De vez em quando a internet nos assombra com fotos antigas de belos Dodge nacionais participando de corridas de demolição e outras práticas macabras. Carros impecáveis, que hoje valeriam uma pequena fortuna, sendo trucidados sem piedade. No meu bairro, na zona oeste de São Paulo, havia no final da década de 70 um conhecido adolescente que pelo menos uma vez por mês comprava um Dodge só pelo prazer de acelerar sem qualquer prudência no fim de semana e simplesmente incendiar o carro domingo à noite. Os diferentes crimes contra esse patrimônio automobilístico nacional, aliados ao natural processo de sucateamento, resultaram na dizimação estimada de cerca de 90% a 95% da frota desse inigualável muscle car brasileiro — por coincidência, meu carro nacional favorito em todos os tempos.
Sempre fui Chryslerentusiasta e na década de 90, em parte também graças à desvalorização desses carros, consegui realizar o sonho de ter um Charger R/T 79 — aliás, o conhecido “protótipo” prata e preto que ainda circula por aí — e um belo Magnum azul Estelar que ainda vejo de vez em quando nos vídeos e fotos do Museu do Dodge, onde ele encontrou o lugar que merece, ao lado de seus semelhantes.
O tempo passou e, felizmente, os Dodges começaram a receber o devido reconhecimento. Hoje são automóveis aspiracionais e acessíveis a poucos. Ainda vislumbro em meus sonhos mais acalentados a possibilidade de um dia reconquistar um deles para minha garagem.
Mas, vida que segue e admiração pela Chrysler que permanece. Não é pela impossibilidade de ter neste momento um Dodge V-8 nacional que vou me privar de desfrutar de um exemplar da cultuada marca americana. Há boas opções no mercado nacional de usados. Para meu gosto, duas se destacam: o 300 M e o Stratus. Automóveis que me agradam pelo design, pelo acabamento, pela importância no contexto histórico em que foram lançados e pelo baixíssimo custo de aquisição.
Comecei uma pesquisa sem pressa, olhando exemplares tanto de um quanto de outro. Ainda que minha preferência recaísse sobre o 300 M, simplesmente era impossível estacioná-lo na minha vaga de garagem. Então passei a focar exclusivamente no Stratus. Claro que desde o princípio tinha plena consciência das dificuldades de manutenção e dos preços extorsivos das peças de reposição. Mas, tal cenário não era tão diferente de outros carros antigos que já tive. E quem não quer enfrentar esses desafios, deve se limitar aos carros novos — o que é perfeitamente justo.
Depois de muitas visitas encontrei um bom Stratus LX V-6 de único dono e com apenas 76 mil km rodados. O carro estava em muito bom estado e tinha a pintura 100% original, sem um retoque sequer. Sobre este exemplar recaiu a minha escolha.
Há um ano estou tendo o prazer de conviver com o belo Chrysler — um Dodge em seu mercado de origem — pelas ruas e rodovias de São Paulo. Embora o motor Mitsubishi V-6 não seja dos mais potentes, proporciona condução agradável. O bom acabamento e o espaço interno contribuem para uma ótima experiência ao volante. Requintes como bancos de couro com aquecimento — e regulagem elétrica para o motorista —, câmbio automático Autostick, cruise control e todos os outros recursos que um automóvel desse porte deve ter não fazem feio frente a alguns carros modernos.
E, espremendo um pouquinho, ele se acomoda bem na minha vaga. Por enquanto, uma boa aquisição.
Para interagir com outros proprietários e ter mais facilidade de acesso a eventuais componentes que venha a precisar (alguns detalhes de acabamento, como duas letras nas portas, já compradas, mas ainda não aplicadas), acabei entrando nas comunidades digitais voltadas ao modelo. E comecei a pesquisar um pouco mais sobre ele, agora na condição de interessado direto.
Se carro antigo é uma máquina do tempo, o Stratus involuntariamente acabou me fazendo recuar mais do que se poderia imaginar. Fabricado em 1997, meu automóvel sem querer me transportou para aqueles sinistros eventos do final dos anos 70 e início dos 80. Minha experiência nas mídias sociais e as pesquisas me levaram a um cenário de terra arrasada.
Enquanto procurava um ambiente de interação com os outros admiradores do modelo para trocar informações e experiências prazerosas com o carro, acabei me deparando com um repetido processo de desmanche e dizimação da frota brasileira de Stratus.
Mais ou menos como acontecia nos anos 70 e 80 com os Dodges V-8 nacionais, hoje o Stratus é um automóvel totalmente desvalorizado. Percebo que mesmo em casos de danos menores, muitos optam por desmanchar os carros e vender as peças. Tenho visto modelos em excelente estado rapidamente se tornando inviáveis para seus proprietários. A principal causa é o custo de manutenção altíssimo e a dificuldade de encontrar componentes de reposição.
Longe de querer elevar o Stratus ao mesmo status (o trocadilho não foi proposital…) dos clássicos Dodges nacionais, ainda assim me entristeço ao ver bons carros tendo seus destinos selados tão cedo. Quem já teve ou dirigiu um sabe que eles mereciam uma segunda chance. Minha mensagem com este texto é, afinal, em favor da preservação dos bons carros e motores que ainda estão por aí.
Como é bom de vez em quando acrescentar mais dois cilindros em nosso dia a dia. Talvez no futuro os Stratus, Taurus e outros que sobreviverem a essa fase de completo desinteresse se tornem também objetos de desejo. Quem gosta e tem a possibilidade de ter um, não deveria perder a oportunidade. Dá trabalho e alguma despesa. Mas bons, bonitos e baratos, eles estão ansiosos por um lar e um dono carinhoso.
Cláudio Milan
São Paulo, SP