Amigo leitor ou amiga leitora, essa história deveria ter como autor o Carlos Alberto de Nóbrega, porque foi ele que me contou como o seu patrão — e amigo — Sílvio Santos usou o Volkswagen Santana (foto de abertura) como medida de pagamento durante os tempos de inflação galopante.
Para contar melhor essa história, vamos voltar no tempo. O Baú da Felicidade era um carnê que o cliente pagava e, ao final da quitação, trocava por produtos e utilidades domésticas nas lojas da rede de nome BF Utilidades para o Lar. Enquanto pagava o talão, havia a possibilidade de ser sorteado para participar do “Programa Sílvio Santos”, enfim, as pessoas compravam muito mais pela chance de ir à TV e voltar de lá com vários prêmios do que pelos produtos da loja em si.
A técnica de venda era do tipo “porta em porta”, vendedores percorriam as ruas de um determinado bairro, tocando as campainhas e oferecendo os carnês do Baú da Felicidade. Esses vendedores eram levados em peruas Kombi, assim cada veículo levava, em média, oito funcionários — ou nove caso o motorista também fosse vendedor — para cada bairro.
Quando as Kombis precisavam de manutenção entravam na fila de serviço das concessionárias Volkswagen, assim a empresa perdia preciosos dias de venda. A fim de acabar com isso, Sílvio Santos resolveu ser a hora de ter sua própria concessionária e, assim, adquiriu a Vila Maria Veículos, mais conhecida pelo seu acrônimo Vimave. Essa empresa passou a ser peça importante para o Grupo Sílvio Santos, fornecendo veículos para as demais empresas do grupo.
A partir desse momento, quando algum diretor precisava de um veículo e algum automóvel era necessário, as aquisições passaram a ser feitas na Vimave, que, inclusive, vendia boa parte dos carros sorteados aos domingos, no “Programa Sílvio Santos”. Até mesmo os carros da família Abravanel (família de Sílvio Santos) eram comprados em sua própria concessionária.
Em 1981, com a Volkswagen transformando a Chrysler do Brasil em Volkswagen Caminhões, os veículos da linha Dodge que ainda estavam em estoque passaram a ser oferecidos, também, em alguns concessionários Volkswagen. Assim, Leon Abravanel, cujo nome artístico era Leo Santos, irmão de Sílvio Santos, conseguiu um Dodge Le Baron, adquirido nome da BF Utilidades para o Lar. O carro ainda existe, mas cabe numa outra matéria.
Voltando ao nosso assunto, o VW Santana e o Sílvio Santos, agora precisamos pular para 1987. Nesse ano — após 11 anos sem falar com o Sílvio — o humorista Carlos Alberto de Nóbrega foi contratado pela TVS (antigo nome do SBT), lá ele teria duas missões: ser líder do programa “A Praça é Nossa” e diretor artístico da emissora de televisão. Nessa função administrativa caberia a ele contratar os artistas, negociar os salários e seus respectivos contratos. Eram tempos difíceis para equalizar valores, a emissora era pequena e a inflação era muito grande.
Nesse momento, Sílvio Santos já era um dos homens mais ricos do Brasil, mas optou por viver de salário (claro o melhor cachê artístico do país) pago pelo Baú da Felicidade. O lucro das empresas era usado para comprar mais empresas, com isso o Grupo Sílvio Santos estava entre as empresas de capital fechado e nacional figurando entre as que melhor se mantinham, apesar da economia do país ser mais favorável às instituições bancárias e multinacionais. Ainda assim, essa situação do apresentador-empresário ter muito dinheiro numa nação pobre fez com que ele perdesse noção do dinheiro, fazendo em alguns momentos investimentos descabidos, enquanto que em outros poupava em demasia pelo simples fato de ter perdido a noção da velocidade da inflação.
Carlos Alberto tinha uma preocupação: ele queria ser justo com a empresa e com os artistas, respeitando o momento artístico de cada um e pagando o necessário, mas ao mesmo tempo pagar o que estivesse dentro do orçamento que caberia à emissora de TV. Ele levou essa preocupação ao Sílvio Santos e a resposta veio de uma maneira genial: “O Sílvio resolve tudo de maneira muito simples, ele não é um homem de perder muito tempo numa só conversa, mas eu precisava ter noção de como investir o dinheiro dele com os artistas, assim ele deu a melhor resposta que poderia haver” – essas são as palavras do Carlos Alberto de Nóbrega, que continua: “O Sílvio tinha acabado de comprar um Santana para a Íris (esposa do Sílvio) e então ele achou que usar o carro como parâmetro seria uma boa alternativa, dessa maneira os salários dos artistas passaram a ser regulados por Santana”.
Pronto, assim chegaram à uma equação boa, olhar o valor do VW Santana na concessionária e usar esse valor para como fator de conversão, daí transformava-se o valor em dólar — uma moeda mais estável — e redigia-se o contrato. Ao contratar o Jô Soares, por exemplo, chegaram à conclusão de que ele merecia ganhar “quatro Santanas” por mês, o Golias merecia igualmente “quatro Santanas”; outros artistas recebiam “dois Santanas”, “meio Santana”, “um quarto de Santana”.
Pois é amigo leitor ou amiga leitora, o Volkswagen Santana pode não ter sido o carro de uso pessoal e particular do Sílvio Santos, mas que foi uma importante maneira dele gerir sua empresa com criatividade, ah, isso foi.
PT