Juro que não quero ser daquelas pessoas que vivem falando de como eram bons aqueles tempos d’antanho. Juro mesmo que me esforço para não fazer isso, mas tem horas que me pego pensando por quê cargas d´água desapareceram alguns itens que eram tão práticos. Como toda autoentusiasta, é claro que vou falar aqui desses itens que deixam saudades nos carros (foto de abertura).
Não me refiro, é claro, aos toca-fitas. Ninguém que eu conheço tem saudades de andar carregando aquelas geringonças a cada vez que estacionava o carro com receio de que ele fosse roubado — sequer a versão mais, digamos, moderna, que era levar consigo “apenas” a frente. Nada menos prático do que ir ao cinema ou à balada com aquele trambolho.
Não, nada disso. Mas os fabricantes de carros deixaram de fazer algumas coisas que eram, sim, úteis. Tenho uma amiga que até hoje sente saudades daquela espécie de contêiner de porta-malas do Citroën Picasso. Algo muito elogiado na hora das compras de supermercado, pois ao chegar em casa era só tirar a caixa toda que, aliás, encaixava perfeitamente num espaço determinado do porta-malas. Nem os modelos seguintes do mesmo fabricante nem os concorrentes fizeram algo parecido.
Desconheço se houve, neste caso ou em outros, pesquisas de campo (ou mesmo de pomar ou granja) que fizeram com que este item fosse retirado dos carros ou qual poderia ter sido o motivo. Custo? Baixa procura? Espaço? Não sei.
Outro item que deixa pessoas como o Bob Sharp, meu marido ou eu morrendo de saudades: o para-brisa com faixa degradê. Adoro esse item que não encontro mais. Não sei em quais carros existe, mas não naqueles que eu posso comprar. Eu, que como meus leitores sabem, sou prejudicada verticalmente, sofro muito com o sol diretamente na cara e baixar o para-sol não adianta absolutamente nada, pois ele encobre o sol que bate numa pequena faixa a minha frente, enquanto no para-brisa degadê ele abrangia toda a extensão do vidro. No meu carro, consigo regular a altura do banco, mas a lateral fica quase sempre desprotegida e mesmo me esticando e baixando o para-sol do banco do carona não é a mesma coisa. O para-brisas degadê é uma bênção, pois mesmo as faixas mais baixas me atendem. Mas, cadê? Era algo comum um par de décadas atrás, mas hoje só nas minhas lembranças.
Gosto também do porta-óculos de sol na parte superior da porta do motorista, aquela espécie de estojinho no lugar da alça de teto, mais conhecida como “pqp” — exatamente pelo mesmo motivo já mencionado. Poucos modelos ainda os mantém (o carro do meu marido tem, o meu, não). O sol na minha cara me ofusca demais e tenho uma tremenda sensibilidade à luz, seja de dia ou à noite. Sou obrigada a lembrar de pegá-lo no porta-luvas (quem usa luvas hoje em dia?) antes de sair dirigindo, pois os porta-objetos entre os dois bancos dianteiros acabam cheios de outros objetos como carregadores de celular, pen drives com músicas (nunca arrumo minhas playlists nem consigo que passem de um celular para outro quando troco de aparelho, brigo com a nuvem, que para mim mais parece um cumulus-nimbus…) e, claro, agora as infindáveis garrafinhas de álcool gel, uma coleção de máscaras — tem as descartáveis embaladas novinhas, para emergências pois não raro esqueço em casa, ao trocar de bolsa — e outras coisas que na hora me parecem úteis e necessárias mas que, invariavelmente, são menos do que os tais óculos de sol. Não gosto daqueles suportes que prendem os óculos no para-sol. Tentei dois modelos, mas caíam e um óculos foi roubado num estacionamento — o da porta é muito mais discreto.
Sinto falta do acendedor de cigarros também. Tem modelos de carros que aboliram esse item. Não fumo dentro de carro algum (nem meu nem dos outros) e sou fumante mais do que bissexta — fumo um maço de 20 cigarros a cada 7 ou 8 meses, tanto que os meus no verão ficam na geladeira pois, acreditem, caros leitores, cigarro embolora se não for fumado em algum tempo. Mas já precisei de acendedor em várias ocasiões por diversos motivos, como para “selar” embalagens e cordões, entre outras coisas, pois justamente por fumar tão pouco não costumo carregar fósforos ou isqueiros.
Limpador de vidro traseiro pode não ser das coisas mais bonitas, mas sinto falta nos sedãs. Sei que há explicações para essa falta. Tecnicamente, é uma questão de aerodinâmica e de que haveria menos necessidade, pois o vidro é menos vertical e sujaria menos, além da dificuldade de se colocar o mecanismo para o limpador, uma vez que o vidro traseiro é parte integrante do porta-malas. Bem, digo o mesmo de sempre: se Henry Ford tivesse feito apenas o que as pessoas queriam teria feito cavalos mais rápidos. Em vez disso, ele criou o carro. Ou seja, basta pensar em algo diferente para encontrar uma solução que, certamente, existe. E, para mim, faz falta, sim, um limpador no vidro traseiro no meu sedã — menos do que num hatch, concordo, mas ainda assim faço questão de ter visibilidade total no carro que dirijo. Especialmente porque moro num país tropical (não sei se concordo que seja abençoado por Deus) onde chove muito e gosto de enxergar perfeitamente por todos os vidros do carro.
Há coisas que alguns carros tem e outros não, mas não são questão de “antigamente”. Gosto muito também dos faróis do Peugeot 408 do meu marido, que acompanham o movimento do carro. Eles são especialmente úteis em caminhos sinuosos, pois iluminam sempre o caminho, fazendo as curvas junto com o carro enquanto os do meu carro, ou da maioria dos veículos, ficam estáticos, iluminando à frente, e não por onde vira o carro. Uma boa ideia que poderia estar em outros possantes também, inclusive porque o 408 saiu de linha. Infelizmente, pois é um belíssimo carro.
Sim, já sei, em tempos de redes (anti)sociais deveria ter escrito um disclêimer enorme. Sempre pode aparecer alguém que diga: olha, você reclamando da falta de limpador traseiro no carro e eu aqui tendo que pegar o busão e andar de pé e espremido durante uma hora e meia. Ou algo nesse estilo. O que o sempre genial colunista Eduardo Affonso definiu esta semana como “someliê de desgraça”. Se você desabafa que seu celular caiu na piscina e postou isso no Feicibúqui sempre aparece alguém para dizer que nem tem piscina para deixar cair o celular. Ou outro para dizer que nem celular tem. E, claro, outro ainda será menos “privilegiado” ainda e nem internet terá. E por aí vai. Se você comenta que está com dor de cabeça, vai aparecer alguém que diz que isso não é nada, que enxaqueca é que é sério, que você está reclamando por nada. Aí vem outro e diz que isso é besteira, que câncer de pele é que é sério, até chegar outro que dobra a aposta e diz que tem câncer no cérebro e em mais 14 órgãos, além de unha encravada e chulé.
Então, caros leitores, este recado não é para vocês que me conhecem. Apenas para os eventuais someliês de desgraça que leiam estas mal traçadas linhas pela primeira vez: entendam isto como aquilo que é: apenas umas escrevinhações sobre alguns itens que sabe-se lá por quê perderam-se ao longo do tempo e dos quais sinto falta. E mais nada.
Mudando de assunto: não é segredo para ninguém que tenho uma quedinha por piadas infames e por carros. Então, eis um que junta dois dos meus temas favoritos:
NG