A notícia do passamento de José Luiz Magalhães Vieira, conhecido como JLV nas assinaturas de matérias de sua revista Motor 3, nesta terça-feira (19/5), abalou muita gente que cresceu aprendendo com ele.
Muito será escrito sobre sua biografia, e um dia — torço muito por isso — alguém irá juntar tudo que se sabe sobre ele e colocar em um livro, algo que ele poderia ter feito, mas em sua modéstia, não julgou conveniente.
O que sei de JLV é pouco, obviamente. Encontrei-o apenas meia dúzia de vezes, algumas delas rapidamente, e mesmo assim sua simpatia e generosidade em transmitir conhecimento e informações interessantes esteve sempre nas conversas.
A primeira vez foi chocante. Pouco antes de iniciar a especialização em engenharia automobilística do curso de engenharia mecânica da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial, depois mudada para Fundação Educacional Inaciana, em São Bernardo do Campo), resolvi lhe escrever uma carta e depois de menos de dez dias recebi um telefonema do próprio. Como assim, eu, anônimo, estudante de quarto ano de engenharia, recebendo um telefonema de JLV, convidando-me para ir até sua casa em um sábado para falar sobre carros e curso de engenharia?
Mas era verdade. Fui um pouco trêmulo, mas fui bem recebido, e um café no jardim de sua linda casa da Granja Viana em Cotia, SP, me acalmou. Conversamos cerca de uma hora com tranquilidade absoluta, e ficou aquela certeza de que as boas pessoas sabem tratar bem a todos, mesmo os desconhecidos. Isso se chama respeito pela humanidade, e José Luiz tinha isso aos montes.
Depois de um tempo, voltei para levar o convite da Expo MecAut, evento da FEI onde os projetos de formatura são apresentados, e mais uma vez recebeu a mim e minha namorada (hoje esposa) com simpatia e leveza, dessa vez em seu escritório lotado de material automobilístico. Uma maravilha.
Depois disso, encontros esporádicos em um Salão do Automóvel, ao lado do Renault Racoon, conceito espetacular trazido a São Paulo, e uma outra conversa ao lado de um BMW movido a hidrogênio em um Congresso da SAE Brasil.
Depois de algum tempo, já com o AUTOentusiastas a pleno vapor, o Bob Sharp chamou a mim e ao PK para ir com ele à casa de JLV para pegarmos os slides das fotos de quando ele havia andado de Lamborghini Countach na Itália, material que deveria ter sido publicado na Motor 3, mas que não havia dado tempo — a revista havia sido descontinuada em maio de 1987. Esta matéria está publicada no AE Clássicos.
A última vez que o vi foi em uma visita à coleção de outra figura importante do mundo do automóvel, Og Pozzoli (27/10/1930–12/11/2017), outra pessoa ímpar e que era muito amigo de JLV. Ele havia conseguido a visita, convidou várias pessoas amigas e o Bob, na sua peculiar gentileza, chamou-me, bem como o PK e o Marco Antônio Oliveira (MAO) para, acompanhá-lo nessa tarde de sábado inesquecível.
Sobre a revista já falei bastante em um texto alguns anos atrás (link no final), e para quem não conhece, pode ter certeza que é a melhor publicação sobre automóveis feita no Brasil. Pena ter durado apenas sete anos, fruto de ideias erradas da Editora Três, que primeiro eliminou da revista as motos, os barcos e os aviões, e mais adiante, na tentativa de aumentar as vendas, tentou com que JLV aceitasse uma mudança de linha editorial com que ele não concordou. Um homem tem que ter princípios — alguém inteligente já disse — e JLV era um desses homens. Melhor fechar a redação do que fazer outra revista de carros como as outras.
Trabalhando como consultor (JLV Consultoria), ele tinha várias atividades para muitas empresas, e isso o mantinha ocupadíssimo com o assunto que mais adorava, o tema de sua vida, o automóvel. Escreveu também para a Autoesporte por um tempo como editor de assuntos internacionais, além de assinar diversos testes, quando o Bob estava lá também, e teve matérias ótimas, mas obviamente com espaço muito limitado, diferente do que fazia na Motor 3. Mantinha a revista Carga & Transporte, especializada no setor, e tinha a newsletter TechTalk, primeiro distribuído gratuitamente em papel e depois digitalizado.
Um fato registrado na Motor 3 que mostra o quanto o mundo é incerto. Em um Salão de Genebra visitado por ele, legendou a foto de um Countach dizendo que os supercarros estavam em extinção, e deveriam desaparecer em breve devido às restrições de emissões de poluentes e outras mudanças de regulamentos ao redor do mundo para a indústria de automóveis. Sem dúvida uma previsão que não se concretizou, basta ver a quantidade de carros de desempenho elevado e estilo puramente esportivo que temos hoje.
Mas isso não desmerece o grande mestre JLV. O faz, sim, mais ainda aquilo que todos precisamos ser, por mais difícil que seja: humanos. Seres que acertam e erram, mas que devem ter sempre o objetivo de ajudar e inspirar nossos irmãos para que façam melhor.
E isso ele deixou de lição a todos. Obrigado, JLV.
Para saber mais sobre José Luiz Vieira, leia Motor 3, a força, quase 30 anos depois
JJ
P.S.: Minha esposa sempre me disse que não gosta de anos pares. Este 2020 está provando que sua superstição tem certa validade. Além do vírus que prejudicou quase todo o planeta, janeiro começou com o falecimento de Neil Elwood Peart (1952-2020), baterista e letrista de minha banda preferida, RUSH. Peart deixou extensa obra, nas letras de mais de uma centena de músicas, livros e projetos musicais fora da banda. A amplitude de assuntos abrangidos em seu trabalho é fabulosa. Ele também é uma inspiração de vida e dedicação, como JLV. Mais sobre Peart AQUI.
(Atualizada em 1º/06/20 às 20h00, inclusão de foto de parte da coleção de Og Pozzoli)