A lengalenga é sempre a mesma: o dono leva o carro à concessionária e procura o “consultor técnico” (nova denominação de recepcionista) para a revisão obrigatória, tanto do ponto de vista técnico, quanto condição essencial para que a garantia tenha validade.
O consultor consulta a papelada e passa o orçamento: “Vai ficar em R$ 950,00”. O dono protesta e aponta para um cartaz bem ali na parede informando que aquela revisão é tabelada em R$ 350,00. “Por que quase o triplo?”, pergunta.
Hora das “explicações” na ponta da língua: o valor anunciado é da revisão “standard”, sem outros serviços importantes a serem também realizados. Ou seja, é como se a fabricante fosse incompetente, irresponsável ou ambos! Os mais frequentes:
- Troca do rolamento do tensor da correia dentada – Na quilometragem recomendada no manual, só consta a troca da correia, preventivamente. Em alguns raros casos (Renault, por exemplo) também o rolamento. Argumento do consultor: “Já que o conjunto foi desmontado, vamos trocar também o tensor/rolamento para evitar abrir tudo de novo daqui a dois meses, o que lhe custará”….E o rolamento — ainda em ótimas condições — vai para o “lixo”…(será?)
- Limpeza da sonda lambda. Situada no escapamento, analisa os gases queimados e informa à central eletrônica de gerenciamento do motor se a mistura ar-combustível está incorreta, para que esta faça a correção. No caso específico de carro flex, pela leitura dos gases queimados, qual o combustível no tanque, se gasolina, álcool ou uma mistura. Só que inexiste limpeza de sonda lambda, ela não “se suja”, tampouco se carboniza..
- Descarbonização do motor – Apesar de ter sido sempre abastecido com álcool (baixíssimo teor de carbono) e o motor estar limpo, o consultor “percebe” (sabe-se lá como…) a necessidade deste serviço. Mesmo nos carros a gasolina ou flex só abastecido permanentemente com este combustível, só se começa a pensar em descarbonização a partir de150.000 km.
- Balanceamento – O alinhamento de rodas é realmente recomendado em determinada quilometragem, mas nunca intervalo inferior a 20.000 km, ou se o dono do carro perceber comportamento errático da direção como o carro tender a ir por si só para um dos lados da via (“puxar”), começar a cantar pneus nas curvas em velocidades moderadas ou se ele apresentar instabilidade direcional. O fato é que alinhamento de rodas nada tem a ver com seu balanceamento. Este só é necessário se o motorista perceber uma trepidação rítmica no volante, em geral na faixa 90~110 km/h, ou no carro com um todo.
- Lubrificação – Nada mais se lubrifica no automóvel moderno. Nem mesmo a suspensão, que exigia este serviço no passado distante, coisa de 1970 para baixo, exceto em Fusca e Kombi.. Talvez as dobradiças ou as linguetas limitadoras de abertura das portas, se estiverem eventualmente rangendo (raro), em que basta o borrifo de um líquido desenferrujante/lubrificante ou umas gotas de óleo penetrante. Ou coisa semelhante. Mas, recentemente, tentativa de extorsão sofrida pela dona de um Honda levado para a revisão foi a insistência de se lubrificar “as porcas das rodas” … Pode? Aliás, além do óleo para lubrificá-las, o consultor deveria usar também o Óleo de Peroba para lustrar a cara de pau… Além de ser sua obrigação ou do gerente de pós-vendas saber que roscas não se lubrificam nunca por falsearem o aperto tornando-o excessivo, bem como podendo levar ao desaperto, cujas consequências são desnecessárias dizer.
- Na revisão é prevista a troca de óleo do motor. Entra então em cena a “empurroterapia”: um aditivo para “prolongar a vida do motor”. Pode ser até perigoso, pois o óleo já vem de fábrica com os aditivos necessários. Ora, se os “extras” não combinarem quimicamente com os originais, o motor pode até ser danificado.
- Limpeza do tanque – O carro pode rodar centenas de milhares de quilômetros e dezenas de anos sem exigir manutenção do tanque de combustível. Exceto na quase impossível situação de ter ficado estacionado por muitos anos com o tanque vazio.
- Trocar discos – A oficina observa a necessidade de trocar as pastilhas de freio, que é normal. Mas – atenção! — vem também a recomendação da desnecessária troca dos discos, que não é automática, como alegam: só se estiverem danificados, riscados, empenados e impossível retificá-los por já terem atingido a espessura mínima especificada.
- Limpeza do sistema de injeção – Só se limpa o que está sujo. E que se percebe pelo funcionamento irregular do motor. Mas o consultor já sapeca na ordem de serviço “limpeza de bicos injetores (ou válvulas de injeção)’, ou do corpo da borboleta sem que o dono tenha reclamado nenhum problema de marcha-lenta, tossir, engasgar, perder desempenho, aumentar consumo …
- Os consultores das concessionárias que exercem a empurroterapia se armam de uma inexplicável sabedoria para sustentar seus insustentáveis argumentos. Contam com a ignorância técnica do freguês e a inexorável — e falsa — alegação de que, se o serviço não for autorizado, o carro perde a garantia. Poucos sabem que o “consultor” tem função dupla: a técnica e a comercial, pois é comissionado para impingir os “extras” aos fregueses.
Tanto a empurroterapia se disseminou que as fábricas, preocupadas, divulgam os preços das revisões obrigatórias. Inutilmente, pois não conseguem conter a “criatividade” de algumas concessionárias sedentas por maior faturamento, ainda que ignorando os mais elementares princípios de honestidade.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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