O logotipo da Coca-Cola é quase o mesmo desde 1887, a General Electric (GE) mantém o seu há mais de um século e o símbolo da IBM já passou dos 50 anos. Se o logotipo de uma empresa é tão importante e duradouro, por que estamos assistindo a uma onda de fabricantes de automóveis alterando seus emblemas ao mesmo tempo?
Em menos de um ano, sete marcas fizeram essa modificação: BMW, Fiat, Nissan, Kia, GM, Peugeot e Renault. O curioso é que estas quatro últimas divulgaram suas reestilizações apenas nos primeiros três meses de 2021.
Um movimento tão coordenado, no entanto, está longe de ser coincidência. Há quatro estratégias que, combinadas entre si, ajudam a explicar essa tendência de renovação visual simultânea.
1) Mudança no seu posicionamento ou do mercado
O logotipo é quase um documento de identidade visual de uma companhia, um RG corporativo pelo qual o consumidor reconhece uma marca assim que põe os olhos nele. Então vamos pensar: por que uma pessoa muda sua carteira de identidade por vontade própria? Porque ela já não se reconhece mais como o mesmo indivíduo que era antes – ou quer que os outros a vejam assim.
Pois é a mesma coisa com as empresas. Neste momento, todos os fabricantes de automóveis estão passando por uma transformação nos seus produtos — de carro a combustão para o elétrico — e no seu modelo de negócio — da venda de veículos para o fornecimento de soluções de mobilidade, como aluguel ou uso dos dados gerados.
Portanto, todas as empresas abraçaram essa renovação visual porque realmente estão mudando sua mentalidade dentro da indústria ou porque querem que o público tenha essa percepção. Porém isso é apenas o principal motivo, não o único.
2) Adesão à eletrificação
Depois da mudança decidida, o próximo passo é escolher que direção o novo logotipo vai seguir. E é claro que no momento atual a maioria optou por deixar evidente que está abraçando a eletrificação de corpo e alma, que está olhando para o futuro e abrindo mão de padrões do passado.
É o caso da GM, que fez uma das reestilizações mais profundas. Segundo a empresa, a letra M sublinhada representa visualmente sua plataforma Ultium para veículos elétricos e o espaço em volta lembra a forma de um plugue elétrico.
Nessa categoria também entra o logo da Nissan. Apresentado em julho de 2020, foi projetado para ser iluminado nos próximos veículos elétricos. Assim, ele precisava ser nítido quando aceso na grade do carro e funcional quando exibido no papel ou em plataformas digitais.
3) Clareza e uso em celulares
Por falar em plataforma digitais, algumas marcas fizeram questão de que seus emblemas funcionassem visualmente tão bem nos carros quanto nas diminutas telas de celular. Por isso que estamos vendo uma safra de logotipos apostando em simplicidade e clareza.
Às vezes, são tão simples que desagradam uma parte dos fãs mais tradicionais da marca, como ocorreu com a Volkswagen. Mas essa simplicidade deu trabalho: consumiu o esforço de 19 equipes internas e 17 agências externas por nove meses.
Primeiro, adotou a cor azul, típico artifício (que a GM também usou) para se conectar à ideia de meio ambiente, digital e elétrico. Depois, as letras VW perderam o aspecto tridimensional e o efeito cromado, para funcionar desde num enorme outdoor na rua até numa tela muito pequena e pouco iluminada, como num relógio do tipo smartwatch.
Esse também foi o caminho adotado pela BMW, que fez em março de 2020 a maior alteração dos mais de 100 anos de história do seu emblema, e pela Fiat, que mudou o seu em julho do ano passado.
4) Retorno à tradição e caminho alternativo
Quando todos seus concorrentes estão indo na mesma linha de comunicação, talvez seja melhor ir para outro lado, justamente para criar uma diferenciação mercadológica.
Em vez de escancarar com obviedade a aclamação aos carros elétricos nos seus emblemas, duas francesas preferiram se conectar aos valores históricos da sua tradição. É o exemplo da Peugeot, que trocou o leão de corpo inteiro pela cabeça do felino, muito parecido com o símbolo que ela utilizava em 1960.
A Renault fez o mesmo ao substituir o tradicional losango tridimensional por um estilo minimalista, bem semelhante ao que adotou nos anos 1970.
Já a coreana Kia escolheu um grafismo que parece uma assinatura manuscrita. Segundo a marca, “a linha rítmica e contínua do logotipo transmite o compromisso da Kia em trazer momentos de inspiração”. Seria uma maneira de representar o avanço contínuo da empresa para se tornar “ícone de mudança e inovação”.
Como sempre, o discurso corporativo é envolvente e inspirador, mas no final o que interessa é como o público vai reagir a esses desenhos que deveriam não só simbolizar o que a empresa pretende ser no futuro, mas também traduzir o legado conquistado ao longo das décadas.
Pelo que vimos até agora, alguns desses fabricantes fazem questão de esquecer seu passado. Bem diferente do que Coca-Cola, GE e IBM, por exemplo. E quais delas estão certas? Bem, isso só o tempo dirá.
ZC
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