Esta matéria foi escrita por Hugo Bueno, que depois de tantas outras importantes e bem recebidas por todos, dispensa apresentação. Mas quem por acaso não o conhece, o amigo Hugo Bueno é reconhecido no meio antigomobilista dedicado ao Volkswagen como um competente “detetive” de assuntos da marca — cuidadoso, observador e detalhista por excelência. Agora é a vez de ele mergulhar na história do VW 1600 TL — em três partes, esta é a primeira —, dando continuidade a esta inestimável parceria.
AG
OS 50 ANOS DO VW 1600 TL – “O CARRO QUE VOCÊ NÃO ESPERAVA” – Parte 1
Por Hugo Bueno – Edição de Alexander Gromow
Em 3 de agosto de 1970, ou seja, há 50 anos, eram apresentados aos concessionários Volkswagen os novos integrantes da sua linha para 1971: VW 1600 TL (Touring Luxo), VW 1500 (Fuscão) e Karmann-Ghia TC (Touring Coupé). Nesta matéria vou me restringir à história do VW 1600 TL, terceiro e último integrante da família que estreou com o lançamento do VW 1600 quatro-portas em novembro de 1968 e da perua Variant, em dezembro de 1969. A intenção central é o leitor poder tirar suas próprias conclusões sobre o modelo e a estratégia adotada pela Volkswagen do Brasil ao longo do seu ciclo de vida.
No início da década de 1960 estreava na Alemanha o Volkswagen Tipo 3, modelos mais sofisticados, mas que mantinham a configuração mecânica similar à do Fusca, com o objetivo de atender a um nicho mais exigente do mercado. Em 1961, a Volkswagen alemã apresentou o VW 1500, um sedã duas-portas, posteriormente conhecido como Notchback (três volumes) no mercado americano. A partir do sedã, foram desenvolvidos o conversível (que não saiu do estágio de protótipo) e a perua Variant, conhecida como Squareback naquele mercado, em função de sua traseira de aparência quadrada.
Somente em meados de 1965, já como modelo 1966, o último integrante da família Tipo 3 foi apresentado ao mercado dos EUA. Era o VW 1600 TL, um cupê de duas portas, que como seus irmãos naquele mercado recebeu outro nome, Fastback. em função do desenho caído de sua traseira, o qual lhe conferia um certo “ar esportivo”.
Em setembro de 1965, o jornal O Globo, por meio de uma pequena nota, anunciava o lançamento do modelo na Alemanha.
Mais tarde, a mesma estratégia, o lançamento de uma nova família abrangendo vários modelos seria utilizada pela Volkswagen do Brasil. Como o mercado nacional não demandava o mesmo nível de sofisticação que os mercados europeu e americano, a matriz alemã enviou para desenvolvimento no Brasil o protótipo EA 97, que deu origem ao nosso VW 1600 quatro-portas, apresentado no VI Salão do Automóvel em novembro de 1968.
Em junho de 1969 a revista Autoesporte trazia uma matéria sobre as novidades que a Volkswagen preparava para apresentar ao mercado nacional. A importante presença do presidente mundial da marca, Kurt Lotz, em uma de suas fábricas aqui no Brasil, evidenciava o significado dos novos modelos para a empresa seguir como líder do mercado brasileiro.
Sua concorrente Ford também havia apresentado um novo modelo em 1968, o Corcel sedã quatro-portas, que daria origem a um cupê duas-portas, a um esportivo e a uma perua, todos devendo ser lançados em sequência.
Nessa visita, Lotz aprovou o lançamento do VW 1600-L quatro-portas (versão de luxo) e ordenou a aceleração do lançamento da perua Variant que se encontrava em fase final de testes e estrategicamente deveria ser lançada antes da Belina, perua do Ford Corcel. Na mesma matéria, já era citada a preparação de um novo modelo derivado do VW 1600 quatro-portas, o qual seria um VW 1600 cupê, duas portas. Era a semente do nosso TL.
O tempo passava rápido e a briga pelo mercado acirrava-se cada vez mais. O Ford Corcel cupê duas-portas, lançado pouco depois do sedã quatro-portas, ganhava mercado rapidamente até porque naquela época a preferência do mercado brasileiro era por carros de duas portas.
Em dezembro de 1969, a Variant chegava ao mercado trazendo um novo motor 1600 (1.585 cm³) de configuração plana, com a turbina axial montada diretamente no virabrequim e alimentado por dois carburadores, diferente do VW 1600 sedã quatro-portas que também utilizava também um motor de 1.585 cm3, porém de turbina de arrefecimento radial montada alta num pedestal, como no Fusca, e alimentado por um carburador somente. Com a nova configuração de motor houve um ganho de potência e de espaço interno, o que permitiu prover um porta-malas traseiro traseiro, exatamente como na Variant.
As especulações sobre o novo cupê 1600 aumentavam e os jornalistas da época tinham informações de que não era somente essa a novidade que a Volkswagen preparava para sua linha 1971. Um novo Fusca, mais potente, e um novo Karmann Ghia estavam em fase de desenvolvimento junto com o novo cupê.
Em maio de 1970, na coluna “De roda em roda” do jornal O Globo, o jornalista Paulo Menezes antecipava as novidades que tinham a previsão de lançamento para alguns meses à frente. Interessante seu comentário sobre o novo cupê da Volkswagen. Ele dizia que se o novo modelo tivesse o mesmo estilo Fastback com linhas retas laterais tais como seu primo alemão, corria sério risco de não agradar ao consumidor brasileiro em função, segundo ele, da estética da carroceria, opinião que inferiu a partir de conversas informais. Todos esses lançamentos eram produto de investimento por parte da matriz alemã na filial brasileira onde, segundo o presidente Kurt Lotz, “as coisas iam de vento em popa”.
Em junho de 1970 a revista Autoesporte trazia em sua coluna “A face oculta das fábricas” as primeiras fotos do novo cupê em fase de testes. Com o protótipo sujo e visto de traseira, a publicação dava uma descrição quase definitiva das características de estilo e mecânicas do novo modelo. Errou somente informando que o novo carro teria os mesmos faróis retangulares de seus irmãos VW 1600 quatro-portas e Variant.
Diferente da opinião do jornalista Paulo Menezes de O Globo, a coluna da Autoesporte destacou que o estilo Fastback do novo carro imprimia uma característica esportiva ao modelo, o que poderia abalar as vendas do recém-lançado Ford Corcel Cupê, já que o 1600 TL Tipo 3 importado em pequena escala da Alemanha agradou em cheio aos consumidores brasileiros.
Finalmente, antecipando o lançamento de sua linha 1971 para o dia 3 de agosto de 1970, a Volkswagen apresentou para sua rede de concessionárias os três novos modelos com os quais esperava consolidar sua posição de liderança de mercado. Apesar da apresentação muito antecipada dos modelos 1971 e do VII Salão do Automóvel previsto para ocorrer dali a alguns meses, onde os novos modelos seriam expostos, a orientação era de que as vendas começassem imediatamente. Mas com os três novos produtos estreando ao mesmo tempo, o impacto individual de cada novo modelo foi consequentemente menor. No caso do VW 1600 TL, a existência de outros membros da família arrefeceu um pouco mais a sensação de novidade.
Já em agosto de 1970, a revista Autoesporte apresentava a nova linha, detalhando as características principais de cada modelo, os novos e os que sofreram alguma alteração. Com o VW 1600 TL, chegou a nova frente de quatro faróis circulares que foi estendida ao VW 1600 quatro-portas e para a Variant que, neste caso, poderia ser considerada uma grande mudança para um modelo lançado há apenas oito meses. Essa característica de mudanças consideráveis em curtos períodos marcaria todos os modelos dessa família.
Não deixava de ser um modelo inédito, mas ser o terceiro integrante de uma família que já estava no mercado há mais de um ano, fez o TL perder um pouco a aura de novidade. Com seu conjunto mecânico já conhecido e com o interior no mesmo padrão de seus irmãos, tinha somente o formato da carroceria como algo relativamente novo.
A própria matéria da revista Autoesporte citou que com esse lançamento antecipado, o qual fugia de sua tradição, a Volkswagen pretendia intensificar suas vendas em um período considerado de baixa demanda, pois o mercado naturalmente esperava as novidades que seriam mostradas no VII Salão do Automóvel em novembro, inaugurando o novo parque de exposições do Anhembi. Imediatamente foi iniciada uma forte campanha publicitária, ressaltando sua carroceria Fastback e o luxo de seu acabamento, mas sempre com uma observação no rodapé: “Este carro é o mesmo que estará exposto no 7º salão do automóvel”:
Os próprios anúncios usavam os termos “super luxo” ou “luxo” quando se referiam ao seu acabamento. Mas se o padrão interno era o mesmo de seus irmãos mais velhos, que luxo seria esse?
Em meados de 1969, como estratégia de mercado, a Volkswagen lançou o VW 1600-L quatro portas (luxo), pois a concorrência com o Ford Corcel e com o Chevrolet Opala estava muito acirrada. Essa versão, que incorporava itens mais sofisticados do que a versão normal, foi tratada como série especial e não como um modelo normal de linha.
A Volkswagen aproveitou essa experiência e, com intenção de propiciar uma “personalização de fábrica”, ofereceu itens similares para o VW 1600 TL como opcionais de fábrica. A intenção de evidenciar a sofisticação do novo modelo começava pelas cores metálicas disponibilizadas para a carroceria. Verde Amazonas tal como o veículo utilizado nas primeiras propagandas, azul Atlas, vermelho e ouro eram tonalidades que denotavam refinamento quando combinados com diferentes tonalidades do revestimento interno: platin, preto, marrom ou havana.
Bancos de couro com os dianteiros reclináveis, forração de carpete de nylon tipo buclê, revestimento de carpete do porta-malas dianteiro, relógio, acendedor de cigarro e pneus de faixa branca, já haviam sido utilizados no VW 1600-L quatro-portas. Somados a esses itens, porta-pacotes para o porta-malas traseiro e console central com rádio e conta-giros eram novidades para o VW 1600 TL. Infelizmente, nos dias de hoje é muito difícil encontrar algum exemplar completo e que ainda guarde esses itens de luxo originais de fábrica.
As sucessivas aparições do VW 1600 TL nas revistas automobilísticas da época e as boas impressões causadas nas avaliações e testes, fortaleciam a imagem do novo modelo, até mesmo porque na opinião de alguns jornalistas o modelo nacional possuía linhas mais bonitas que as do modelo alemão.
Em novembro de 1970, no mês de abertura do VII Salão do Automóvel, a revista Autoesporte testou os “Volks 1600” e colocou lado a lado o novo VW 1600 TL e o já veterano VW 1600 quatro-portas ambos da mesma família, mas que passavam por momentos distintos, enquanto um chegava, o outro se despedia. Apesar de utilizarem motores de mesma cilindrada, 1.585 cm3, o mais novo utilizava o motor plano alimentado por dois carburadores e o veterano, motor de turbina alta alimentado por um único carburador. Esse teste comparativo mostrou o diferente comportamento dinâmico entre os dois modelos.
O ápice do sucesso chegou ao conhecimento do mercado através da edição de março de 1971 da revista Autoesporte, na qual, em matéria de capa, o VW 1600 TL havia sido eleito “O Carro do Ano” de 1970. O sucesso parecia evidente, pois sete meses após seu lançamento, alcançara o reconhecimento não só dos consumidores através das boas vendas, mas também da imprensa especializada.
Com o fim da produção do VW 1600 quatro-portas acelerada pelo incêndio na ala 13 da fábrica Anchieta em 18 dezembro de 1970, a Volkswagen ficou temporariamente sem um representante nesse nicho de mercado, o dos veículos de quatro portas, muito utilizados por taxistas e outros frotistas, meio onde o finado modelo tinha um bom desempenho. Certamente, a futura substituição por um modelo mais moderno já era uma estratégia definida pela fábrica e esse modelo viria a ser o VW 1600 TL de quatro portas.
Na Parte 2 será dada continuidade a esta história até chegar ao fim da saga do VW 1600 TL, um carro que certamente marcou época.
AG
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