Hernán Saavedra Herrera já é conhecido em minha coluna, pois ele já participou com o causo “Meu Fuscão 1971 azul Pavão”. agora ele volta com outro causo que certamente vai emocionar muitos de vocês.
O VW Fusca de plástico
Por: Hernán Saavedra Herrera
“Já contei aqui a história do meu Fuscão 1971, o “Fusca de plástico”. Se vocês a leram, sabem que nasci na Bolívia e vim para o Brasil com seis anos de idade, após meu pai ter sido contratado para trabalhar na Petrobrás. Radicados em Santos, os primeiros anos foram dedicados a criar novas amizades, aprender o português, e viver como brasileiros.
Meu pai tinha um amigo boliviano, dos tempos de infância e adolescência, que vivia em São Paulo. Seu nome era Fernando, o “Nano”. De vez em quando subíamos a serra e íamos visitar o Nano e a família.
Uma observação: os bolivianos têm o costume de colocar apelidos nas crianças, que muitas vezes perduram até a vida adulta, e somos capazes de simplesmente esquecer o nome próprio das pessoas, chamando-os somente pelo apelido. Então, o Fernando era o Nano, e é assim que vou continuar a chamá-lo.
Esta história, bem diferente da primeira, é sobre outro Fusca de plástico. Mas não coloquemos o motor na frente do Fusca, e vamos contá-la seguindo a linha do tempo.
Como disse, de vez em quando íamos visitar o Nano e a família. Ele tinha três filhos, a mais velha da minha idade, os outros regulavam com a minha irmã, ano mais, ano menos.
O Nano morava numa mansão (pelo menos, aos meus olhos de criança, a casa era enorme), com garagem para dois ou três carros, e vários quartos. Sempre éramos convidados para ficar no fim de semana, então pernoitávamos durante a noite de sábado e voltávamos para Santos domingo à tarde.
Um dos carros na garagem era — claro! — um Fusca, que era o carro do Nano no dia a dia de trabalho, e para quebra-galho nos fins de semana.
Não lembro em que bairro de São Paulo ficava a casa dele, mas na ocasião em especial em que esta história aconteceu, ele me chamou e o meu pai para acompanhá-lo a fazer umas compras.
Embarcamos no Fusquinha, eu de joelhos no banco traseiro, segurando-me no banco do passageiro onde meu pai estava sentado, e fomos.
Na volta, tínhamos que passar por uma ladeira muito íngreme. Na nossa frente, um carro tentava subir e no meio da ladeira estancava, e tinha que descer de ré para tentar de novo. Tentou duas ou três vezes, e acabou cedendo a vez ao Nano, que pacientemente esperava lá embaixo.
O Nano colocou primeira, e acelerou de leve, mas firmemente. O Fusquinha subiu em primeira e foi devagar e sempre, até vencer completamente o percurso.
“Essa é a diferença da experiência”, ele disse. “Meu carro não tem nem a metade da potência desse outro, mas para quem está acostumado a andar em La Paz, e principalmente, para quem sabe usar seu carro, isto não é problema”. Eu fiquei fascinado, porque o Fusquinha era minúsculo perto do outro carro, provavelmente um americano. Minha memória não guardou registro dele.
Uma das coisas que o Nano havia comprado era uma caixa de uvas. Era uma caixa dessas que até hoje existem, de madeira, com uns cinco quilogramas de uvas vermelhas, que ele abriu e entregou para as crianças. Foi uma festa, principalmente para mim, que sempre gostei de uvas…
Resumindo: comi até não mais poder! E o resultado: dor de barriga e febre.
Chamaram um médico, que disse que em um par de dias eu estaria novo de novo, mas recomendava que eu ficasse de cama.
A esposa do Nano, muito simpática, prontificou-se a ficar comigo até o outro fim de semana. Minha mãe, morrendo de vergonha, não teve outra opção a não ser aceitar. E lá fiquei eu, num quarto que não era meu, sozinho por quase uma semana inteira, já que durante o dia as crianças iam à escola.
Sempre gostei muito de ler, e por isso me trouxeram alguns livros e gibis. Mas o Nano, talvez percebendo que eu não estava feliz, me trouxe um presente: um Fusquinha de plástico!
Vou descrevê-lo: o Fusca era um modelo em escala, com a carroceria transparente, o chassi preto, rodas provavelmente de borracha, com calotas, bancos vermelhos, e volante branco.
Ele podia ser completamente desmontado, inclusive as calotas. A carroceria era inteiriça, as portas não abriam, muito menos o capô e o cofre do motor.
Não tenho ideia de qual era a marca ou a origem desse modelo, mas tenho a impressão de que devia ser alemão, até pelas ligações do Nano com importadores alemães.
Fiquei o resto da semana montando e desmontando o modelo, e no fim de semana seguinte o levei feliz da vida para Santos. Durou muito na minha mão.
O Nano mudou-se com toda a família para a Espanha, um par de anos depois, e nunca mais o vi. Tenho gratas recordações dele.
Esse foi o meu primeiro Fusca de plástico, lá pelos anos de 1955 ou 1956. Depois veio o outro “Fusca de plástico”, só que em escala 1:1 — como relatado em meu causo anterior”.
Agradeço ao Hernán Saavedra Herrera por mais esta espontânea participação em minha coluna. Não foi lá muito fácil encontrar as ilustrações para esta matéria, e eu fui conferindo o material encontrado com o Hernán por mensagens no WhatsApp. Quando, finalmente, foi encontrado um carrinho parecido com aquele que o Hernán tinha ganho do Nando ele, emocionado, disse “Que coisa fantástica. Ver de novo algo que fez parte da tua infância e que ficou guardado na memória. É um verdadeiro renascimento!”
Muitos dos causos têm o condão de emocionar e é frequente que leitores e leitoras se identifiquem com eles. Neste ponto eu reitero o meu convite para que quem tiver um causo para contar que o envie para nosso arquivo e análise para uma eventual publicação. O meu e-mail está nas notas logo abaixo.
AG
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