O campeonato de 1993 do DTM é sempre lembrado pela quebra da hegemonia dos alemães da categoria, com a chegada e surpreendente vitória da Alfa Romeo que contamos aqui no AE. Poucos acreditavam que no ano de estreia na categoria uma nova equipe com um novo carro conseguiriam desbancar os veteranos em sua própria casa.
A temporada não só foi marcada pela chegada da Alfa, mas também, na última rodada, pela chegada do Calibra da equipe Opel, um dos três modelos que sobreviveram nos campeonatos seguintes. O DTM não era novidade para a Opel, mas o novo carro com tração integral sim.
Por alguns anos, o Omega similar ao que foi vendido no Brasil, era o representante da Opel para o DTM. O tempo foi passando o carro cada vez mais ficou para trás em relação ao desenvolvimento dos concorrentes da Mercedes, BMW e Audi.
Com o advento do novo pacote técnico do regulamento, classificando os carros de acordo com o grupo chamado Classe 1 da FIA, que permitia que os carros fossem mais modificados, com os motores V-6 de até 2,5 litros contanto que fossem baseados em blocos de produção, e liberação de tração integral e controles eletrônicos, a Opel teria a chance de atualizar seu projeto e tentar recuperar terreno em relação aos demais.
Com o lançamento do Calibra no mercado consumidor europeu, seria uma ótima ajuda na divulgação do carro em termos de marketing. Se a equipe fosse capaz de se equiparar com Mercedes e Alfa Romeo, já estaria em um bom caminho comercial.
Falando em equipe, a Joest foi escalada para trabalhar no desenvolvimento do novo Calibra junto com a engenharia do time de competição da Opel. A Joest já tinha grande sucesso nas provas de longa duração, principalmente em parcerias com a Porsche. Era um nome de peso e com excelente capacidade para criação de um projeto de alto nível.
Com a premissa de utilizar o sistema de tração integral já sabido como eficiente desde os tempos do enorme Audi V-8 quattro e o mais atual Alfa 155, um desafio técnico deveria ser superado. A Opel, até então, tinha experiência com o grande motor de seis cilindros em linha do Omega com tração traseira, mas um 4×4 era novidade. O posicionamento do motor era crucial para equilibrar a distribuição de peso do carro, e o objetivo era que fosse posicionado o mais ao centro do carro possível.
O Calibra de passeio era projetado para ter motor transversal, enquanto que o DTM teria a motor longitudinal e tração integral. Como o carro de rua não tinha necessidade de ter espaço para passar um cardã tão reforçado como de um carro de corrida pelo centro do assoalho (havia uma versão 4×4 no mercado europeu), um túnel central de fibra de carbono foi feito para ser montado no local, com o assoalho devidamente ajustado para a montagem.
Colocar o motor à frente do eixo não era uma opção, pois isto faria o carro ter muito peso na dianteira, prejudicando o comportamento esperado. O Alfa Romeo tinha o motor montado à frente do eixo, mas o Calibra seria diferente. A solução foi colocar o motor no centro do eixo, e deram um jeito criativo de montar as semiárvores dianteiras.
O Calibra utilizaria a transmissão tradicionalmente montada diretamente na saída do motor. Pelas laterais do bloco do V-6, caixas de transmissão por engrenagens levavam o torque até a posição de montagem das semiárvores, bem no centro do bloco do motor, abaixo da saída do coletor de escape do cilindro central. Com isto, o peso do motor estaria exatamente sobre o eixo, e toda a parte de transmissão, entre os eixos.
Pelo regulamento, o bloco do motor deveria ser baseado em uma unidade de produção, e neste caso, o bloco utilizado era de ferro fundido, pesado, o que tornava mais importante ainda que o motor fosse posicionado o mais para trás possível.
Este recurso é uma demonstração do que se pode fazer para contornar problemas quando a criação é livre. O custo desta solução era alto, mas tecnicamente traria grandes benefícios ao projeto, e a aplicação compensava. Muitos projetos são restritos por questões de custo ou de limitações de regulamento, mas no DTM, este ponto ainda não era um problema.
O motor do carro de corrida seria uma versão especial derivada diretamente do V-6 disponível no Calibra de passeio. Chamado internamente na Opel como modelo C25XE, já com cilindrada de 2,5 litros. Para desenvolver uma unidade competitiva, a Opel contratou a inglesa Cosworth.
Por regras, o motor de corrida era derivado do de produção, com a mesma distância entre centro dos cilindros e mesmo ângulo de abertura das bancadas de cilindros. O ângulo do C25XE era de 54°, mas teve o diâmetro dos cilindros aumentado e o curso reduzido. Com isso, a potência subiu dos 170 cv para perto de 450 cv e incríveis 11.500 rpm.
A Cosworth aplicou os conhecimentos e recursos similares ao que utilizavam nos motores da Fórmula 1, onde cilindrada é restrita e a forma de ganhar potência é com o aumento da velocidade de rotação.
Como a Opel traria seu novo modelo para o campeonato, em termos de aerodinâmica o Calibra teria uma boa vantagem, pois era o único cupê dentre os competidores de ponta. O Calibra já chegou no mercado com boa fama pelo baixo coeficiente de arrasto aerodinâmico, o mais baixo do mundo para um carro de produção na época, 0,26, e isto seria muito bem aproveitado nas pistas.
Pelo regulamento, todos os elementos aerodinâmicos especiais tinham que ser colocados abaixo da linha de centro das rodas, exceto a asa traseira. As primeiras versões do Calibra de pista não tinham um extrator traseiro tão pronunciado como veio a ter nas evoluções seguintes, ficando bem pronunciado, contrastando com o branco da carroceria.
Junto com o conjunto estrutural do Calibra, a suspensão era derivada do modelo de produção, com as devidas adaptações para as pistas, o que se mostraria um ponto a melhorar logo na primeira prova, esta, a última etapa do campeonato de 1993, em Hockenheim.
A estreia no campeonato teria a equipe Joest presente com dois carros, um para o finlandês Keke Rosberg, ex-campeão de F-1 de 1982 e com passagem pela equipe Copersucar-Fittipaldi, e outro com o alemão Manuel Reuter, vencedor de Le Mans de 1989 com o Sauber-Mercedes e veterano no DTM desde meados dos anos 80.
Diferente do que aconteceu com a Alfa Corse na sua primeira corrida, a Opel não teve a mesma sorte. Problemas técnicos afetaram os dois carros, além do fato de Hockenheim ter mostrado que o V-6 ainda não estava tão bom quanto a Cosworth esperava, pois ficou devendo potência em relação aos concorrentes nas longas retas do circuito alemão.
O time da Joest, junto com a Opel, teriam que trabalhar em mudanças para 1994, que afetavam diversos componentes do carro. O motor foi aprimorado pela Cosworth, agora girando quase 13.000 rpm com 470 cv. A carroceria teve a frente modificada, substituindo os painéis frontais e capô, até então peças independentes, por uma grande peça de fibra de carbono, mais leve. Cada componente que pode ter seu peso reduzido foi modificado, desde rodas até itens estruturais. A suspensão foi refeita, agora com mais jeito de carro de corrida e uma gama de regulagens maior.
Para 1994, um terceiro carro foi inscrito pela Joest para o piloto John Winter, que na verdade se chama Louis Krages e era um empresário alemão, mas que correu com o pseudônimo para esconder seu hobby dos familiares. Reuter e Rosberg continuaram no time.
Não foi um ano fácil para a equipe. O carro ainda tinha melhorias a serem feitas, tanto em desempenho como em confiabilidade. Reuter conseguiu uma vitória herdada de Sandro Nannini após uma desclassificação, mas os demais resultados variavam entre quintos e sextos lugares. Rosberg conseguiu um terceiro lugar apenas, enquanto que Winters não passou de um sexto lugar.
Avaliando a situação de uma nova equipe com um novo carro, não são resultados ruins, mas estavam longe de ser um sucesso como foi o ano de estreia da Alfa Romeo. A Opel e a Joest trabalharam duro nas melhorias do Calibra por bastante tempo, aumentando até o número de carros no grid. Em 1995, quando apenas Opel, Alfa e Mercedes disputavam o campeonato, o Calibra estava representado por seis carros no grid (ainda assim, menor quantidade que os dois rivais).
ÚLTIMO ANO, COM SUCESSO
A última temporada do campeonato, já renomeado para ITC (International Touring Car Championship), foi a reviravolta da Opel. A Joest era a equipe oficial da Opel com cinco carros, mas também outras três equipes (Zakspeed, Team Rosberg e Giudici Motorsport ) participaram, somando mais cinco Calibras no grid.
O regulamento do ITC era um pouco diferente do DTM, permitindo modificações maiores nos carros. O Calibra teve muitos acertos de aerodinâmica, melhorias no sistema de tração integral eletrônico, uma nova suspensão projetada como nos mais modernos protótipos de corrida, com amortecedores eletrônicos montados longitudinalmente acionados por sistema pushrod.
Talvez a mais importante alteração no Calibra tenha sido o novo motor que a Cosworth preparou, nomeado com o código KF. Era uma unidade totalmente nova, em alumínio, diferente do CX que tinha o bloco de ferro, e agora com ângulo entre as bancadas de 75°. O novo KF girava a mais de 14.000 rpm e batia a marca dos 540 cv. Era o que faltava para o Calibra ser um forte concorrente no campeonato, que sempre sofreu contra Alfa Romeo e Mercedes.
O ano de 1996 foi duro, mas no final, todo o empenho da Opel, Joest e Cosworth renderam frutos. Manuel Reuter foi campeão depois de uma temporada muito disputada entre os três fabricantes, com uma pequena margem sobre Bernd Schneider e seu Mercedes Classe C. A Opel foi campeã de construtores, com apenas nove pontos de vantagem sobre a Alfa Romeo. A regularidade de Reuter deu a ele o título, mesmo com menos vitórias que Nannini e Schneider.
FIM DOS TEMPOS
Para a tristeza dos fãs da categoria, 1997 não teria a segunda temporada do novo ITC. Os custos estratosféricos de desenvolvimento e manutenção dos carros chegava a níveis próximos dos investimentos necessários para manter uma equipe de Fórmula 1. O retorno de mídia não era alto como na F-1, que contava com uma abrangência televisiva muito maior.
A proposta de transformar o Campeonato Alemão de Turismo, que predominantemente corria em circuitos na Alemanha e alguma poucas provas na Europa como etapas extracampeonato, em uma disputa Internacional com provassem outros continentes, elevaria os custos logísticos ainda mais.
Em 1996, o ITC teve etapas em Interlagos e Suzuka, e para o ano seguinte, outras provas fora da Europa estavam em discussão. Com todos os custos das equipes e ainda o aumento dos valores logísticos para levar o campeonato fora da Europa, Opel e Alfa Romeo anunciaram antes mesmo do fim da temporada que não retornaria no ano seguinte.
Era inviável um campeonato que antes tinha três grandes fabricantes atuar com apenas um, a Mercedes-Benz, e contar com as equipes particulares para preencher o grid. Este foi o golpe final na categoria, por um período, que só retornaria nos anos 2000 com outro formato, um pouco mais conservador para conter os investimentos e evitar o mesmo problema.
Em breve, contaremos aqui no AE sobre o Mercedes Classe C da DTM.
MB