O ano de 2020 foi, em todos os sentidos, atípico. Estranho, diria. Além de todos os perrengues ditos “normais” tivemos (bem, ainda temos) um vírus que modificou a vida de todos nós — e tirou a vida de muitos outros, aos quais presto minha solidariedade assim como a suas famílias, que tanto sofreram. Tenho também amigos e conhecidos que ficaram com seríssimas sequelas da covid-19 e faço uma ideia muito clara da dificuldade que pode ser. Óbvio que também tenho amigos e parentes que contraíram o vírus e passaram pela doença sem consequências. Felizmente há também muitos casos assim.
Ainda vamos demorar bastante até entendermos o que houve, assim como suas consequências de uma forma mais ampla. Mas podemos desde já concluir algumas coisas. No início houve quem achasse que a pandemia e o isolamento mudariam as pessoas. Cética como sou, não acreditei nisso e, infelizmente, estava correta.
Raríssimas foram as pessoas que usaram o isolamento para mudar algo — sim, claro, teve aqueles que descobriram as maravilhas do pão caseiro e hoje dissertam sobre farinha integral e levain até exaurirem a paciência do interlocutor. Fora isso, poucos mudaram algo.
Ao contrário, acredito que o isolamento, o maior tempo disponível pela redução do tempo no trânsito e o aumento do uso do computador e do celular fizeram com que muitos perdessem totalmente o pouco filtro que lhes restava. As agressões continuaram, agora com mais tempo livre. Gente que discute o que não conhece ou que apenas não lê o enunciado da postagem, muito menos a postagem em si. Eu precisei explicar para uma pessoa que um modelo de moto lançada em 1985 (dito claramente na postagem) não poderia ter sido homenagem à conquista do campeonato de Fórmula 1 de 1987 de Nélson Piquet. Parece que o isolamento relativizou o tempo também porque sobre compreensão não digo mais nada. Diuturnamente rezo uma novena milagrosa para Nossa Senhora da Interpretação de Textos, de quem sou devotíssima, para que ela ilumine as almas penadas que vagam pelas redes sociais. Mas acho que nem ela dá conta.
As pessoas não fizeram melhor uso da maravilha que pode ser a internet. Usam-na (fazia tempo que não usava uma enclisezinha…) apenas para postar agressões a outros ou ao bom senso, mesmo. Vi gente dizendo que não ia tomar a vacina contra a covid porque teria de continuar usando a máscara por algum tempo. Adianta explicar que tem de tomar a segunda dose e esperar mais uns dias para a imunização? Nadica de nada. É como se o sinal de trânsito pudesse ser abolido porque foi criado o cinto de segurança ou o airbag. Se não quiser tomar a vacina, procure uma desculpa que pelo menos faça sentido, porque essa dá até vergonha.
Acho a internet em si uma ferramenta incrível, mas pouco utilizada pela grande maioria das pessoas. Pena, pois nos permite aumentar nossos conhecimentos — e isso é algo que sempre louvarei. Também me permitiu rever minhas colunas deste ano. Teve de tudo, menos minhas tão queridas viagens e as comparações que faço com o que vejo em termos de trânsito.
Além disso, vi que muitos problemas se perpetuam: incoerências nas leis de trânsito, falta de experiência de mundo real por parte de quem deveria planejar nossas ruas, avenidas e estradas. Muitos dos temas que abordei em 2020 eram continuação ou desdobramento dos mesmíssimos problemas abordados em outros anos – o que me faz crer que nossas autoridades não usaram o maior tempo disponível para rever absurdos e consertar erros.
Outro lado bom da internet é que nos permite pesquisar assuntos sobre os quais tínhamos uma pontinha de interesse e depois de algum tempo na rede pelos quais podemos nos apaixonar. É o caso de colunas que escrevi sobre capacetes de pilotos e sobre as multas de trânsito que pilotos de corrida já levaram. Pois é, a internet pode ser cultura, divertimento e, claro, lembranças. Basta saber usá-la. Bem, quem sabe no próximo ano tenhamos um surto de bom senso e uma epidemia de correta interpretação de texto?
Usar a internet nos permite ampliar horizontes, aprofundar conhecimentos. Assim como uma biblioteca, as informações estão lá. Basta procurá-las, decupá-las e usá-las da melhor forma. Como disse o excelente Régis Debray de uma forma melhor do que eu direi a seguir: o conhecimento não é tão importante, mas sim a forma como ele é utilizado — senão os bibliotecários seriam os donos do mundo.
Para mim não serve de consolo, mas muitos dos problemas que narrei neste espaço também são comuns a outros países. Incoerências no trânsito são a principal, mas não a única questão. No Brasil uma das piores coisas é replicar soluções usadas no Exterior, mas de forma capenga ou parcial. É como alegar que poderíamos ter um pedágio urbano porque Londres tem, mas sem levar em consideração o excelente transporte público daquela cidade, especialmente o metrô e os trens, que levam grande quantidade de passageiros a cada viagem. Ainda assim, a capital londrina tem congestionamentos, o que prova que quem quer usar o carro continua fazendo isso.
O mesmo se dá com as faixas de ônibus. Vem o argumento que tal cidade tem x quilômetros de pistas exclusivas e as autoridades rebatem com os números brasileiros. Mas até agora não vi nenhuma faixa de ônibus em outro país que tenha apenas a extensão de uma ponte comum, como acontece em São Paulo, no viaduto da Av. Abrão Ribeiro. Sim, a faixa de ônibus começa exatamente no início da travessia e termina no fim dela, cerca de 300 metros depois. Ou seja, pista de ônibus apenas para fazer número, pois só proporciona gigantescos congestionamentos que prejudicam todos os modais. Irônico é que faixa exclusiva deveria ser para dar maior fluidez ao transporte coletivo, não?
Felizmente tenho um público altamente qualificado — mas isso não me exime de fuçar muito. Todas, absolutamente todas as pautas sugeridas pelos meus queridíssimos leitores passam pelo crivo da pesquisa. Felizmente para mim, até agora todas se confirmaram verdadeiras e interessantes e meu único trabalho foi aprofundar o tema. Sinal de que tenho leitores bem informados e inteligentes, que me instigam a buscar mais conhecimentos.
Mudando de assunto: este réveillon será muito estranho para todos nós, mas quero aproveitar para desejar a todos meus leitores e suas famílias um excelente 2021, com muita paz, amor e, desta vez mais do que nunca, muita saúde. Para os que gostam, como eu, de viajar e obter novos conhecimentos ao vivenciar outras culturas, que possamos também conhecer outros lugares, seja de avião, barco, carro, bicicleta, patinete ou a pé.
NG