Acostumada a ser o padrão de negócios do automobilismo mundial e ditar calendários e regulamentos mundo afora, a F-1 (foto de abertura) vive um momento raro: sem as datas definidas para possíveis 23 corridas de 2021 (*veja adendo ao pé da coluna) já se comenta até um possível adiamento para 2023 na adoção os pneus de aro 18″. Não bastasse isso, o cenário também é afetado pela mudança de comando no gerenciamento da categoria, algo que pode trazer benefícios diretos ao Brasil, por enquanto fora do calendário do ano que vem.
O número cada vez maior de pessoal e volume de carga envolvidos para a realização de um GP demanda cronograma e detalhamento logístico de grandes proporções e que em certos casos abrange mais de uma cidade. Eventos em Spa e Mônaco, por exemplo, chegam a impactar nas cidades vizinhas e até mesmo nos países limítrofes. A corrida de Monte Carlo explora a hotelaria da França e da Itália. Ainda que a atual pandemia tenha afetado o fluxo de turistas e espectadores potenciais, a menor oferta de voos e as restrições impostas pelo distanciamento social anulam eventuais excessos na oferta de hotéis, restaurantes e todos os serviços que o circo da categoria demanda a cada etapa. Garantir que essa caravana tenha onde ficar, comer e como se locomover exige planejamento tão intenso quanto complexo.
Faltando quatro etapas para o término da temporada — a primeira delas domingo, na Turquia — e com Chase Carey prestes a deixar o cargo de presidente da empresa Formula 1, a categoria navega em mares agitados. Se Carey conseguiu realizar uma temporada que seus detratores davam como perdida e, de quebra, negociou com sucesso a renovação o acordo de Concórdia (documento reconhecido pelas equipes participantes para regulamentar direitos e deveres das partes envolvidas), igualmente é notório que sua caça às bruxas herdadas da era Ecclestone também marcaram seu mandato. Seu sucessor a partir de 1º de janeiro será Stefano Domenicali, nome mais afeito aos vícios e virtudes desse mundo. O italiano agrega experiência tanto como líder esportivo (herança dos seus tempos na Ferrari) e comercial (há anos comanda a marca Lamborghini, parte do grupo VW).
Tal currículo permite esperar que as negociações entre a F-1 e seus principais personagens aconteça de maneira diferente, possivelmente favorecendo a presença do Brasil no calendário. Sabe-se que a não renovação do contrato entre a Liberty e a TV Globo já é pintada com cores sem tons de decisão irredutível e que um novo modelo de negócios estaria sendo estudado; as TVs Cultura e SBT também são consideradas como possíveis canais de divulgação no País. O poderio técnico e comercial da empresa da família Marinho, porém, faz muita diferença nesse processo.
No plano mais amplo o recrudescimento da pandemia do novo coronavírus na Europa implica na definição do calendário e na negociação com os promotores locais: sem a garantia de que as arquibancadas poderão ser ocupadas, os valores cobrados pela F-1 tendem a cair, o que implica diretamente na monetização dos direitos de transmissão. Este ano vários promotores europeus negociaram extensões de um ou dois anos nos contratos atuais graças à pandemia, caso da Espanha e da Hungria. Outros países simplesmente cancelaram: Canadá, China, França, Países Baixos, Vietnã e, obviamente, a Austrália, que deveria abrir a temporada. Outros países, como a Turquia e Portugal foram resgatados para contornar os problemas de deslocamentos para fora da Europa e garantir um calendário mais graúdo.
O aumento para 23 corridas em 2021 e o severo protocolo sanitário adotado pela F-1 geram a necessidade de aumentar o número de pessoas deslocados a cada prova, algo que vai contra a implementação do teto de gastos para a próxima temporada. Tanto quanto a necessidade de criar duas equipes de engenheiros, técnicos e mecânicos para evitar a exaustão de passar praticamente metade do ano fora de casa, a possibilidade de ter algum elemento barrado por contágio cria a necessidade de ter um banco de reservas a cada etapa, o que também aumenta os custos.
Com um calendário tão apertado, a Pirelli e os projetistas temem que o desenvolvimento dos pneus de aro 18”, previstos para uso em 2022, seja afetado, especialmente pela dificuldade de avaliar o modelo em pista molhada. Por se tratar de um item que determina parâmetros básicos da suspensão esse quadro é tratado com importância muito acima do normal: o projeto de um carro novo é iniciado cerca de 18 meses antes que entre na pista.
WG