A legislação que passou a valer em janeiro deste ano determina que todos os carros comercializados no Brasil com ano de fabricação 2020 em diante devem ser equipados com cintos de três pontos e apoios de cabeça para todos os passageiros e pelo menos um engate Isofix para cadeirinha infantil. Até dezembro de 2019, a exigência de cintos de três pontos e apoios de cabeça se restringia aos lugares laterais.
Para cumprir a nova determinação, a Volkswagen do Brasil deparou-se com um problema: o up!, projetado na Alemanha para quatro passageiros, só tem cintos de três pontos para os dois ocupantes do banco traseiro. Entretanto, o modelo produzido no Brasil foi homologado para cinco ocupantes. A fábrica instalou então um cinto subabdominal no lugar do meio do banco traseiro, já que o de três pontos só era obrigatório nas posições laterais, como era o que exigia a legislação vigente. Porém, engates Isofix e três apoios de cabeça no banco traseiro o up! sempre teve,
E agora, o que fazer?
Os custos para reformular o projeto para incluir o terceiro ponto de ancoragem do cinto de segurança e o seu mecanismo de retração são enormes. Problema que deve ter provocado discussão em São Bernardo do Campo, pois no up! possivelmente tal investimento não se justificasse Afinal, em seis anos foram vendidas 217.106 unidades, média de 36.200 por ano, mas as vendas vêm caindo, chegando a 11.600 unidades no ano passado, o que representa 966 por mês, e sem sinal de reação.
A conclusão da Volkswagen provavelmente foi não fazer esse investimento no up! em razão do baixo volume. Para não investir e continuar a produzir e vender, a solução mais viável seria reclassificar o up! como carro de quatro lugares. Afinal, não era novidade no modelo e o mercado já teve carros de quatro lugares, como o primeiro Ka, de 1996.
Simples: a Volkswagen foi ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), mudou a homologação do VW up! de cinco para quatro lugares e se esquivou da exigência de oferecer o terceiro cinto de três pontos.. E ainda economizou com a retirada do cinto subabdominal.
Consequências
Carro não ter cinco lugares é mau negócio no Brasil, a VW obviamente sabe disso muito bem. Sabe também que isso poderá fazer diminuir ainda mais a procura pelo subcompacto, apesar de sabidamente bem construído, seguro e eficiente, e veloz quando com o motor 170 TSI. Deve ter pensado que haverá quem, por desconhecimento ou desobediência civil, transporte três pessoas no banco traseiro, o que tem seu risco.
Muitos motoristas sequer perceberão a falta do terceiro cinto de segurança, muito menos notar a capacidade de passageiros no Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo. Finalmente, alguma concessionária vai correr o risco de perder vendas ao alertar o freguês para o problema? Aposto que não vai.
Além disso, tenho dúvidas se a fiscalização vai saber que o up! 2020 só pode transportar quatro pessoas. É óbvio que nenhum policial vai parar todos os VW up! para conferir se foi fabricado em 2020 e multá-lo caso esteja irregular, com excesso de lotação.
E mais: numa maquiavélica estratégia, inclusive navegando na onda da queda de vendas provocada pela pandemia, a fábrica vende até hoje unidades produzidas no ano passado. Uma concessionária, consultada, levantou a hipótese de a VW ter preparado um superestoque no final de 2019, suficiente para todo o primeiro semestre de 2020. E a fábrica já avisou que vai “pular” o ano-modelo 2020/2020, passando direto para a 20/21.
Em resumo, a legislação que pretendia exigir mais segurança para os passageiros do banco traseiro a partir de janeiro deste ano, poderá ter efeito contrário no caso do VW up! — que agora não conta sequer com o cinto subabdominal no meio do banco que existia no passado até ontem.
BF
(Atualizada em 14/06/20 às 12h50, correção de informação: a única modificação seria colocar pontos de ancoragem para o terceiro cinto de três pontos, já que o up!, sempre teve teve três apoios de cabeça e engates Isofix para duas cadeirinhas infantis/BF)
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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