Desde meados dos anos 1930 há duas localizações da alavanca de câmbio nos carros, na coluna de direção (foto de abertura) e no assoalho. Independe do porte do carro, pequeno ou grande, e do tipo de câmbio, manual ou automático de qualquer tipo. É tudo questão de filosofia de projeto e da preferência do consumidor. Algumas vezes, questão de custo, outras por razões práticas.
Há duas variantes de alavanca no assoalho — ou fora da coluna de direção, como queira — que é ela ser no painel de instrumentos ou num pedestal dedicado próximo do volante.
O DKW Front, de 1932, tinha a alavanca de câmbio no painel. Como se fosse um cabo de guarda-chuva, seu movimento era girá-lo alguns graus para a esquerda ou direita para selecionar os canais das marchas (1ª-ré e 2ª-3ª) e empurrá-la ou puxá-la para engatar as marchas. Sistema semelhante tinha o Renault 4, de 1961, de quatro marchas.
No Citroën 11, de 1934, a alavanca era no painel, de movimento vertical, bem fácil de usar.
Já a alavanca num pedestal dedicado próximo do volante são encontrados nos utilitários modernos como Fiat Ducato, Mercedes-Benz Vito e Renault Master.
Uma vantagem incontestável da alavanca na coluna é ganhar-se espaço dianteiro. Fica possível, por exemplo, o banco dianteiro ser inteiriço para acomodar duas pessoas além do motorista, embora seja difícil, mas não impossível, instalar o cinto de três pontos para o passageiro dianteiro central.
Questão de requinte
Nos que se seguram à Segunda Guerra Mundial houve grande desenvolvimento dos automóveis nos dois lados do Atlântico, na Europa especialmente devido aos estragos causados pelos bombardeios. Viu-se, assim, muitas marcas com produtos novos.
Uma das mudanças notadas foi a alavanca de câmbio passar para a coluna de direção mesmo nos carros pequenos, como que dando-lhes status, “luxo”. Bons exemplos são o italiano Fiat Millecento, o francês o Peugeot 203, e o inglês Standard Vanguard, os três tendo chegado ao Brasil em razoáveis volumes.
É o mesmo princípio do acionamento do câmbio por cabos que viabilizou o citado arranjo da alavanca num pedestal como nos utilitários mencionados.
Abro um parêntese para contar que na festa dos 10 anos do AE, em 1º de dezembro de 2018, no Box 54, participou do encontro de carros um antigo ônibus Chevrolet do Colégio Dante Alighieri, patrimônio da famosa instituição de ensino de São Paulo, em perfeito estado. Seu motorista ofereceu-me dirigi-lo e, claro, aceitei. Por ser de cara chata, o motor ficava dentro, ao lado do motorista. E o câmbio de quatro marchas, em seguida ao motor. Significa.que a alavanca saía “lá de trás” e vinha até a altura do meu quadril. Muito estranho, especialmente para achar os canais Mas também muito divertido!
Era tão in ter carro com câmbio no volante que havia um kti alemão para essa alteração, conforme vi num serviço autorizado Volkswagen em 1953. Pelo que vi na embalagem o sistema era por cabos de aço (cabo Bowden) com é tão comum hoje.
Eu, garoto de 12 ou 13 anos, acha o máximo alavanca de câmbio na coluna. Na linha de lotações que servia o nosso bairro, a Estrada de Ferro-Gávea, no começo dominada por Chevrolet, depois por Mercedes-Benz, apareceu um com motorização OM, italiana. Pois tinha alavanca na coluna, fiquei maravilhado. Um dia fui até a origem da linha e voltei, no banco do lado, só para ver o motorista passar marchas.
Na Itália, a Alfa Romeo lançou em 1958 o sedã 2000 (Alfa Romeo 2000 Berlina), que tinha câmbio de cinco marchas na coluna de direção. Esse carro, como se sabe, foi produzido no Brasil sob licença pela Fábrica Nacional de Motores a partir de 1960 com o nome FNM 2000 JK.
Todos gostam de requinte e muitos gostam de esportividade, que costuma ser associada a jovialidade. Por isso, de maneira geral, as fábricas costumavam ter na sua linha de produtos carros com alavanca de câmbio nos dois lugares em pauta.
Mas duas marcas não fizeram questão de atender aos anseios de esportividade: Aero-Willys, de três e depois quatro marchas, no seu modelo homônimo, e Ford, no Galaxie, de três marchas.Num desses fiz uma maravilhosa viagem à Buenos Aires para assistir ao GP de Fórmula 1 de 1975. O câmbio na coluna em nada tirou o prazer de dirigir. Fomos em cinco — eu, minha mulher, um casal amigo e a esposa do dono do Galaxie, que foi de avião para se encontrar conosco lá.
A Chrysler do Brasil lançou o Esplanada GTX em 1969 e um dos seus atrativos era o câmbio de quatro marchas no assoalho. Depois foi a vez do carro “para quem tinha menos de 30 anos”, o Dart SE. Seu câmbio? Três marchas no assoalho.
O grande destaque do Opala SS em 1971, além do motor 4100, era o câmbio de quatro marchas e no assoalho, com bancos dianteiros individuais.
O DKW-Vemag, exceto o utilitário Candango, sempre teve câmbio na coluna, do primeiro ao último produzido durante 11 anos (1956-1967). Mas quando Rino Malzoni construiu o GT que levou seu sobrenome, a alavanca foi para o assoalho.
Alguns donos de DKW fizeram o mesmo, o câmbio no assoalho era um must, tinha que ter.
Curiosamente, o Auto Union 1000 Sp, modelo esportivo do DKW na Alemanha, continuou com alavanca na coluna, Tanto este quando o GT Mazoni e os DKW-Vemag tinham particularidade do “H” fora de padrão, invertido, com marchas ímpares embaixo e pares, em cima. Dirigi-los não tinha problema algum, a adaptação era bem rápida.
Na pista
A alavanca no assoalho sem dúvida alguma infere esportividade. Mas, e numa pista ou andando rápido num trecho de estrada qualquer, a alavanca na coluna representa alguma dificuldade? Nenhuma. Aqui, nas corridas de carros de turismo, normais de rua, eram numerosos os sedãs DKW-Vemag, um pouco menos de Simcas Chambord, e alguns FNM 2000 JK, os três com alavanca de câmbio na coluna.
Atrapalhava? Não. Ajudava? Também não. Era apenas diferente.
Assista a esse breve vídeo de um DKW andando no Autódromo de Guaporé, no Rio Grande do Sul. Veja com era fácil usar o câmbio na coluna mesmo numa pista:
Automáticos e afins
Com o câmbio automático a ordem foi inversa, primeiro vieram com alavanca seletora na coluna (Oldsmobile,1939), depois no assoalho, nos anos 1970. Houve um período em que moda era a seleção era por botões, na segunda metade dos anos 1950, como nos Mercury, num pequeno painel dedicado à esquerda do volante.
O Citroën DS19, de 1955, nasceu com embreagem automática e requeria efetuar trocas manualmente.por meio de uma pequena alavanca na coluna, mas que não tinha ligação mecânica com o câmbio, as trocas era efetivadas por comando eletro-hidráulico. A pequena alavanca era muito jeitosa e chegou aos dias de hoje nos Mercedes-Benz que temos testado aqui no AE.
Hoje os automáticos de qualquer tipo (epicíclico, dupla-embreagem, CVT), em sua maioria, são comandados por alavanca no assoalho (posições P,R,N.D e algumas variedades na sequência como 3-2-1, L, S. Quando o câmbio oferece trocas manuais, são feitas pela alavanca seletora deslocando-a para um dos lados e, por meio de toques nela escolhem-se as marchas, tanto ascendentes quanto reduções. Só varia, de acordo com a marca do veículo, o sentido dos toques, se para frente ou para trás para efetuar a troca que se quer. Ou então por borboletas no volante, sempre a direita sobe marcha e a esquerda, as reduz.Ou por ambos os métodos juntos, alavanca ou borboletas.
Raramente essas trocas manuais são por teclas na manopla da alavanca, como nos câmbios GF6 dos Chevrolet Onix, EcoSport e, recentemente, Chevrolet Tracker.
Mais raros ainda são os seletores giratórios no console dos Land Rover ou os botões seletores dos câmbios robotizados do Fiat Uno Sporting Dualogic.
Houve também as pequenas alavancas na coluna dos câmbios pré-seletivo, como no americano Cord 810/812 de 1936, no inglês Armstrong Siddeley e nos ônibus ingleses Aclo. Nesse tipo de câmbio aperta-se a embreagem, coloca-se em primeira, arranca-se e ainda em primeira leva-se a alavanca para segunda. Para que ela engate efetivamente, pisa-se no pedal de embreagem. E assim sucessivamente.
Como se vê, essa discussão de qual o melhor lugar para a alavanca de câmbio vai longe. E o leitor ou leitora, onde prefere a alavanca?
BS