Sabe quando nada dá certo naquela esquina? Padaria, posto, farmácia, nem sapataria. Dizem estar enterrada ali uma “caveira de burro”. Projetos da indústria automobilística também passam por este pesadelo: começam mal e vão assim até serem abortados. E representam centenas de milhões de dólares jogados no lixo.
Caso recente foi o projeto entre Mercedes-Benz e Aliança Renault-Nissan para desenvolvimento conjunto de uma picape para as três marcas. A plataforma básica é a da atual Nissan Frontier, com produção iniciada no México e depois também na Argentina. A Renault iria “de carona” no projeto, diferenciando-se da japonesa por detalhes na carroceria e emblemas.
A Daimler AG (Mercedes-Benz) foi além, modificando carroceria e chassi e aplicando um motor V-6 (258 cv) além do básico (190 cv) que equiparia as três. A cabine da Classe X estava mais para automóvel premium que picape. Da fábrica argentina da Nissan, em Córdoba, viriam também para nosso mercado as três picapes. Ela iniciou a produção da Frontier em 2018, e depois viriam as outras duas.
A Mercedes iniciou a fabricação da Classe X na fábrica da Nissan em Barcelona (Espanha) em 2017. Um fracasso de vendas na Europa, pois a mais barata (R$ 250 mil) era similar à própria Frontier. A mais luxuosa, com motor V-6 custava quase 40% mais (R$ 340 mil reais) por um veículo que não atrai europeus como os americanos. Em maio deste ano, antes de completar três anos de produção, o projeto foi totalmente abortado, incluindo a fábrica na Argentina, que não tinha sequer iniciado a fabricação. A empresa não revela quanto, mas certamente um desfalque no caixa de mais de bilhão de euros.
A Nissan Frontier? Vai bem, obrigado, mas a Renault Alaskan, sua irmã francesa, só está confirmada para o mercado argentino, com vinda incerta para o Brasil.
Caveira em Minas
Outra caveira de burro? Está enterrada em Juiz de Fora onde a Mercedes teve outro considerável revés ao erguer uma fábrica para produzir o compacto Classe A em 1999. Problemas cambiais em aeguida encareceram sua fabricação, inviabilizaram sua presença no mercado e teve sua produção encerrada em 2005. Em 2001, a ociosidade da linha foi preenchida com a montagem de automóveis Classe C, até 2010, para exportação. Na falta de outra solução, adaptou a fábrica para produzir caminhões até o ano passado quando desativou a linha e passou a fabricar cabines para sua linha de pesados. A fábrica de JF é um verdadeiro “elefante branco”…
Outra empresa que se deu mal por aqui foi a americana Chrysler. O primeiro capítulo foi na década de 50, quando a Brasmotor montou alguns de seus automóveis em regime de CKD. O segundo foi em 1967 com a compra da Simca do Brasil e durou até 1981 quando interrompeu a produção dos automóveis Dart e Polara. Ainda manteve um caminhão em linha até 1984.
O terceiro tropeção foi entre 1998 e 2002 quando (como DaimlerChrysler) produziu no Paraná a picape Dakota. Mas insistiu no erro e deu-se mal pela quarta vez, numa joint venture com a BMW: associaram-se para implantar a Tritec Motors em Campo Largo, no Paraná, fábrica para produzir motores para a alemã (Mini) e Dodge (PT Cruiser e Neon) entre 1997 e 2007, quando a BMW saiu da sociedade — impensável a fabricante bávara ficar sócia da arquirrival Daimler-Benz quando esta comprou a Chrysler em 1997. Em 2008 as instalações foram vendidas para a Fiat Automóveis.
Alfa no Brasil
Pode não ter sido caveira de burro, mas a italiana Alfa Romeo foi outra que deu com os burros n’água em solo brasileiro. Com os caminhões FNM e o automóvel FNM 2000 JK (depois FNM 2150) produzidos em Duque de Caxias (RJ). E com o Alfa 2300, que teve morte decretada em 1986, já na fábrica da Fiat (detentora da marca) em Betim, onde foram montadas suas últimas unidades.
Além de a produção não ter dado certo no Brasil, a Fiat errou a mão também na importação iniciada em 1990 e a marca, apesar de famosa, acabou sendo enterrada (ao lado da tal caveira?) para tristeza de sua legião de fanáticos.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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