A eletrônica chegou devagarinho no automóvel. Começou com algumas utilidades perceptíveis como o controlador automático de velocidade (cruise control), limpador de para-brisa intermitente e outros comandos. Daí foi assumindo o gerenciamento de componentes mecânicos como motor, câmbio, suspensão e freios. Hoje, dificilmente se anuncia uma notável evolução mecânica no automóvel, pois as novidades estão quase todas concentradas nos dispositivos eletrônicos. O próprio álcool, problemático assim que começou seu uso no início dos anos 1980, melhorou depois, mas só se consagrou com a chegada dos motores flex a partir de 2003, viabilizados graças exclusivamente à… eletrônica.
A computadorização do carro tornou-o mais seguro, econômico, confortável, limpo ambientalmente, eficiente e conectado. E também mais confiável, pois não para mais na estrada por um distribuidor desregulado ou carburador entupido, ambos no museu, tornados obsoletos pelo gerenciamento eletrônico.
Entretanto, a indústria automobilística está atravessando uma complicada fase transitória. A eletrônica vem assumindo também funções do próprio motorista ao dispor de diversos sistemas que antecedem o carro autônomo.
Antes de eliminar volante e pedais, o carro já estaciona quase sozinho. Procura uma vaga e volta até onde o motorista o deixou. Interfere nos freios e estanca o carro quando percebe um obstáculo à frente e que o motorista não vai reagir, para evitar a batida frontal. Tem sistema de proteção 360º para evitar esbarradas ou batidas acidentais na frente, laterais e traseira.
Por comando de voz, liga, desliga ou regula o ar-condicionado. Estabelece um roteiro para chegar a um endereço. Sintoniza estação de rádio ou fonte de música. Regula bancos, volante e retrovisores. Pode ser programado para abrir vidros e acender faróis quando chega na portaria do prédio…
O motorista pode também registrar seu perfil: o carro o reconhece quando se aproxima e faz automaticamente todos os ajustes previamente determinados. Pode também, pelo celular, ligar motor e ar-condicionado remotamente. Permite inclusive comprar potência adicional pelo celular (ou computador): a concessionária interfere na central eletrônica e reajusta o mapeamento (chip) para ampliar o haras sob o capô.
Por conexão de internet com uma central de apoio, pode-se pedir socorro, reservar hotel, restaurante ou teatro, e outras mordomias mais. Aliás, o socorro vai mesmo que o motorista não esteja em condição de solicitá-lo.
Mas eu passei uns apertos recentemente. Dirigia um destes carros semiautônomos e, rodando pela faixa da esquerda da rua, vi uma criança descendo do passeio com uma patinete, à minha esquerda, alguns metros à frente. Minha reação imediata foi desviar para a direita, mas o carro quase invadiu a faixa ao lado. Entrou então em ação o sistema que evita mudança de faixa sem ligar a seta, me tomou o volante e jogou o carro de volta para a esquerda. Eu reagi rapidamente e tornei a forçar o carro para a direita, evitando um quase acidente.
Outro carro de teste, também do tipo premium, complicou minha vida ao estacioná-lo na garagem: o sistema de proteção 360º impedia a marcha à ré, pois suas laterais ficariam muito próximas das colunas ao lado da vaga. Quanto mais eu tentava, mais ele freava para evitar a “esbarrada” lateral. Tive que parar, ligar os sistemas de controle no painel central e desativar a tal da proteção para estacionar o carro.
Um carro premium de alto nível tem dezenas de sistemas de proteção, controle, sinalização, comunicação, ajuste e reparo remotos e vários outros que exigem razoável dedicação até o dono se familiarizar com toda a parafernália. Mas a verdade é que são poucos os que vão além dos dispositivos essenciais. E muitas vezes só os acionam para exibir as maravilhas para a família, parentes e vizinhos.
Toda essa complexidade incorporada ao automóvel só terá sentido quando for completamente autônomo e apenas exigir do motorista meia dúzia de comandos de voz, do tipo “me leve ao escritório e volte para pegar minha esposa”.
Enquanto estiver nesse nem cá, nem lá, eu continuo apaixonado pelo meu V-6 alemão, tração nas quatro e câmbio DSG. Meio ultrapassado, zero parafernália, mas que oferece conforto, segurança e desempenho mais que razoáveis…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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