Esta é a parte final do relato iniciado na Parte 1. Adicionalmente, há o testemunho de Ronaldo Berg, ex-gerente nacional de Assistência Técnica/Produto da Volkswagen do Brasil..
Guanauto Veículos S.A. – O primeiro salão do automóvel da Guanabara – Parte 2
Por Hugo Bueno
A cerimônia de inauguração, verdadeiro acontecimento social, foi no dia 5 de agosto de 1971 e contou com várias personalidades do meio político, empresarial e jornalístico, com toda a diretoria da Guanauto Veículos S.A presente, além do Sr. Bernard Eland, diretor de Vendas da Volkswagen do Brasil.
Vários amigos e clientes também estiveram no evento no qual a nova loja também recebeu a bênção do padre Francisco Abdala. Nos dias que se seguiram, o retorno de imprensa não poderia ter sido melhor.
O editor do caderno de automóveis do Jornal do Brasil, Waldyr Figueiredo, exaltava o início de uma nova era onde a força bruta seria trocada pela capacidade técnica crescente. A inauguração dessas novas instalações da Guanauto Automóveis foi, sem dúvida, um marco no mercado automobilístico carioca.
Atingida a meta dos anos ’60, o crescimento não parou, pois cada vez mais empresas e frotistas se rendiam ao espaço, robustez e economia dos modelos Volkswagen. A Guanauto aproveitava a onda aumentando sua carteira de clientes e com vendas de veículos cada vez maiores. No final de 1973 a empresa Palheta S/A Produtos Alimentícios recebeu 15 Kombis encomendadas para reforçar sua frota. Em uma rara foto da fachada, é possível ver, além das Kombis perfiladas, o TL que parecia flutuar em exposição no lado externo do segundo andar do edifício.
Em 1974, a Guanauto adquiriu o controle da antiga concessionária Fluwagen na cidade de Niterói, então capital do Estado do Rio de Janeiro. Nascia, assim, a Guanauto Niterói, localizada à Rua Feliciano Sodré, 568, Centro. Atualmente estas instalações são ocupadas por outra concessionária Volkswagen, a AB Abolição.
Bem no final da década de 1970, para enriquecer sua carteira de produtos, a Guanauto passou a representar a Invel, distribuindo o micro-ônibus desse fabricante cuja versatilidade permitia sua utilização para trabalho ou lazer.
Praticamente ao mesmo tempo, passou a comercializar motocicletas Honda e para isso construiu em suas dependências uma pista de provas de 420 m² destinada a cursos de pilotagem e testes. A Guanauto já era a essa altura uma potência em vendas.
Chegando a década de 1980, o planejamento de expansão da Guanauto voltou-se para a zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente a Barra da Tijuca. Centenas de condomínios residenciais estavam em fase de construção e já se vislumbrava que era para aquela região que a cidade do Rio de Janeiro se expandiria.
A ocupação levava para a Barra e adjacências pessoas de alto poder aquisitivo e a distância entre a região e o centro da cidade obrigava o desenvolvimento de uma infraestrutura própria. Alinhada a essa necessidade, a diretoria da Guanauto decidiu, em 1989, instalar uma loja, ainda que pequena para seus moldes, a fim de marcar presença nesse mercado em expansão e atendê-lo
Foi a primeira concessionária Volkswagen a ter uma loja no bairro, a Guanauto Barra, localizada na Avenida das Américas, 2.550. Ainda em 1989, estimava que dali a um ano estaria inaugurando uma nova e imensa instalação a qual certamente seria o “carro-chefe” dessa nova etapa do mercado. Era tratada como “O Palácio” na Av. Alvorada, 2.541 (atualmente Av. Ayrton Senna). Mas obra atrasou e infelizmente não encontrei referências de que tenha sido concluída.
O fato é que as propagandas da Guanauto Veículos foram ficando escassas, até que em novembro de 1998 uma notinha do jornalista Ancelmo Góes no jornal O Globo informava que algumas concessionárias estavam vendendo suas unidades na Barra da Tijuca e a Guanauto era uma delas. Em 1999, somente o endereço da matriz no Campo de São Cristóvão permanecia na lista de concessionárias Volkswagen. Não existia mais Guanauto Barra e tampouco a Guanauto Niterói.
Declínio e fim
O declínio da Guanauto Veículos S.A. era evidente. A década de 1990 foi marcada por grandes problemas econômicos no país que, associados à reabertura das importações de veículos no começo da década, certamente afetou muito o faturamento das grandes e tradicionais concessionárias da época.
Grandes grupos econômicos foram obtendo concessões de vários fabricantes transformando-se em grandes conglomerados multimarcas, trabalhando na logística e reduzindo custos ao extremo. Foi o início da transformação dos pontos de venda “nababescos” em instalações mais enxutas e econômicas.
Melancolicamente, após o encerramento das atividades da empresa, em 8 de julho 2002, o belíssimo complexo do Campo de São Cristóvão, 87 foi ocupado pelo comitê de campanha da então candidata ao governo do Estado do Rio de Janeiro, Solange Amaral.
Após praticamente 40 anos, chegou ao fim o ciclo de vida de uma das maiores concessionárias Volkswagen do Brasil, a Guanauto Veículos S.A. Posteriormente, a sede de uma empresa da área de papelaria adquiriu o imóvel, efez as adaptações necessárias e passou a ocupá-lo.
Em busca do que restou do passado
Em dezembro de 2018, após obter autorização da empresa proprietária, pude visitar diversas áreas restritas do prédio principal e que guardam consigo lembranças de uma época que não volta mais.
Muitos elementos de arquitetura e de infraestrutura do prédio permanecem lá. As vigas em balanço, que tanto me impressionaram desde criança, estavam no mesmo lugar, agora, porém, praticamente sem acesso interno.
O elevador de carga, um ícone de engenharia da época, permanece trabalhando a todo vapor, só que em vez de automóveis transporta caixas e mais caixas de objetos de papelaria.
O auditório, em ótimo estado de conservação considerando sua idade atual, me fez imaginar os cursos e eventos que aconteciam lá. Cadeiras finamente estofadas e outras de madeira trabalhada provavelmente serviram de pano de fundo em reuniões de diretoria.
O piso de mármore dos imensos salões de exposição mostra o esmero do material utilizado na construção, assim como as grelhas de saída do ar-condicionado central.
Vestígios de um bar e de uma cafeteria me fizeram imaginar o proprietário que aguardava a entrega de seu veículo degustando um refrigerante ou um café quentinho.
Ao adentrar o restaurante, percebi a preocupação da empresa com seus funcionários. A assistência a eles incluía ainda o fornecimento de remédios para ele e para sua família, seguro de vida e outras vantagens.
A parte social era coberta por uma associação criada pela empresa onde eram organizados festas e jogos para a família. A imensa área que servia de almoxarifado para as peças me fez imaginar que o estoque deveria ser quase igual ao almoxarifado da fábrica.
O espaço da oficina, praticamente descaracterizado, me levou ao longínquo ano de 1971 onde uma nova linha de veículos Volkswagen deveria ser revisada.
Algumas fotos mais:
A visita serviu-me como uma máquina do tempo, pois apesar de praticamente não ter frequentado a Guanauto, consegui sentir a emoção da época de ouro que alguns felizardos funcionários e clientes puderam sentir.
Testemunho de Ronaldo Berg
Guanauto DN-275 – Rio de Janeiro
Representante de Assistência Técnica no Escritório Regional do Rio de Janeiro 1972-1977 e depois promovido a Chefe Regional de Assistência Técnica no mesmo escritório regional, cargo que ocupeii de 1977 a 1982 quando, mais uma vez, fui promovido. Desta vez sem direito a escolha, fui para a Matriz em São Bernardo do Campo para assumir uma nova gerência, a Assistência Técnica/ Produto, agora vez em âmbito nacional.
A ida para o Rio de Janeiro havia sido uma opção minha, os escritórios regionais estavam sendo abertos e entre Curitiba e Rio de Janeiro e escolhi este último..
Minha chegada ao Rio foi dia 19 de janeiro de 1972, Até achar um apartamento fiquei morando no Hotel Glória, onde tradicionalmente os funcionários da Volkswagen do Brasil se hospedavam. No dia seguinte, 20, feriado de São Sebastião, padroeiro da cidade, fui à praia. Comecei bem, pensei.
Comecei o trabalho propriamente dito indo ao escritório regional que ficava na Rua Sete de Setembro, no centro da cidade, e lá, naquele momento, conheci meus colegas de trabalho.
Minha atividade inicial foi a de Atendimento ao Cliente. Lá ainda permanecia e de forma muito forte o espírito de “capital federal” com aquela famosa frase: “Sabe com quem você está falando?” “Você’ por que eu tinha apenas 25 anos.
Foi nesta função que conheci a já famosa Guanauto localizada no Campo de São Cristóvão em um suntuoso prédio de nove andares, o que para mim foi uma grande e agradável surpresa. Eu estava vindo do Paraná e lá as concessionárias eram mais modestas.
Conheci o gerente de Serviço Sr. Cristiano, que não me deixou faltar nada. Eu havia marcado encontro com um cliente que reclamara pessoalmente no escritório que seu carro apresentava um ruído na suspensão dianteira e que a Guanauto, embora tivessem dado toda atenção, não havia conseguido resolver o problema.
Os recepcionistas foram informados do horário da chegada prevista do cliente e tão logo ele chegou à entrada na Concessionária foi encaminhado à sala da gerência da oficina e nela, onde eu já me encontrava, ouvi toda a história novamente, só que desta vez com a presença do gerente da oficina.
Tudo transcorreu da melhor forma possível. Enquanto o chefe de oficina, sr. Wander, fazia um teste com o veículo, o Cliente foi convidado a tomar um café que ficava no andar térreo junto ao showroom e lá aproveitava para ver as novidades da marca.
O chefe da oficina identificou no teste a real causa da reclamação do cliente que, em menos de uma hora, recebeu seu carro de volta com o problema sanado..
Foi assim que começou nosso trabalho de equipe. Uma oficina muito bem equipada, talvez a mais moderna do Rio de Janeiro, completo ferramental especial para veículos VW e uma equipe muito bem supervisionada e, ainda, muito bem treinada pelo fato de o Sr. Wander ser também instrutor do Senai.
Passei a usar a Guanauto como meu porto seguro para a solução de problemas difíceis. Muitas vezes os clientes reclamavam da distância, mas o transporte de clientes entre a concessionária e o Centro, uma cortesia da casa, fazia a diferença.
Com o passar do tempo o meu relacionamento com a concessionária foi se tornando mais amigável. Eu não era aquele representante da fábrica que vinha com problemas, mas sim o que trazia boas informações e também soluções.
A direção da Guanauto ficava nos andares superiores e seu acesso não era muito usual, até que um dia o gerente de Serviço Sr. Cristiano me informou que o diretor do Pós-Vendas, Sr. Roberto Torviso, queria me conhecer. E assim foi. Na próxima visita à Guanauto eu o conheci e pude ver de onde partiam as ordens a serem seguidas com tudo que se relacionava a clientes e o Pós-Vendas.
Só depois de ser promovido ao cargo de Chefe Regional de Assistência Técnica conheci o diretor-geral e sócio da empresa, o Sr. Pedro Capeto, que era sem dúvida o grande responsável por tudo que ocorria dentro da Guanauto. Muito simpático, educado, atencioso, fez questão de me mostrar o fantástico auditório da concessionária e me convidou a participar de uma reunião que haveria em alguns dias. Ele fazia parte da diretoria da Assobrav, a Associação Brasileira Dos Distribuidores Volkswagen e, entre muitos assuntos, alguns relacionados à Assistência Técnica seriam discutidos.
O relacionamento da Guanauto com a Volkswagen do Brasil e com o Escritório Regional não poderia ser melhor. Dedicados à marca, responsáveis, na época não se falava esta palavra, mas eram verdadeiros parceiros, tanto da fábrica quanto do escritório regional e, principalmente, com os representantes de Vendas, Peças e Assistência técnica que a visitavam frequentemente.
Quando eu assumi a Chefia da Assistência Técnica minhas visitas à Guanauto deixaram de ser tão frequentes, uma vez que em vez de cuidar de 12 concessionárias no Rio e Grande Rio, agora eu tinha que supervisionar 77, todas integrantes da denominada Região III que começava na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro e seguia até a cidade de São Mateus, no Espírito Santo,, divisa com a Bahia e para tal eu tinha sete representantes que viajavam por esta região visitando as concessionárias.
Também lamentei profundamente a situação da Guanauto, por muitos anos considerada modelo no Rio de Janeiro. Nesta ocasião eu já estava em São Bernardo do Campo.
RB
Fechando esta segunda parte, faço uma homenagem às concessionárias que fizeram época no Brasil deixando a sua, agora silenciosa, lembrança aos que delas lançaram mão para comprar ou manter seus veículos Volkswagen. Que bom seria se a trajetória destas concessionárias não fosse perdida no tempo, mas ficasse registrada de alguma maneira, só que, também desta vez, o progresso não poupou estas histórias que acabaram relegadas a um cruel esquecimento.
Ao menos a Guanauto, através do diligente trabalho de Hugo Bueno, complementado pelo testemunho de Ronaldo Berg, teve a sua história resgatada e registrada nesta matéria.
AG
Com este trabalho, Hugo Bueno e eu damos continuidade a colaboração que já resultou em matérias de qualidade e interesse para os leitores e leitoras desta coluna. Agradeço ao Hugo pela parceria e o parabenizo pelo trabalho.
Agradeço também ao Ronaldo Berg, amigo de longa data, por sua importante participação neste trabalho.
O Hugo Bueno colocou as seguintes notas de origem e agradecimentos:
Referências para a pesquisa:
1) Jornais da época – O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário de Notícias.
2) Livro: Gestão de Concessionários de Veículos – Valdner Papa e Carlos Alberto Riquena – Editora Alaúde – 2011.
3) Site da Associação Brasileira de Administradores de Consórcios – www.abac.org.br.
4) Fotos da década de 1980 da fachada da Guanauto Veículos S.A. captadas na internet
5) Google Maps
6) Fotos atuais do imóvel – minha autoria.
Agradecimentos:
Lourdes Aina, Liliane Aina, Cláudio Barcelos Coelho e Administração da Papelaria Caçula por terem viabilizado a visita ao imóvel construído e originalmente ocupado pela Guanauto Veículos S.A.
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