Brasileiro é tão complicado ao volante que até mereceu ensaio do antropólogo Roberto da Matta.
Cruzamento – O trânsito está lento e o motorista apressado para seu compromisso. Ao chegar ao cruzamento, o semáforo está passando do amarelo para o vermelho, mas ele não para. Aproveita o último segundo para se postar bem no meio da outra rua, bloqueando seu fluxo.
Na escola – O filho não anda de “Escolar” pois os pais não querem vê-lo dando voltas até chegar em casa. Vão então buscá-lo de carro, mas nem pensar em pedir que ande 50 metros até o portão da escola. Tem que ser exatamente defronte, nem que tenham de parar em fila tripla ou quádrupla.
“Só um minutinho” – Nenhuma vaga disponível na longa fila de carros estacionados. Ele encosta então em fila dupla. Ou bem defronte a uma garage. Sai do carro, tranca a porta e vai resolver seu problema. “É só um minutinho”…. e prende o outro que tentava sair da vaga ou da garage durante quase 30 minutos.
Buzina – Acionar prolongadamente a buzina sem nada que justifique, só para comemorar a vitória do time ou chamar alguém na casa ou apartamento, é infração de trânsito. E mais uma inestimável contribuição para dar nos nervos e irritar ainda mais outros motoristas. Vício internacional: já cansei de presenciar, em outros países, motoristas que pressionam a buzina sem nenhum motivo.
“É bem devagarinho” – Levar criança no banco dianteiro é irresponsabilidade menor, comparada com o absurdo do pai que o coloca no colo, entre ele e o volante. “Mas é devagarzinho, ele adora brincar de motorista”. Como acidente só acontece com os outros (sic), nem imagina que pode acontecer um impacto e ele mesmo esmagar a criança contra o volante. Mesmo “devagarinho”…
Imagina! – Outra atitude impensada dos pais é acomodar crianças no porta-malas de perua, hatch ou suve. É uma farra e as crianças se divertem até. Até que venha um carro atrás e acerte sua traseira. Os pais irresponsáveis naturalmente nem imaginam que o projeto da traseira da carroceria (onde as crianças se divertem) prevê estruturas menos rígidas, de um material menos resistente, para que recuem no caso de um impacto traseiro. Como uma sanfona se fechando, absorvendo assim as forças do impacto e protegendo o habitáculo onde vão (ou deveriam estar) os passageiros. Alertados para o perigo, pais costumam reagir com um “Imagina se vai acontecer isso conosco!”….
Engate-bola – Um desrespeito aos outros motoristas é o automóvel equipado com o famigerado engate-bola. Aquele aparente, atrás do para choque traseiro, pronto para:
– rasgar a canela do pedestre que passa distraído e não percebe a “arma” engatilhada no seu caminho;
– danificar a placa ou o para choque do carro estacionado atrás;
– provocar um grave e irreparável desalinhamento no monobloco do próprio carro caso receba um impacto de outro automóvel, pois impede a ação de amortecimento do para choque.
Engate-bola é essencial para muitos, mas embutido no para choque. Ou ser retirado facilmente em carros que têm esse possibilidade caso não esteja em uso.
Há alguns anos uma fabricante desses engates, a Berco-Plion, expunha o produto em mostruários nas lojas de autopeças e oficinas, nos quais havia a mensagem “Coloque respeito na traseira do seu carro”. Quem da fabricante mandou fazer isso devia pegar 30 anos de reclusão em regime fechado sem regressão da pena!
Quebra-mato – Felizmente essa aberração está sumindo das ruas. Uma traquibanda instalada no para-choque dianteiro, pronta para:
– danificar os carros estacionados à frente;
– prejudicar o sistema anti-impacto dianteiro do próprio carro;
– agravar as lesões no pedestre atropelado pelo carro e verdadeiro tiro de misericórdia no caso de uma criança, fatalmente atingida na cabeça. Também chamada de “quebra & mata”…
Luzes traseiras – A maioria dos motoristas ignora que luz traseira de neblina só deve ser acionada, como o nome diz, durante nevoeiro, cerração ou chuva. Em noites enluaradas, ofuscam o motorista que vem atrás. O mesmo com o pisca-alerta: só deve ser ligado ao parar no acostamento ou quase parando num congestionamento. Com o carro rodando, só serve para confundir os outros, que ficam sem saber se é seta direcional ou luz de freio ou tudo junto…
“Mais igual” – O antropólogo Roberto da Matta tem uma explicação para o complicado comportamento do motorista brasileiro em seu livro “Fé em Deus e Pé na Tábua” (Editora Rocco). Ele diz que “o brasileiro normal dirige, em geral, com estilo agressivo. Temos impaciência em ficar ao lado do carro daquele sujeito que, para a gente, é um atrapalhador porque dirige devagar demais. Enquanto isso, ele olha para você e pensa “Aquele cara é um débil mental porque está querendo correr”. No nosso trânsito, vale a teoria de que são todos iguais perante a lei, mas “eu sou mais igual que os outros….” e as ruas viram palco de disputas entre todos. Ônibus fecha automóvel, taxista é mais importante que particular, motoqueiro despreza o ciclista e este o pedestre”.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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