento e o silencioso que possuía saída dupla.
Na parte 2 vamos detalhamos a mecânica do VW Variant II e continuaremos com o relato da curta trajetória deste interessante veículo.
AG
Esta matéria em duas partes dá continuidade ao trabalho conjunto com o amigo Hugo Bueno, trabalho estes que já resultou em várias matérias publicadas nesta coluna. Fica aqui não só o agradecimento como o reconhecimento de sua inestimável colaboração.
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