“Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”, a frase que imortalizou Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, que utilizava o falso título de nobreza Barão de Itararé (1895-1971), reflete bem o que se vem observando na indústria automobilística. Ela anda muito estranha.
Reunião da mesa diretora de uma fabricante de automóveis: “Senhores, precisamos encontrar uma maneira de aumentar nossa lucratividade. Carros pequenos deixam pouca margem de lucro, portanto paremos de fabricá-los. Vamos a partir de agora nos concentrar na produção de suves, que deixam uma margem de lucro bem maior.”
A brilhante ideia é aplaudida e aprovada. A decisão é levada ao conhecimento do mercado geralmente pelo presidente-executivo de fabricante num encontro com a imprensa.
A decisão tem a lógica empresarial de lucro ser fundamental para qualquer negócio ser sustentável. Mas parece que um detalhe importante foi esquecido na nova estratégia: ela foi “combinada com os russos”? O mercado, o consumidor irá se conformar com o fato de não poder mais comprar carros compactos, de baixo preço? Irá se conformar com o fato de se quiser um carro novo terá que passar forçosamente para um suve e pagar bem mais por isso, mesmo que seja um suve de entrada?
Francamente, é um quadro difícil de compreender. Afinal, é isso mesmo que o mercado quer ou ele está sendo levado pelos desígnios dos fabricantes e não tem como escapar desse novo cenário? Dará certo a nova estratégia de produto ou não ter combinado com os russos será um tiro n’água?
Na contramão da História
Historicamente, automóveis sempre foram caros, ao alcance de poucos. Nos Estados Unidos, Henry Ford viu que poderia alargar a base do mercado com carros de baixo preço, para isso contando com dois fatores: construção simplificada e alto volume. O conceito levou ao Modelo T em 1908, estendendo o automóvel ao homem comum e com preços cada vez menores devido ao aumento de produção, começando com 800 dólares e chegando a pouco menos de 500 dólares nos 27 anos em que esteve em produção.
Na Europa esse movimento começou um pouco mais tarde, metade de década de 1930, com tradicionais fabricantes como Opel, Citroën, Peugeot, Fiat visando produzir carros populares, bem como o próprio governo alemão com o projeto do carro do povo (Volkswagen). O que se viu é desnecessário dizer, o automóvel se tornou acessível ao homem comum.
No Japão demorou um pouco mais, foi preciso chegar à década de 1960 para surgirenToyotas e Hondas acessíveis.
Hoje a indústria está na “engenharia reversa” em questão de produto, aos poucos eliminando os carros de fácil acesso, diminuindo a base da pirâmide, em nome da maior lucratividade por unidade. Não aprendeu com Henry Ford (e a própria Ford esqueceu-se dele) e nem com os esplêndidos resultados pós-Segunda Guerra Mundial na Europa e Japão. Daí o “anda muito estranha” citado no começo desta breve análise.
O porvir
Em meio a esse novo cenário junta-se outro, a eletrificação., seja híbrida ou puramente elétrica. “Forças ocultas”, na verdade bem às claras, estão forçando a indústria a mudar seu rumo em produto. Essas forças são o banimento do motor a combustão nos automóveis dentro de 20 a 30 anos por alguns governos.. De novo, a pergunta: combinaram com os russos? Carros híbridos e elétricos podem ser eficientes, mas, e o preço, por enquanto incomparavelmente mais alto do que um veículo equivalente de motor a combustão, mesmo subsidiados nos países de origem? Haverá compradores?
Isso sem contar a nossa indústria, local, em que não se vislumbra fabricar elétricos. Só a Toyota, com o Corolla Altis Híbrido, deu a partida, mas tem alto preço, R$ 135 mil e R$ 142,5 mil (Altis Premium). Isso mesmo com desconto de 50% do IPVA (São Paulo) e menos dois pontos porcentuais do IPI.
Tudo isso que está acontecendo tem remédio? É a indústria se convencer que não deve esquecer os menos afortunados que amanhã poderão lhe proporcionar o almejado — e sustentável — maior lucro.
BS