Quem nunca assistiu a uma boa corrida, ao vivo na pista ou pela televisão, em que se torcia não apenas por um piloto, mas por uma marca? Os italianos, por exemplo, geralmente torcem pela Escuderia Ferrari, pouco importa o piloto que esteja dentro do carro, a menos que seja um italiano, aí no caso a preferência é pelo Ferrari do piloto italiano.
Diversas categorias do automobilismo mundial trazem esta sensação ao público: poder torcer pelo seu fabricante favorito. Mas esta situação é cada vez mais rara. A Fórmula 1 ainda tem alguns nomes na ativa, mas que na prática, são apenas logomarcas em carros que nada tem a ver com o nome.
O Campeonato Mundial de Rali (WRC) ainda possui, mas cada vez menos, equipes oficiais das fábricas. Até pouco tempo pudemos ver VW, Hyundai, Ford, Citroën e Toyota brigando pelo título mundial, e com carros de produção homologados no Grupo A, carros de turismo de produção mínima 2.500 unidades idênticas em 12 meses ou menos, outro ponto escasso hoje em dia.
Ver nas pistas carros que podemos identificar como modelos de linha, ou como carros que podemos comprar e ter na garagem, cada vez mais estão se tornando cenas raras. Este ponto me chamou a atenção enquanto escrevia a matéria do Alfa Romeo 155 de DTM aqui no AE. Nos anos 1990, o DTM alemão exigia uma certa similaridade com os carros de passeio das marcas, depois substituídos por carros de compósito de fibra de carbono que nada puxavam dos modelos de rua.
Campeonatos com carros derivados diretamente de modelos comercializados trazem vantagens e desvantagens para quem compete, como ganhar o carimbo de “melhor” ou “pior” que seus rivais diretos, o que pode ser positivo ou negativo para a imagem das empresas.
As fábricas de automóveis investem em automobilismo por dois motivos básicos:
– Marketing para divulgação da marca
– Desenvolver tecnologias que podem ser aplicadas em futuros produtos comerciais
A famosa máxima dos anos 1960 que dizia “vença no domingo, venda na segunda” (Win on Sunday, Sell on Monday) teve uma queda na sua assertividade ao longo dos anos. A relação de ter um carro vitorioso no automobilismo e isto refletir nas vendas da marca e/ou modelo vencedor de corridas era muito forte no passado, mas conforme o mercado evoluiu menos importa para a compra de um carro novo se o modelo ganha corridas ou não.
Pensando num cenário mundial, poucas categorias de ponta trazem ao público modelos que podem ser comprados, e as que trazem, acabam sendo tão exclusivos que impactam em nichos de mercados restritos, como os carros das categorias GT da WEC. Ferrari, Porsche e Aston Martin não são exatamente carros vendidos aos milhões, mas isto não quer dizer que não seja importante, especialmente para marcas como estas que basicamente só possuem modelos exclusivos. É a realidade deles, mas não do mercado geral.
Categorias de turismo como o antigo Campeonato Mundial de Carros de Turismo (WTCC) e os regionais em cada país trazem ao público a proximidade com modelos convencionais, algo que não vemos no Brasil há anos.
Nos tempos do automobilismo brasileiro em alta, nos anos ’60, ’70 e ’80, as fábricas participavam de campeonatos pelo país todo para divulgar seus modelos e cativar o público que se identificasse com cada representante, e era um bom retorno. Se não fosse, não teríamos as famosas equipes Willys, Vemag, Simca, Ford, FNM.
Naquele período da nossa história, o automobilismo atraía público a atenção suficiente para que as fábricas investissem em equipes e carros de corrida. Muitos recursos ainda estavam sendo desenvolvidos na indústria e as pistas sempre foram bons laboratórios de teste. Manter uma equipe é caro, e este investimento tem que trazer retorno, o que, ao longo dos anos, foi se reduzindo até zero.
Não vivi na época das disputas entre os Interlagos da Willys dividindo curvas com os Malzonis da Vemag e os Karmann-Ghia-Porsche mofificados pela Dacon, mas conheci quem esteve dentro deste meio, e o investimento realmente trazia retorno. O público lotava autódromos e circuitos de rua para ver as disputas. Era interesse das fábricas, dos patrocinadores e das autopeças, que também vinha crescendo junto com o mercado nacional.
Talvez a última grande participação dos fabricantes tenha sido no Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos, que passou pelos anos 80 e 90. O campeonato se prolongou até pouco tempo, mas não havia quase nada de participação direta das fábricas. Não havia equipe oficial das marcas participantes, pois os carros eram preparados por particulares.
A foto abaixo, devidamente “emprestada” do ótimo post do Mário Pinheiro sobre amortecedores, mostra o tamanho do grid
O nosso mercado não envolve mais o automobilismo como um agente influenciador na hora da compra de um carro novo. Talvez apenas em alguns poucos países isto ainda exista, como nos Estados Unidos, graças à Nascar (que não tem carros de produção na pista há décadas, mas as marcas estão lá). Se o público não decide pelo modelo A ou B por conta de quem ganha mais corridas, não faz sentido gastar dinheiro, cada vez mais escasso, em um evento que não vai trazer retorno.
Não podemos descartar o problema da imagem negativa criada ao redor do automóvel nos tempos atuais, acusado injustamente de ser o responsável pelo iminente apocalipse que se aproxima da Terra. Carro de corrida começa a ser visto como obra do capeta, consumidor de combustível e poluidor dos sete mares. Sem mais comentários neste ponto.
Mesmo olhando do ponto de vista técnico, os desenvolvimentos de novos componentes e tecnologias não são mais viáveis nas pistas. Até mesmo os campos de prova particulares dos fabricantes estão sofrendo hoje em dia, cada vez mais os testes são feitos em laboratórios ou são terceirizados para poupar gastos. Corte de gastos é mandatório em todas as áreas para manter as empresas vivas.
Com todo este cenário, acho que nem um milagre traria de volta investimentos em competições por parte dos fabricantes no Brasil. O mercado já é dominado pelos suves, segmento em alta no momento, que pouco atraem olhares para as pistas.
Para contrariar tal fato, a Jaguar criou o eTrophy International para demonstrar o seu I-Pace elétrico, em uma categoria monomarca em que apenas o modelo próprio participa. Um evento novo, campeonato de um único modelo de suve elétrico. Marketing bem ousado — mas não resistiu à pressão dos custos e programa só durou duas temporadas.
Voltando à realidade tupiniquim, o mais próximo que teríamos do que já foi no passado seria algum campeonato como o Brasileiro de Marcas, e mesmo assim seria difícil encontrar modelos suficientes entre os fabricantes para montar um grid homogêneo que não fosse uma mistura de suves, hatches e alguns sedãs. Também não temos mais modelos esportivos como os Interlagos, Pumas e Malzonis, este, outro nicho que se apagou.
Talvez um grid misturado do que existe hoje no nosso mercado com participação das fábricas fosse melhor, ou menos ruim, do que não ter nada… difícil nossa situação.
MB