O VW up! foi homologado na Europa para quatro ocupantes, mas para cinco no Brasil. Todo o mérito da filial brasileira, que modificou o carro visando atender às necessidades do nosso mercado, mesmo que o transporte do quinto ocupante seja eventual. Já tivemos carros de quatro lugares aqui, como Renault Twingo, Ford Ka e Volvo C30, mas tal característica não se coaduna com o hábito brasileiro.
Inclusive, o up! aqui teve aumentada a capacidade do tanque de combustível de 35 litros para 50 litros, aumento importante de 43%, de novo para maior utilidade num país cuja matriz energética inclui o álcool hidratado, combustível que implica maior consumo devido ao poder calorífico cerca de 30% menor que o da nossa gasolina com 27,5% de álcool.
Outra mudança importante no up! brasileiro foi aumentar a capacidade do porta-malas de 251 litros para 285 litros, obtido pelo acréscimo do balanço traseiro em 105 mm e, consequentemente, do comprimento total (passou de 3.540 mm para 3.645 mm). Até os vidros das portas traseiras passaram a ser de descer, ante o tipo basculante no modelo alemão
Estava tudo certo, mas aí a legislação brasileira passou a exigir cintos de três pontos para todos os passageiros nos carros fabricados a partir de 2020, e no up! o passageiro do banco traseiro, no meio, só dispunha de cinto subabdominal.
O que era de se esperar de uma fabricante do quilate da Volkswagen do Brasil era que o up! — o melhor subcompacto produzido aqui — recebesse o terceiro cinto de três pontos. Mas, surpresa: a VW escolheu o caminho mais simples, re-homologou o up! como carro de quatro lugares e, como tal, decidiu que o cinto subabdominal do lugar do meio deixava de ser necessário, e eliminou-o. E foi além, aplicou um enorme aviso-ideograma no encosto do banco traseiro informando ser proibido sentar ali.
Como pôde alguma cabeça na VW conceber um banco que não pode ser totalmente ocupado?
Ficou claro aos olhos até do leigo que não valia a pena gastar dinheiro num produto com dia marcado para ser descontinuado, o que explica essa solução ridícula. Afinal, VW aplicou cinto central de três pontos no Gol, Voyage e Fox. Seria mais honroso encerrar a produção do up!.
Esquecendo a questão de honra: uma pessoa que ocupe o lugar do meio, e isso pode acontecer, estará sem a essencial retenção ao banco. A VW sabe que a determinação jamais será cumprida, mas cabe ao motorista cumprir a nova homologação que só permite levar quatro pessoas.
Na informação à imprensa para comunicar o modelo 2021 do up!, que chega agora às concessionárias (por R$ 60.090,00), veja o trecho em que a VW explica a “maracutaia”:
“Agora, o modelo produzido na fábrica da Volkswagen em Taubaté, interior de São Paulo, passa a transportar até quatro ocupantes, todos com encosto de cabeça e cinto de segurança de três pontos, atendendo totalmente a legislação vigente.”
No frigir dos ovos:
1 – Para cumprir a legislação que objetiva aumentar a segurança exigindo cintos de três pontos para os cinco passageiros, a Volkswagen fez o contrário: reduziu a segurança eliminando o cinto subabdominal que havia no lugar central do banco traseiro;
2- Ao substituir o cinto por um aviso no encosto do banco, ela ainda reduziu seu custo, mas deixa o passageiro do centro do banco sem a proteção do cinto que existia até os modelos produzidos em 2019;
3 – É óbvio, e a fábrica sabe que os usuários do novo VW up!, homologado agora para quatro passageiros, não deixarão de levar o quinto passageiro em função da ridícula informação no encosto do banco traseiro.
4- A fábrica transferiu para o motorista a responsabilidade de cumprir a legislação. Mas ela, por sua vez, sabe que poderá transgredi-la, pois nenhum policial vai parar o vw up! com cinco passageiros só para conferir o ano de fabricação. (até 2019 era permitido)
5 – Se o up! 2021 foi homologado para quatro passageiros, a fábrica teria a obrigação moral de desenvolver um novo banco traseiro que não permitisse o terceiro ocupante, por exemplo, com dois bancos individuais — o que custaria mais do que investir no cinto de três pontos. Então, a tortuosa solução foi o aviso no encosto.
A Volkswagen ainda amarga danos à sua imagem com o “dieselgate”, caso amplamente conhecido de emissões de dióxido de nitrogênio pelos motores Diesel acima do limite legal quando em uso normal e diferente — menor — nas medições em laboratório, descoberto cinco anos atrás, inclusive afetando a picape Amarok. Deveria ter aprendido a lição de que não deve burlar a lei como nesse caso do up!.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.