Então, você tomou coragem! Lá está o seu 4×4 na garagem! Ele olha para você e diz: “E aí, quando vamos para nossa primeira aventura?” E você, friamente, se apercebe de que ainda não tem “com quem” partir para ela. Ou, ainda, até já tem seu grupo, mas naquele dia que você pode ou quer, ninguém está disponível para ir com você para a trilha.
Ou até mesmo, nesses tempos de quarentena decretada e distanciamento (esta matéria foi publicada em 4/05/2020, em plena crise do novo Coronavírus), você quer ir para a trilha, entende que o fará com as devidas providências de segurança sanitária e, então, decide ir sozinho.
Talvez a regra nº. 1 do Off-Road seja jamais andar sozinho. Mas sabemos também que as regras no Off-Road existem, mas muitas vezes temos que inverter a lógica e mudar essas regras. E, como nos exemplos acima, há afinal um motivo concreto para que você vá sozinho (em apenas um carro) encarar os desafios de “brincar” de Off-Road. Então, por que não?
Na minha vida de aventureiro profissional foram inúmeras e incontáveis as vezes em que tive por necessidade que me aventurar sozinho por lugares e situações inóspitas, isoladas e até mesmo perigosas. E como ainda ando por aqui (vivo e inteiro (rsrs), senti que podia falar um pouco do assunto. Na imensa maioria das vezes eu estava de fato sozinho: apenas o meu carro e eu. E, claro, nessas condições, pequenos problemas (um simples atolamento, por exemplo) podem dar um “baita” trabalho para resolver. Ou, ainda, precisar de fato de ajuda para ser resolvido. Mas, ainda assim, é possível com algumas técnicas e precauções.
Para facilitar as coisas, organizei em tópicos as principais dicas, mais ou menos em ordem de importância. Mas, claro, são apenas algumas dicas. O assunto tem um potencial inesgotável e incrivelmente vasto. E, como quase tudo na vida, diferentes pontos de vista que podem sugerir coisas diferentes ou complementares. Ou até mesmo, situações diversas que podem requerer abordagens diferentes ou até mesmo opostas.
Planejamento
Você vai sozinho para um lugar distante, com caminhos e estradas ruins, no meio do nada e com poucos recursos. Meu amigo, se você não fizer um bom planejamento o que você quer não é uma aventura, é arrumar problema na certa, encarar uma verdadeira “roubada” (rsrs)..
Planejar sua aventura requer um bocado de estudo da região, incluindo tipos de terreno, dificuldades off-road mais comuns, condições climáticas na época do ano em que você vai (importantíssimo e faz muita diferença), disponibilidade de serviços e peças para seu veículo, condições de hospedagem e alimentação (desde que, claro, você não esteja indo num esquema de “camping” e “dormir e cozinhar no carro”), cidades e rodovias próximas, mapas, informações de GPS (tecnologia é bom e deve ser usada) e alguns outros itens que fazem parte desse universo.
E acredite, planejamento e conhecimento é tudo.
Tipo de terreno e equipamentos de resgate e remoção
Você resolve ir para uma região que é um deserto de areia e decidiu não levar pranchas de desatolamento.Humm!… Você não entendeu onde está se metendo (rsrs). O raciocínio é mais ou menos esse: analisar os principais e mais difíceis terrenos e obstáculos que você deve encontrar e levar os equipamentos e utensílios adequados para poder — sozinho — remover o veículo de alguma dificuldade ou atolamento. Tenha sempre isso em mente, “Em fora-de-estrada só não atola quem nunca foi ou encarou um verdadeiro desafio”.
Jamais pense que ao ter um poderoso guincho instalado na frente do carro poderá com ele — e apenas ele — se safar de todas as situações que poderão acontecer. Para ilustrar, apenas dois exemplos: 1.) no “tal” deserto de areia você provavelmente não encontrará um ponto de ancoragem para colocar o cabo do guincho; 2.) imagine uma situação onde “puxar” o carro para a frente simplesmente não seja uma opção, ou seja, a condição ideal é puxar o veículo para trás.
Portanto, pranchas, âncora, hi-lift (um tipo de macaco “vertical” que eleva bem o veículo), tifor (uma espécie de “guincho” com acionamento através da força humana), cintas, patescas, manilhas, etc. precisam e devem fazer parte da sua lista de equipamentos. E, claro, saber usá-los também (rsrs).. Pode ser que você não encontre nenhum off-roader experiente para lhe ajudar nessa hora, mas tenho a certeza de que se ele aparecer lhe ajudará com toda a boa-vontade e um sorriso no rosto… E também, deve “tirar um sarro” de você ao final…( rsrs).
Mapas e GPS
Muito bem, podemos e devemos usar toda a tecnologia disponível. Mas, por favor, estude e confira se os mapas instalados em seu GPS são atualizados e, principalmente, se são confiáveis, ou seja, se possuem informações corretas. E a melhor forma de fazer essa “conferência” é através da comparação com outros mapas, sejam de papel (ainda extremamente úteis) ou outras fontes digitais (como oGoogle Maps, por exemplo).
E não deixe de carregar esses mesmos velhos e bons mapas em papel. Muitas vezes, estudar uma região muito ampla numa tela de GPS se torna uma tarefa ingrata, chata ou impossível. Mas, para eles também escolha bons e confiáveis mapas. Eles ainda existem.
Sobre aparelhos de GPS, ainda acho que as melhores opções são os aparelhos dedicados. Normalmente, os resultados são melhores. Mas, claro, é plenamente possível usar aparelhos como tablets (que com telas grandes podem ser bem úteis e interessantes) ou celulares. Mas, nesse caso, tenha a mais absoluta certeza de que os mapas estarão disponíveis sem conexão de dados (o chamado modo “off-line”), pois é absolutamente comum e certo que em áreas inóspitas a disponibilidade de conexão celular é reduzida e muitas vezes de qualidade ruim.
O veículo
Não custa lembrar que ele é que fará todo o trabalho pesado e sujo. Portanto, ele precisa ser adequado para suportar as condições a que você pretende submetê-lo. Se você vai cruzar o Pantanal ou os Lençóis Maranhenses na época das cheias (quando o nível das águas podem chegar a um metro de profundidade) um veículo moderno, repleto de eletrônica e sensores pode não ser a melhor opção. Se você for atravessar 800 km no deserto patagônico um veículo antigo e desgastado pode não ser a melhor escolha. E, assim, cada situação pode sugerir uma melhor abordagem ou decisão. E muitas vezes não haverá uma resposta fácil e óbvia. E, claro, isso ainda depende de disponibilidade e na maioria das vezes você terá que trabalhar na base da adequação, ou seja, adequar o roteiro ao seu veículo.
Mas, uma coisa é certa e definitiva. Seja qual for o veículo escolhido, você precisa cuidar da manutenção preventiva dele com afinco e atenção. Uma verificação minuciosa em oficina e profissional que entenda o que é uma aventura desse porte pode lhe render uma confiabilidade para o veículo acima do normal, simplesmente pela experiência e conhecimento que esse profissional tem para “prever” possíveis pontos de problemas ou falta de confiabilidade.
Por exemplo, um mecânico normal pode avaliar que suas pastilhas de freio ainda suportam 20.000 km em condições normais. Mas, para um profissional que entende o que é uma aventura dessas, pode muito bem avaliar que suas pastilhas não suportam sequer os 5.000 km planejados que você vai rodar em poeira, barro e areia. E isso porque ele entende que naquele ambiente inóspito, o consumo das pastilhas — em função do material abrasivo — será muito maior do que o normal. E isso faz toda a diferença.
De qualquer forma, para grandes aventuras sempre é importante levar com você peças de reposição mais comuns que seu carro utiliza ou aquelas que normalmente quebram com mais frequência (acredite, todo veículo tem peças “assim”), além de itens de desgaste e consumíveis como filtros, correias, pastilhas, fluidos adequados (seu veículo pode usar um tipo de óleo no motor ou no câmbio que não são fáceis de encontrar em lojas “comuns”), fusíveis, lâmpadas, etc.
Em veículos mais modernos e dotados de eletrônica, um scanner que possa ler através da porta OBDII (o conector que permite “ler” os módulos eletrônicos do carro) pode ser bastante útil, para entender que tipo de problema você tem quando algo acontecer com o desempenho do carro ou alguma luz de anomalia aparecer acesa no painel. Tanto você pode ter um problema grave que requer atenção imediata, como algo que não prejudica o veículo e pode ser verificado e/ou consertado mais tarde, até mesmo após a aventura. Isso pode ajudar MUITO.
As condições de terreno e obstáculos também podem ajudar a determinar a necessidade ou não de outros itens menos comuns. Por exemplo, você escolheu uma aventura pela Transamazônica na época das chuvas (e, claro, muito barro pela frente) e isso pode fazer você pensar em levar utensílios que permitam lavar o radiador, lubrificantes (graxa) para terminais, cruzetas, etc. ou um pneu estepe adicional, por exemplo., que se fazem necessários nessas condições. Ou seja, adequar o “estoque de peças” ao tipo de aventura faz todo o sentido. Mais informações sobre esta parte podem ser vistas nesta minha matéria.
Assumir riscos
Se o objetivo principal é cumprir toda a aventura e todo o roteiro traçado (e planejado) pense bem antes de assumir riscos desnecessários. Não há motivo real, racionalmente falando, para você atravessar lugares mais difíceis desnecessariamente. Um atolamento (evitável) pode ser divertido quando você tem outro carro (e pessoas) para lhe ajudar.
Mas, sozinho pode ser um transtorno (na melhor das hipóteses), tomar-lhe muito tempo para resolver ou lhe deixar numa situação sem solução sem ajuda externa (na pior das hipóteses). Já não sei contar as vezes que tive que dormir dentro de um carro à espera de uma ajuda que não vinha ou que estava muito distante e isso causou grandes atrasos na programação (afora extremo cansaço físico, etc.).
Certa vez atolei numa duna (sozinho, claro) e a cidade mais próxima estava a 54 quilômetros de caminhada pela praia (algo como 14 horas andando em ritmo bom). Minha sorte foi conseguir um contato por radioamador (aliás, outro item que é importante carregar numa aventura, mesmo que esteja sozinho) e num verdadeiro milagre um “risquinho de sinal” inesperado no celular. Assim, foi possível passar minha localização para minha equipe em São Paulo que se mobilizou para arrumar ajuda perto de onde eu estava (a mais de 1.600 quilômetros da capital paulista). E, como não podia deixar de ser, lá se foi um “jipeiro” desconhecido, mas sempre amigo e companheiro, para me buscar na Praia do Cassino, RS — onde eu estava atolado desde as 11 horas da manhã — saindo de sua cidade às 23h00 de uma noite chuvosa e com previsão de tempestade (que acabou chegando às 2h00 da madrugada quando já estávamos tranquilos e seguros num bar da cidade, comemorando o “final feliz”).
E é por isso que temos o próximo tópico.
Comunicação
Se você vai sozinho mesmo, comunicação e manter as pessoas que o conhecem informadas de seus passos é fundamental. Quando a situação aperta de verdade, não há outro jeito: você precisa da ajuda de alguém. E se algo pior acontece com você, a ausência de “notícias” pode disparar uma “busca” baseada na sua última localização conhecida e o seu plano para o próximo destino.
Felizmente nesses anos todos não tenho uma história dessas para contar, mas, me lembro bem das inúmeras vezes que, não tendo respeitado esse procedimento ao pé da letra (e isso é bastante comum e requer constante autopoliciamento) pensei comigo mesmo: se algo mais sério me acontecer nesse lugar, simplesmente nunca mais serei achado…( rsrs). E é verdade. E pense que as pessoas que gostam de você não merecem — mesmo — esse sofrimento. Além do que, elas é que poderão fazer toda a diferença no seu resgate.
Portanto, tenha ferramentas de comunicação. Entenda a cobertura da telefonia celular na região em que você vai. Tenha um bom aparelho e o mantenha carregado (portanto, tenha carregadores veiculares). Instale um bom rádio, potente e com boa antena externa para poder buscar ajuda através de um radioamador ou simplesmente alguém que esteja em alguma frequência (seria demais recomendar que você aprenda a operar os recursos do seu rádio?!).
Se o lugar que você vai é realmente muito isolado, considere utilizar (pode ser através de locação) um sistema de telefonia por satélite e um rastreador por satélite (o mais famoso e comum é o Spot, mas existem outros). Esses dispositivos possuem cobertura em quase todo o planeta — existem áreas de “sombra”.
E quando encontrar outros aventureiros pelo caminho, compartilhe com eles seus planos e caminhos. Desses simples comentários podem surgir ajudas (e dicas, claro!) valiosíssimas. Isso também vale para as pousadas e restaurantes pelas quais você passe pelo seu roteiro. Serão mais e mais pessoas que sabem algo de você.
O jeito de dirigir e usar os equipamentos
Certo, cada um tem seu jeito e seu estilo de dirigir. Mas, quando você está sozinho deve sempre pensar que “preservar” o seu equipamento é extremamente importante e sobretudo fundamental. Estamos falando do veículo, mas não só dele, de todos os equipamentos que você vai precisar para completar sua aventura.
E no caso do seu carro, o jeito de dirigir faz toda a diferença. Conheço muitos bons pilotos off-road que, embora verdadeiramente hábeis e bons, conduzem seus veículos como se estivessem com “raiva” dele… (rsrs). Utilizam de mais “força” do que o necessário, não se preocupam como deveriam com “pancadas” na parte inferior (onde estão diferenciais, câmbio, caixa de transferência, árvores e semiárvores de transmissão, etc.), não pensam “ativamente” em como superar os obstáculos e, ao mesmo tempo, conservar e preservar o equipamento.
E se tem uma coisa que você NÃO vai querer de forma nenhuma quando estiver sozinho é que seu carro apresente um problema inesperado e, pior, que poderia ser evitado. E ainda pior se isso acontecer, justamente no ponto mais isolado e inóspito de sua aventura.
Por isso, “treine” constantemente um jeito de dirigir mais “leve”, pense no que você pode fazer para preservar ao máximo o equipamento e os itens vitais. Tenho a certeza de que você vai descobrir inúmeras técnicas para fazer diferente e melhor. Isso se consegue com “conscientização”, treino e observação.
Técnicas mais apuradas de utilizar a embreagem (evitando “trancos” fortes na transmissão), formas corretas de transpor alagados (e não gerar splashes (entradas na água) muito fortes que podem comprometer a parte elétrica/eletrônica do veículo), saber dosar o acelerador em erosões e terrenos irregulares, entender a forma correta de troca de marchas, aprender a utilizar o guincho de forma correta (e segura) e tantas outras técnicas, podem fazer com que você consiga manter seu equipamento íntegro e funcionando.
Espero que tenham sido boas dicas. Boas aventuras! E de preferência e se puder, não vá sozinho… (rsrs)
LFC
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