Apesar do atraso de quatro meses para a abertura da temporada, até que valeu a pena esperar: o GP da Áustria mostrou uma F-1 com novatos se destacando, um número surpreendente de quebras e abandonos e várias dúvidas sobre o desempenho relativamente equilibrado de várias equipes. Os 4.318 metros de Spielberg são cobertos em pouco mais de um minuto, o que mitiga as diferenças entre um carro e outro, ainda que se possa admitir que a equipe Mercedes continua como régua para medir o desempenho dos rivais, o que se comprova pela atuação dominante do vencedor Valtteri Bottas (foto de abertura). No que toca aos pilotos, houve boas disputas e um polêmico acidente envolvendo o hexacampeão Lewis Hamilton e o novato Alex Albon. Tal qual ocorreu em Interlagos no ano passado, o anglo-tailandês levou a pior. Com disputas, acidentes, e surpresas, o balanço do que se viu na pista foi melhor do que o esperado.
Estáticos desde os testes de pré-temporada no início de março em Barcelona, os F-1 geração 2020 chegaram em Spielberg sem a poeira de tanto tempo parados e cobertos por muitas interrogações sobre o desempenho que apresentariam em dois dias de treinos e hora e meia de corrida. Alguns traziam mais que pintura nova (caso da Mercedes, agora identificada pelos flechas de carbono e não mais flechas de prata), outros a esperança de ter mais potência e resistência (como os propulsionados por motores Honda e Renault), enquanto alguns sofriam com uma defasagem decepcionante: os Alfa Romeo, Ferrari e Haas foram mais lentos que no ano passado, o que reforçou a tese que o motor 065 de Maranello tinha algo “estranho” em 2019.
Enquanto as demais equipes melhoraram, inclusive a Williams, a esquadra italiana viu seus carros andarem exatos 920 milésimos de segundo mais lentos se comparados os tempos de Charles Leclerc na classificação em 2019 (pole position, 1’3”003) e 2020 (7º, 1’3”923). Em termos de velocidade máxima, os carros de Maranello cruzavam a linha de chegada a 327,9 km/h em 2019 e 323,8 km/h em 2020. No final do setor 1 (veja localização no mapa acima) esses índices foram, respectivamente, 326,7 km/h e 328,0 km/h e no setor 2, 244,3 km/h e 243,5 km/h, na mesma ordem. Tais índices mostram que mais do que “chão” também falta “polenta”… Por tudo isso, o segundo lugar de Charles Leclerc foi uma boa combinação da determinação do monegasco com uma generosa dose de sorte.
Outro fato importante foi a disputa entre Lewis Hamilton e Alex Albon. Se o boxe da Mercedes avisava aos seus pilotos para evitar zebras e tomar cuidado com o superaquecimento da caixa de câmbio, na volta 51 o da Red Bull devolveu o anglo-tailandês à pista com pneus macios usados. Essa vantagem incontestável em comparação com Hamilton e Bottas, que na mesma volta receberam um jogo novo de composto duro, dava boas chances a Albon. Ocorre que um hexacampeão ser ultrapassado por fora por qualquer piloto, fosse como ocorreu na curva 4 (localize no mapa acima pelos números em azul) ou em qualquer outra, dificilmente seria uma manobra que terminaria sem vítimas.
O que se viu foi a repetição do incidente entre ambos em Interlagos 2019. Nas fotos acima e abaixo é possível comparar as posições dos dois carros em ângulos diferentes. Não tardou muito e os comissários desportivos penalizaram Hamilton com cinco segundos no tempo total de prova e dois pontos em sua carteira, que agora tem sete.
O incidente/acidente serviu para jogar mais gasolina na fogueira que começou a arder no arraial de Toto Wolff e Christian Horner. O primeiro não se conformou com a pressão que o segundo fez sobre os comissários desportivos na manhã de domingo e que relegou Hamilton do segundo lugar no grid para quinto e já sinalizou que vai dar o troco. As diferenças entre ambos não terminam na pista: Wolff volta e meia é citado com interesses diretos e indiretos na Aston Martin e na Racing Point, que no ano que vem assume a condição de equipe oficial da marca inglesa. Detalhe: há anos a fábrica de esportivos premium é parceira da Red Bull comandada por Horner e as duas empresas chegaram a desenvolver um superesportivo projetado por Adrian Newey, casamento interrompido na sequência do acordo entre a Racing Point e a Aston Martin.
Enquanto os dois chefes de equipe mais poderosos da F-1 atual se digladiam e a Ferrari desce a ladeira, equipes há anos relegadas à condição de coadjuvantes mostravam melhoras. Destaque maior para McLaren, que viu Lando Norris surpreender na classificação (com a punição de Hamilton largou em terceiro) e na corrida conseguiu receber a bandeirada menos de cinco segundos depois de Hamilton. Pelo rádio seu engenheiro deu a deixa para garantir o terceiro lugar. “Pressione o botão de ultrapassagem por cinco segundos na saída da curva 8. Na curva 9 faça a mesma coisa”. Deu certo: Lando completou a volta em 1’7”475 e garantiu 198/1000 de vantagem sobre Lewis que, certamente, não teve o fim de semana que esperava quando largou em busca de mais uma vitória e voltou para casa com um quarto lugar e o orgulho arranhado.
Bem menos feliz foi o fim de semana da equipe Haas. Além de sofrer com a potência reduzida do motor Ferrari 065 de especificação 2020, os carros da equipe americana voltaram a ter problemas de freio. Os discos de carbono devem funcionar em uma faixa de temperatura específica: quando frios praticamente não freiam, superaquecidos perdem massa e eficiência. Sem refrigeração adequada para esse equipamento os carros de Roman Grosjean e Kevin Magnussen acabaram abandonando a prova, o que provocou um triste revival da temporada passada, quando esse problema colocou muitas pedras no caminho do time de Gene Haas. “Nossos pilotos acreditam que nosso carro é competitivo, mas tivemos problemas de freio em ambos e precisamos trabalhar duto para sanar corrigir isso. E é o que faremos.”
O resultado completo do GP da Áustria e as posições no campeonato de pilotos e construtores você encontra aqui.
Siga-nos no Instagram.
WG
A coluna “Conversa de pista” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.