Quando a Hyundai anunciou agora, na Coreia, um câmbio manual do tipo “no-clutch” (sem pedal de embreagem), eu me lembrei de um carro brasileiro de 60 anos atrás…
Essa e outras novidades do automóvel moderno estavam presentes nos antigos DKW, marca da Auto Union, formada em 1932 (era uma das quatro argolas) e que teve seu modelos DKW produzidos no Brasil pela Vemag S.A. Veículos e Máquinas Agrícolas sob sua licença, entre 1956 e 1967.
Aliás, o primeiro automóvel fabricado no Brasil foi o minúsculo Romi-Isetta, lançado em setembro de 1956, mas não foi enquadrado como tal e fazer jus aos incentivos fiscais para implantação da indústria automobilística brasileira por ter apenas uma porta frontal e só ter três lugares no banco inteiriço único. Dois meses depois era lançado o DKW-Vemag, a perua Universal, desenho F-91, que seria renomeada Vemaguet em 1961, já desenhoF-94, de maiores dimensões..
Apesar do motor 2-tempos inicialmente lubrificado por óleo misturado à gasolina a 2,5% (40 partes de gasolina para uma de óleo, inconcebível nos dias de hoje pela fumaça no escapamento na fase fria), o DKW incorporava uma série de soluções mecânicas pioneiras e que voltaram dezenas de anos mais tarde sustentadas pela sofisticação eletrônica que tomou conta do mundo.
Três cilindros – Nos últimos anos, por exemplo, solução para tornar os veículos mais eficientes é o motor tricilindro, a maior parte de 1 litro (há de 1,2 e 1,5 litro na Europa e aqui, Tracker e Fiesta/EcoSport, respectivamente). Raros os modelos subcompactos e compactos fabricados hoje no Brasil que não apresentam esta tecnologia. Exatamente como os motores da linha DKW-Vemag: três cilindros, 1 litro..
Saxomat – A transmissão “no-clutch” da Hyundai, ou seja, um câmbio manual com alavanca de marchas mas sem o pedal da embreagem era exatamente o sistema Saxomat do DKW. E também no Mercedes Classe A produzido em Juiz de Fora, (e no “Hydrac” dos Mercedes “Ponton”, carroceria três-volumes, da década de 1950), no Fiat Palio (Citymatic) e Chevrolet Corsa (Autoclutch). Aliás, em minha opinião, a melhor solução de comodidade para dirigir, pois mantém a alavanca mas suprime o pedal de embreagem.
“Dois em um” – Suprassumo da modernidade é o motor que tem arranque e alternador substituídos por um único componente, também chamado de “alternarranque” (Mercedes C 200 EQ Boost, foto de abertura). Cópia da solução de um DKW ainda mais antigo que o nosso, de 1932, chamado de Dynastart, contração de Dynamo e Starter, com o mesmo “dois em um”.
“Roda-livre” – Outra novidade em alguns carros de câmbio automático epicíclico ou de dupla-embreagem é a marcha em uso desengatar no primeiro caso ou a embreagem desacoplar no segundo — quando a descida tem até 2% de inclinação—, ficando motor em marcha-lenta, versão hodierna da “banguela”. Pois não é que o danado do DKW tinha solução semelhante, a “roda-livre”, função idêntica à catraca da corrente da bicicleta: parou de tracionar, cai em ponto-morto?
Outras antiguidades modernizadas…
Além das soluções antecipadas pelo DKW, outras “modernidades” já existiam há décadas, todas aplicando soluções mecânicas e elétricas, abandonadas e substituídas pela eletrônica. Softwares no lugar de relês e sensores sujeitos a frequentes panes que acabaram por aposentar todas essas traquibandas.
Flex – Lançado no Brasil em 2003 (nos EUA em 1991), já existia em 1908, ano de lançamento do Ford modelo T, que podia ser abastecido com álcool ou gasolina. Um dos comandos na coluna de direção (o “bigode” da esquerda) ajustava o ponto de ignição de acordo com o combustível. Um botão no painel (conjugado com o afogador) regulava a proporção ar-combustível para acertar a relação estequiométrica com um ou outro combustível….
Híbrido – Herr Ferdinand Porsche, quase 40 anos antes de projetar o Fusca, criou em 1900 um automóvel híbrido, o “Semper Vivus”. Tinha motor a combustão acionando gerador que fornecia corrente tanto para dois motores elétricos nos cubos das rodas, quanto para carregar a bateria.
Hill-Holder – No final da década de 1930 surgiu o sistema “freio de rampa” no carro americano Studebaker. Ao parar numa subida, se o motorista apertasse simultaneamente os pedais de embreagem e freio, ele poderia tirar o pé do segundo que o carro permanecia imóvel. Ao soltar a embreagem, um mecanismo liberava também o freio, evitando aqueles preocupantes metros em que o automóvel retorna de ré. Sem nenhuma sofisticação eletrônica, mas exatamente como o atual sistema de assistência em rampa.
Injeção direta – Apregoada como uma das mais modernas soluções para tornar o motor mais eficiente, a injeção direta foi solução do famoso Mercedes 300 SL “Asa de Gaivota” de 1954
Monobloco – Muito se fala em carroceria monobloco, que substituiu a construção separada, a carroceria aparafusada ao chassi, mas ela já existia em 1922 no Lancia Lambda. Foi quando nasceu o túnel do assoalho em virtude de a carroceria ter baixado bastante, pois tinha de haver lugar para a árvore de transmissão (cardã) passar;
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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