Vivemos no Planeta Terra. Nossos veículos 4×4 são ótimos para andar na terra. Mas, não tem jeito, sempre (ou quase) encontramos água nas melhores trilhas. A travessia de alagados sempre é uma diversão adicional, um momento de maior adrenalina e superação.
Mas, a água é um obstáculo MUITO complicado para nossos queridos veículos 4×4. O primeiro conceito é: água não combina com mecânica e muito menos com eletrônica. Tenha isso sempre em mente. Sempre.
Mas, encontramos água nos atoleiros, nas regiões alagadas, na travessia de rios e riachos e em algumas regiões onde as trilhas ficam repletas de água na época das chuvas. E se encontramos, vamos querer superar o desafio.
Por tudo isso, saber e entender as melhores técnicas e providências para uma boa travessia de alagados é fundamental.
Tenho nos meus anos de Aventuras 4×4 uma boa coleção de ótimas histórias de travessias. E alguns retumbantes fracassos, onde a situação passou do limite (por vários fatores) e o carro “sofreu” ao ficar submerso (veja algumas fotos que ilustram essa matéria – e é importante já dizer que TODOS os veículos saíram da situação andando, após as corretas providências, e existem e andam até hoje).
Abaixo, divido em tópicos as principais dicas e técnicas para que você possa fazer ótimas — e seguras — travessias de alagados.
Conheça a “tomada” de ar do motor do seu 4×4
Esse é um item fundamental. Identificar o local exato por onde seu motor “aspira” ar. É por esse ponto a principal “entrada” por onde a água pode chegar, literalmente, dentro do seu motor. E ATENÇÃO: se o motor aspirar água, em vez de ar, você certamente terá sérios problemas. Veja abaixo no tópico “Calço Hidráulico – o que fazer”.
Por isso, a todo custo você precisa evitar que a água possa ser aspirada pelo motor. E a primeira coisa é saber EXATAMENTE onde fica a tomada de ar do seu carro. Existem várias opções e diferentes projetos e soluções no mercado.
Em regra, em veículos 4×4 ela sempre deverá ser o mais alta possível. Mas, nem sempre é assim. Alguns veículos possuem um sistema “lateral” num dos para-lamas. Nesse caso, a ideia é que o movimento do veículo “empurre” a água e, assim, nessa posição lateral a água estará num nível mais baixo, durante a travessia. Mas, esse sistema tem dois problemas: se durante a travessia o veículo “inclinar” para o lado da tomada de ar, a “altura” dela em relação ao fundo ficará reduzida. Considere isso.
Alguns projetos fazem uma espécie de “caixa” isoladora e separadora utilizando o espaço “vazio” nos para-lamas. Dessa forma, a aspiração de ar “misturada com água” pode ser possível e ainda assim, não haver problemas, pois, essa solução consegue separar o ar da água no movimento do ar por dentro dessa caixa. Mas, como tudo, essa solução tem seus limites também.
E, claro, também existem os projetos e soluções que não são tão altos assim, ou não são bem posicionados. Por isso mesmo, sempre conheça a tomada de ar do seu veículo e procure entender como ela funciona.
IMPORTANTE: conheça a recomendação de profundidade máxima do seu veículo. A maioria dos carros sempre está na faixa de 50 cm, variando um pouco e podendo chegar a valores bem mais altos, como até 90 cm de profundidade. E além de conhecer a profundidade, descubra qual a velocidade máxima de travessia recomendada pelo fabricante (normalmente, sempre abaixo de 10 km/h). Portanto, por exemplo, essa é uma especificação do tipo: profundidade máxima de 50 cm em até 8 km/h. E o fator “velocidade” é muito importante que seja respeitado e não apenas a profundidade.
Verifique SEMPRE a profundidade
Você está passando pela trilha pela primeira vez (ou faz muito tempo que não atravessa) e vai querer passar por rios e alagados SEM checar a profundidade? Começou errado. SEMPRE tenha certeza da profundidade da travessia. Descobrir lá no meio que está (muito) mais fundo do que deveria é certeza de (graves) problemas. Muitas vezes uma inspeção visual é possível. Mas, não será garantida. O melhor mesmo é descer e atravessar a pé, aproveitar para identificar se o fundo está firme, se não há pedras muito grandes ou outros obstáculos que impeçam a travessia. Muitas vezes o fundo é lamacento ou arenoso. Tenha a certeza de que o veículo não ficará atolado por falta de consistência do piso.
Vai atravessar? Faça da forma correta
Se a sua intenção for fazer uma travessia correta, esqueça, definitivamente, aquelas passagens superrrápidas que levantam água a mais de três metros de altura. Esse tipo de travessia fica bonito nas fotos. E só. Para o veículo não é a melhor situação.
A travessia correta é aquela em que você determina um ritmo “constante”, de forma que uma pequena (pequena mesmo) onda siga à frente do veículo, decorrente do movimento de “empurrar” a água que o carro faz dentro do alagado. Não existe uma velocidade correta, ela varia conforme a profundidade e, até mesmo, o desenho da frente do veículo.
Foto: Rev06C19A – Fonte: arquivo pessoal – Legenda: Um bom exemplo de travessia de alagado: usando a velocidade correta uma pequena “onda” se forma a frente do veículo, fazendo com que a parte do cofre do motor fique com uma “depressão” no nível da água.
Escolha uma marcha (se o veículo for manual) que possa ser usada do começo ao fim da travessia. Preferencialmente, utilize reduzida e tração 4×4 sempre. Você estará mais bem preparado para vencer a travessia, pois, a água cria uma grande dificuldade para o movimento do carro.
Ganhar muito embalo antes da travessia e entrar com muita velocidade costuma não ser nada bom. O “impacto” do carro em velocidade com a água pode causar danos em componentes (flexíveis, mangueiras, conectores elétricos, etc.), levanta muita água e, normalmente, o veículo vai perder MUITA velocidade com a resistência que a água vai impor ao carro.
Entrou água no motor? Calço hidráulico – o que é e como fazer
O motor precisa aspirar ar para que esse seja misturado ao combustível e ele possa ser queimado dentro do motor. Se por essa entrada, ao invés de ar entrar água, essa água vai parar dentro dos cilindros do motor. O problema é que a água não aceita ser comprimida, ou melhor, não é possível comprimir a água. Ela é incompressível, é como se fosse aço. E o papel de cada pistão no cilindro é justamente fazer a compressão da mistura ar-combustível ou do ar, no caso dos motores Diesel..
Então, se a água não pode ser comprimida mas o pistão vai tentar fazer isso, o que acaba acontecendo é que as partes mecânicas é que vão sofrer o impacto, podendo empenar bielas (o componente que liga o movimento dos pistões ao virabrequim), entortar válvulas e até mesmo romper o bloco. Tudo vai depender da força que o motor estiver fazendo no momento. Os danos podem ser muitos e irreversíveis.
Por isso, usar menos velocidade e menos rotação do motor pode ajudar a “salvar” o motor no caso de um calço hidráulico.
Foi o que aconteceu, por exemplo, nos casos das fotos dos “problemas” em travessia que ilustram a matéria.
Foto: DSC01455 – Fonte: autor – Legenda: Travessia que terminou mal no Rio Paraguaçu – Chapada Diamantina – o nível do rio estava alto, mas possível de atravessar. Um tronco submerso segurou o carro e a “inundação” foi inevitável. O veículo saiu rodando e continuou a expedição até o final, após a substituição de todos os fluidos que foram contaminados
Bem, a água entrou. O que fazer
A primeira coisa é, se você acha que o motor pode ter aspirado água, não dê partida, não tente fazer o motor funcionar antes de ter certeza de que ele não está com água dentro. Siga os passos abaixo. Se os termos técnicos descritos abaixo não são de seu conhecimento, melhor procurar ajuda. Atente que são descrições genéricas e alguns itens podem mudar de veículo para veículo, em função de certas características de projeto.
Siga esses passos:
- Tire o veículo de dentro do alagado, utilizando outro carro, um guincho elétrico, etc. Não dê partida no veículo até ter certeza de que não há água dentro do motor;
- Com o veículo fora do alagado, abra o compartimento do filtro de ar e veja se ele está molhado. Se houver água ali é certeza que a água chegou até o motor — por enquanto, deixe o filtro de ar de fora e mantenha esse compartimento aberto;
- Tire a água de dentro do motor. Para isso você terá que tirar algum componente que vai eliminar a compressão dos cilindros. Em motores a gasolina retire as velas de ignição de TODOS os cilindros. Em motores Diesel retire os bicos injetores de TODOS os cilindros. Se o motor tiver partida com velas aquecedoras elas também pode ser uma boa opção retirá-las;
- Se o seu veículo tem motor turbo, abra a mangueira de admissão de ar. Deixe-o aspirar o mais próximo possível do coletor de admissão;
- Certifique-se dos itens acima e, só então, dê partida no motor. Perceba se o motor está girando “normal” para tentar funcionar. Se ele estiver “pesado” ou “travado” não insista na partida e verifique se você “abriu” todos os cilindros e a entrada de ar;
- Se o motor virar “normal” mantenha a partida e tenha a certeza de ele “ejetou” toda a água pelos cilindros e pelo escapamento; isso pode demorar alguns poucos minutos. É importante ter certeza de que toda a água saiu do motor;
- Monte as velas (gasolina) ou bicos injetores (Diesel). Mantenha a entrada de ar mais próxima do coletor de admissão aberta. Verifique se tudo está bem montado.
- Verifique o nível e o aspecto do óleo do motor se não está esbranquiçado devido ao contato com a água. . Só siga em frente se parecer que está tudo ok com o óleo do motor;
- Dê partida novamente e o motor deve pegar. Ótimo. Escute atentamente se não há barulhos metálicos, como se algo estivesse batendo. Aos poucos, aumente o giro do motor e fique atento ao seu funcionamento. Se perceber que algo não está normal, desligue o motor e chame ajuda. Podem ter ocorrido avarias sérias no motor. Se o barulho estiver normal, ótimo, você pode ter tido sorte e o motor não foi seriamente afetado;
- Se o seu motor tem turbo, a essa altura ele vai começar a “ejetar” a água do circuito de admissão de ar que ficou acumulada nas mangueiras, interresfriador, etc.
- Enquanto você mantém o motor funcionando por um período, para ter certeza de que tudo está ok, peça pra alguém “segurar” o filtro de ar molhado na saída de escapamento do carro. Esse procedimento vai secar o filtro e permitirá que ele seja usado novamente. Isso também pode ser feito em outro carro que esteja por perto, enquanto você foi fazendo todos os outros procedimentos;
- Antes de montar o filtro de ar, seque todo o compartimento e siga o caminho das mangueiras para ter certeza de que não há água no circuito de ar;
- Monte tudo e teste todo o funcionamento por alguns bons minutos.
- Assim que possível, pare o veículo num posto para inspeção de todos os fluidos. Possivelmente, pode haver contaminação de água em óleo de câmbio, caixa de transferência, diferenciais, etc. Se constatado, troque imediatamente todos os fluidos por novos, dentro das especificações corretas. Se o seu veículo tem caixa de embreagem selada, verifique se há água dentro da caixa seca (conhecida também por caraça da embreagem).
Snorkel – o seu protetor
O snorkel é um acessório muito comum que é instalado em veículos 4×4. Ele eleva a “altura” de captação de ar do motor. Normalmente, um snorkel vai elevar essa altura para próximo do teto do carro. Isso faz com que você tenha uma chance bem menor de aspirar água para dentro do motor.
Importante: embora “eleve” o ponto de captação de ar do motor, muitas vezes a simples instalação do snorkel não altera a especificação de capacidade de imersão do seu veículo, pois, essa capacidade é para o veículo como um todo e, claro, muitos outros aspectos do projeto precisam ser considerados, tais como os respiros dos componentes mecânicos (diferenciais, câmbio, tanque de combustível, etc.).
Portanto, se você pretende fazer muitas travessias de alagados, um snorkel será muito bem-vindo e será seu protetor. Para ser bom o snorkel precisa ser desenvolvido para o seu modelo de carro. Procure por bons e renomados fabricantes, além, claro, dos originais para o seu veículo, já que que alguns fabricantes de veículos 4×4 disponibilizam esse tipo de acessório “original” para alguns modelos.
E importante, a boa instalação é fundamental para que o snorkel cumpra sua função. E, além disso, periodicamente verifique se ele está bem vedado e funcionando corretamente. Um bom teste é tentar “fechar” a entrada de ar do snorkel (com um plástico, por exemplo) e o motor deve perder força, quase morrer. Os veículos com injeção eletrônica podem ter esse efeito atenuado, pois, a eletrônica vai tentar compensar a menor quantidade de ar entrando.
Depois de atravessar, tudo está normal? O que fazer?
Depois de longas travessias de alagados, ou profundas, sempre faça uma boa verificação do seu carro.
Fique atento para o comportamento do motor, dos sistemas elétricos e eletrônicos. Muitas vezes, durante travessias alguns “sensores” podem falhar e algumas luzes se acendem. Muitas vezes, tudo volta ao normal depois de seco. Mas, fique atento a isso.
Após a travessia seus freios não têm o mesmo rendimento. Num primeiro momento, logo após terminar o alagado dê um leve toque no freio, isso ajuda a eliminar a “lâmina” de água que pode ter ficado entre pastilhas e discos de freio ou entre lonas e tambor de freio. Certifique-se sobre o bom funcionamento dos freios antes de ganhar velocidade ou se aproximar demais de outros veículos que estão à sua frente.
Meu veículo é dotado de eletrônica. O que muda?
Se o seu veículo é equipado com vários sistemas elétricos/eletrônicos leve a travessia de alagados ainda mais a sério. Muitos veículos atuais simplesmente não fazem nada, absolutamente nada, se a eletrônica entrar em colapso. Principalmente, se o seu veículo tem sistema de rede CAN (é uma rede de transmissão de dados entre os diversos módulos que controlam as funções do carro e, hoje em dia, existem outras denominações para certas redes dos veículos).
Portanto, o melhor e mais prudente seria evitar ao máximo as travessias muito profundas. O risco é grande.
Isso não significa que você não possa fazê-las. Apenas que o risco é maior. E resolver os problemas, caso o veículo fique alagado, pode ser impossível no meio da trilha, ou seja, apenas dentro de uma concessionária. E com custos muito altos.
Em carros com muita eletrônica, evite ao máximo a travessia em alta velocidade, isso tente a “espalhar” água com pressão e que pode vencer o isolamento dos conectores elétricos.
Vou atravessar um rio com correnteza, o que fazer?
Se o rio a sua frente tem correnteza a primeira coisa é ter certeza de que ela não é forte o suficiente para arrastar o carro. Cuidado com isso. A força da água é surpreendente e, muitas vezes, o que nos parece uma correnteza fraca é suficiente para arrastar um carro.
Qualquer dúvida nesse item, aborte a travessia.
Se for atravessar, tente fazer com o que carro siga um sentido em que ele vá contra a correnteza, ou seja, como se estivesse “subindo” o rio. Alguns poucos graus de inclinação contra a correnteza já ajudam a ter mais segurança.
Se a correnteza for forte e, ainda assim, você decidiu por atravessar, algumas dicas interessantes para arriscar com alguma segurança, no caso de as coisas darem errado (dar errado aqui significa o carro ser arrastado, perder o carro e — pior dos mundos — vidas serem colocadas em risco):
– Se possível, prenda algumas cintas de reboque entre o seu carro e um carro que esteja atrás de você. Ele, em terra firme, servirá de âncora caso o seu carro comece a ser arrastado. Assim, certamente ele não sairá rio abaixo. E outro carro ainda poderá resgatá-lo;
– A mesma coisa pode ser feita com o guincho do seu carro. Você pode deixar o guincho amarrado numa árvore às margens do rio ou em outro carro, soltar a quantidade de cabo suficiente para a travessia e atravessar de ré (sim, podemos atravessar de ré, apenas tenha o cuidado de trabalhar com o giro do motor um pouco mais alto para garantir que a pressão dos gases será suficiente para “empurrar” a água e que ela não entre pelo tubo de escapamento). Se o carro for arrastado, você estará preso e ainda poderá usar o guincho para tentar levar o carro de volta a margem. Se a travessia foi um sucesso e é possível fazer em segurança, alguém solta o cabo do guincho e segue em outro carro que já poderá passar com mais tranquilidade, pois, a travessia já foi testada.
Finalizando, tenha em mente que as travessias podem ser muito divertidas, se tudo der certo. Ou um grande problema e dor de cabeça, se derem errado. O correto é ir ganhando experiência aos poucos, entendendo os riscos, conhecendo o comportamento do carro, etc. Jamais coloque sua integridade e vida em risco por alguns poucos segundos de adrenalina, que podem pôr tudo a perder.
E lembre-se SEMPRE: 4×4 Não é SUBMARINO.
Nos vemos por aí. Felizes num 4×4, secos ou molhados.
Abraços 4×4
LFC
Luís Fernando Carqueijo é titular da Trailway Eventos e editor de Off-Road do AUTOentusiastas.