Apesar de campos de provas serem instalações preparadas para reproduzir as condições das pistas das cidades e estradas, existem situações que exigem que as equipes de engenharia saiam a campo. Essas saídas são cercadas de muito cuidado com a confidencialidade do produto que está sendo testado, mas nem sempre é possível o total anonimato. Principalmente nos dias atuais, em que todo mundo tem um smartphone com poderosa câmera para fotografar os protótipos de testeS. E tem sempre um canal para receber essa foto e atrair mais cliques.
Atualmente as fábricas investem mais em camuflagem nos veículos, sejam adesivos hipnóticos ou verdadeiras burcas negras para esconder os detalhes do novo carro, diferentemente da preocupação que tínhamos no passado.
Em fevereiro de 1989, às vésperas do lançamento do Kadett no Brasil, a equipe de desenvolvimento geral do Campo de Provas da General Motors do Brasil organizou uma viagem, com seis carros oriundos da corrida piloto, ao Nordeste. O objetivo era identificar potenciais problemas de montagem, ou de qualidade de componentes, ou até mesmo ajustes finais de desenvolvimento que tivessem escapado do olhar atento dos engenheiros.
Saímos em caravana do campo de provas da GM em Indaiatuba, SP com destino a Fortaleza. Em cada carro iam dois ocupantes, sendo engenheiros, gerentes, diretores de diversas áreas da empresa, totalizando 12 participantes. A cada 3-4 dias ocorria a troca de toda equipe, exceto eu e o João M. Parra, mecânico de apoio que dirigiu 15 dias um Chevrolet Veraneio 6-cilindros a álcool, fechando o comboio.
Os carros foram preparados pela equipe de mecânicos e tiveram removidos todos os emblemas externos e logotipos que identificassem a marca ou nome do carro. Mas o Kadett já era conhecido, pois era um carro em produção na Europa. A preocupação de confidencialidade já era menor por estarmos às vésperas do lançamento, e ser descobertos naquele momento não traria prejuízo aos concessionários. Afinal, era um modelo novo que entrava em produção e não um substituto.
A saída foi às 9 horas da manhã de uma segunda-feira e o nosso primeiro destino era Belo Horizonte. A nossa preocupação era ter algum fotógrafo já na saída do campo de provas, mas não encontramos ninguém e seguimos viagem com a maior tranquilidade.
Mas a tranquilidade acabou ao chegarmos à Rodovia dos Bandeirantes. Dois carros começaram a seguir o comboio e fotógrafos se debruçavam nas janelas fazendo fotos. Eram o Cláudio Larangeira e o Marcelo Sacco, fotógrafos da Quatro Rodas. A orientação para toda equipe da GM era para manter os carros em fila indiana e manter a viagem no limite de velocidade da via.
Assim seguimos por vários quilômetros e os fotógrafos, que já haviam sobrevoado de helicóptero a fábrica do Kadett em São José dos Campos, SP, e fotografado os carros no pátio, agora tiveram a chance de registrar as primeiras imagens do carro em vias públicas.
Chegando ao primeiro posto de abastecimento na Rodovia Fernão Dias, na região de Extrema, MG, tive a incumbência de ligar para o meu superior na GM e comunicar o ocorrido. Ainda estávamos longe das facilidades de comunicação dos telefones celulares.
Ao longo da viagem cruzamos com mais duas equipes de fotógrafos de outros veículos de comunicação. Lembro de uma no hotel que nos hospedamos em Fortaleza, CE, onde o dono do hotel era dono de um dos jornais da cidade, e outro em Ubatuba, SP, mas não foram tão felizes na escolha da foto, como essa da capa da Quatro Rodas. Esta foto ficou registrada na minha memória, e recentemente encontrei um colecionador (Tiago Franco, de Hortolândia-SP) vendendo essa revista. Não tive a menor dúvida e hoje ela faz parte da minha coleção.
A Policia Rodoviária de alguns estados do nordeste também gostou muito do comboio, tanto que a cada posto policial nos paravam. A desculpa era conferir documentação das placas azuis de teste que utilizávamos, mas na verdade eles se comunicavam e paravam para conhecer o carro.
Um Kadett SL, dois Kadett SL/E (manual e automático), dois Kadett GS (um com ar-condicionado e direção com assistência hidráulica, outro básico), e uma Ipanema, fizeram parte do comboio, além do Veraneio de apoio. No total foram cerca de 7.800 quilômetros percorridos em duas semanas de viagem, com apenas um dia de descanso.
Aumentamos muito o conhecimento do novo carro. Nenhum incidente, falha mecânica ou elétrica foi registrada, apenas alguns pneus furados e rodas amassadas.
GB