Meu Civic “Samurai” 2002 já está com o motor 1,7 novo praticamente amaciado (75 x 94,4, 1.668 cm³, 130 cv), chegando perto dos 5.000 km rodados. Enquanto roda, vou também avançando na fase de recuperar pequenos detalhes e eliminar ruídos, principalmente internos. Essa fase, roubando o chavão dos coleguinhas jornalistas de TV sobre o Carnaval, “não tem hora para acabar”. Com o Departamento de Gambiarra em alerta máximo, você vai alinhando pedais de freio e acelerador, tirando ruídos da forração interna, alinhando detalhes de painel e console… São dezenas de pequenas tarefas, típico “serviço de preso”, quando ser gasta mais tempo e imaginação do que dinheiro.
Quem chegou agora nesta saga do meu novo-velho Honda Civic 2002, o “Samurai”, pode ler os primeiros capítulos: Parte 1, Parte 2 e Parte 3
Claro, é preciso gostar e ter uma garagem com centenas de cacarecos, como parafusos, suportes, borrachas, plásticos, colas de diversos tipos, tire-up (“enforca-gato), espuma, fita dupla-face e por aí vai. Uma grande ajuda vem de tiras de borrachas autocolantes encontradas em lojas especializadas, que eliminam atritos entre peças plásticas.
Quem gosta deste tipo de artesanato, se não dedicasse os finais de semana nessa atividade, certamente estaria vendendo pulseiras e colares em alguma feirinha hippie.
Um exemplo: de cerca de uma dezena de pinos que fixam a forração do porta-malas, mais da metade estava desaparecido. Minha teoria é de que, se você pesar um carro com 10 anos de uso, ele terá uns 10/15 kg a menos só de peças perdidas. E para evitar isso, basta cortar o fundo de garrafas Pet para colocar porcas e parafusos, além de pequenas peças, na hora da desmontagem de algum componente, e ter tudo a mão para uma remontagem decente. Vão desmontando tudo e jogando peças no chão que, chutadas, simplesmente desaparecem.
No Civic, uma das fontes de ruídos internos era o porta-objetos abaixo do vidro traseiro (ex-porta-chapéu ou chapekeira) que insistia em vibrar em acelerações. Várias borrachas colocadas entre o plástico e a carroceria resolveram a parada.
Uma mania pessoal também foi acrescentada ao Civic, que ganhou forrações de carpete nos porta-copos do console (fixadas por fita dupla-face), para evitar o “samba das moedas” para o pedágio.
Claro, nem todos são “chatos assumidos” como é o meu caso — ou não tem os recursos ou paciência para esse tipo de tarefa — e por isso já existem empresas especializadas em eliminar ruídos internos, pelo menos em grandes cidades. Mas, é um serviço caro e demorado, já que é artesanal e personalizado.
Enquanto eu aperfeiçoava minhas habilidades de pentelho nos ruídos do Civic, um único problema mecânico persistia: o liquido do radiador ia para o reservatório de expansão e não voltava para o radiador quando resfriava. Ou seja, a água sumia.
Além de checar vazamentos, já tinha trocado a tampa do radiador duas vezes (ela é responsável por comandar essa circulação de água entre o radiador e o reservatório não pressurizado). Também substituímos o sensor de temperatura que comanda a segunda ventoinha do radiador, que só era acionada com o condicionador de ar ligado. Ela deveria funcionar também para abaixar a temperatura sem o ar condicionado ligado. Melhorou um pouco, mas a água continuava sumindo, exigindo que o nível fosse completado também no radiador, enquanto o reservatório jogava liquido para fora pela tampa.
Muitos leitores e amigos condenavam a tampa do radiador paralela: “só a tampa original funciona bem”. Não se trata de poder ou não pagar o preço. É duro aceitar ser roubado. Enquanto uma tampa paralela custa cerca de R$ 30, pela original se paga R$ 150. Cinco vezes mais!!! Xinguem por mim já que o Bob não gosta de palavrões nas matérias.
Claro que o fabricante tem mais trabalho de estocagem, controle de qualidade e distribuição para os revendedores, além da peça original geralmente ser melhor e ter maior durabilidade. Mas, acredito que o dobro do preço da peça paralela já seria o justo.
Mesmo assim, resolvi guardar minha teimosia e seguir o conselho de colocar a tampa original. Afinal, além de ser importada do Japão, a tampa deve passar pelo Himalaia para ser abençoada por grandes mestres para custar R$ 150.
Com a tampa original nova na mão, fiz um breve discurso para o Civic criar vergonha e parar de incomodar. Adiantou? Nada. Mesmo com a tampa original, a água não voltava para o radiador.
Voltei a convocar o Renato, meu mecânico de Tatuí, pedindo uma Junta Médica. Tudo que sabíamos já tinha colocado em pratica e não achávamos a solução. Afinal, o Civic já estava cruzando a rodovia Castello Branco a 120/130 km/h e, por falta de liquido refrigerante, qualquer hora ia “dar fezes”. Perder o motor (ou pelo menos empenar o cabeçote) por superaquecimento.
Veio o Kota (outro bom mecânico de Tatuí que tem uns 10 clientes com Civic iguais ao meu) e também um especialista em radiadores, além de mim e o Renato. Esse especialista em radiadores já tinha visto o Civic e não tinha achado nada de errado, apenas trocou o tubo que liga o radiador ao reservatório. Desta vez, veio “armado” e trouxe uma caixa plástica superior do radiador para comparação.
Bastou um paquímetro e em cinco minutos o mistério foi resolvido. Comparando as medidas da caixa nova e a do radiador do meu Civic, constatamos que minha estava deformada. Provavelmente o carro sofreu um superaquecimento e caixa plástica se deformou com a temperatura elevada. A válvula da tampa (na parte central) não assentava corretamente na base da caixa do radiador. Solução: trocar a caixa superior, outro “trabalho de preso”, já que para tirar o radiador tem de desmontar metade da frente do Civic.
“Aproveita e troca também o reservatório de expansão”, falei. “Não precisa, está boa e é original”, respondeu o mecânico.
Mesmo assim, mandei trocar. Afinal, o que é uma flatulência para quem já está todo borrado. Já tinha gasto uma nota para resolver a parada, sem sucesso.
Gente, é para a igreja aplaudir de pé: RESOLVEEEEU!!!!!!
Finalmente o Samurai criou vergonha e o radiador está trocando água direitinho com o reservatório do radiador.
Estou feliz? Médio. Cada vez que olho aquela tampa original que me chama de trouxa, acho que deveria ter seguido minha primeira intuição. Que era de tirar a válvula da tampa do radiador e colocar um reservatório pressurizado, usando aquele redondinho do Gol. Uma bela gambiarra (conhecida com “kit verão”) que teria resolvido a encrenca meses atrás, sem a necessidade de trocar a caixa do radiador ou tampas. E teria custado uns R$ 150 (o preço da tampa do radiador original), além de aumentar o liquido circulante, melhorando o arrefecimento. Além de corrigir o que considero uma pobreza de projeto da Honda (e outras marcas japonesas), de usar um reservatório não pressurizado, uma teimosia japonesa que dura décadas. Funciona bem até uns cinco anos de uso. Do que me lembro, esse sistema apareceu aqui com o Ford Corcel, com aquele reservatório de vidro que parecia um pote de bolachas (ou biscoitos, para os cariocas).
Não sei não, mas ainda acho que vou fazer essa gambiarra, só para evitar a raiva quando olho para a “tampa sagrada” que me chama de trouxa.
“É, mas agora está tudo original”, dirão os mais puristas. Gente, estou defecando e andando para isso. O que importa é funcionar bem. E gambiarra é uma arte que merece ser preservada e está sendo esquecida pela geração 2000.
JS