O que escrever de novo sobre o Opala Diplomata que já não foi escrito ao longo de tantos anos? O que mostrar de novidade, de aspecto inesperado ou relevante para as pessoas nascidas muito depois do auge desse carro? Existem milhões de vídeos no YouTube, um sem-número de pautas que contemplam desde o carro mais original possível — de baixíssima quilometragem e que vive sobre cavaletes — a verdadeiros mísseis de quatro portas, gaiola e mais de 1.000 cv sedentos por uma pista de arrancada.
Isso é prova inequívoca da versatilidade do veículo, de carro de luxo macio e silencioso, a uma fera das pistas que grita com aquele seu timbre tão característico, arrepiando os pelos dos braços de quem o ouve rasgando a reta.
Muitos se enganam, no entanto. Pensam que o culto ao Opala é coisa de gente velha e saudosa, ou de jovens que o descobriram só agora. Mas a verdade é que mesmo no seu apogeu, o Opala — mais especificamente o Diplomata — não era bem visto apenas por senhores tradicionais, interessados no luxo, amortecimento suave e na pompa do Chevrolet.
Os jovens também o cobiçavam, como foi descrito textualmente numa revista Autoesporte de 1988, no teste completo de um Opala Diplomata quatro-portas. Lá dizia mais ou menos assim: “Os jovens também deliram com o grande sedã Chevrolet, seu motor 4,1, e seu desenho o torna muito cobiçado entre estes também”.
Mas parte da imprensa considerava que o Opala já tinha vivido demais, e que já deveria ter sido aposentado e relegado a um museu, incapaz de enfrentar a concorrência de carros mais “lógicos” e atualizados. E ele enfrentou “muita gente” na sua longa vida, de FNM 2000 JK a Fiat Tempra, um exemplo de longevidade que soava como piada de mau gosto para alguns, mas sinônimo de qualidade e tradição para outros.
Para entender a mística de um Opala Diplomata é preciso dirigi-lo, e através da experiência empírica, a gente terá condições de confirmar velhas suspeitas (boas ou más) e descobrir coisas novas (também boas e más), mas nunca, nunquinha você ficará indiferente após tê-lo conduzido.
Como eu mencionei no início, não faltam vídeos ilustrando a experiência de direção num Diplomata, mas textos são bem mais raros, normalmente a gente lê apenas coisa antiga, oriunda de antigas reportagens de época, sob uma óptica diferente já que o mundo era diferente. Contudo, acredito que o registro escrito nos dias atuais, vendo e sentindo um carro que está décadas lá atrás no passado, é de alta relevância para quem deseja conhecer um pouco mais sobre esse carro, visto agora sob perspectiva de 2021, com os sentidos calibrados e acostumados com os veículos modernos, sendo subitamente provocados a dominar uma máquina de outra época. Vamos andar de Opala?
Dirigindo um Opala Diplomata
O carro em questão é um Diplomata SE 1990 movido a gasolina do meu grande amigo Mateus Scussel, um cara muito bacana que têm duas manias de bom gosto na vida: curte carros antigos e é baterista de uma banda de Metal chamada Evilcut. Seu carro não é restaurado e não está na perfeita condição de carro de exposição. A base é muito boa sim, mas faltam alguns detalhes estéticos e de acabamento para ele ficar parecido com o carro que rodava em 1990. Escapamento 6×2, taxa de compressão mais alta (mais adequada a álcool do que gasolina), carburador DFV e um comando mais esperto são as únicas massagens no enorme motor.
Nada que descaracterize demais a condução do carro, pois vieram cerca de 129 cv e 25,5 m·kgf de torque nas rodas, números ligeiramente melhores do que o divulgado no carro original, cujos os dados eram obtidos diretamente no motor. Vai andar mais que um totalmente original, até mais que um movido a álcool, mas nem tanto assim.
Não é novidade, mas é quase inusitado o primeiro contato com o carro, a sua porta dianteira é pequena e curta, quase uma alegoria perto das enormes portas dos (poucos) sedãs atuais. Se o motorista for muito corpulento terá que torcer um pouco mais a espinha para entrar no Opala.
Estando lá dentro, e ele se vê diante de um volante de direção de grande diâmetro que parece até adaptado perante as dimensões enxutas do painel à frente. O assento é largo e forrado de uma trama mais grossa, macio, mas não desajeitado, a ergonomia é correta e a alavanca de câmbio está naturalmente ao alcance da mão direita, a visibilidade é boa para frente e para os lados; para trás, nem tanto.
Quando se bate a chave, o ronco encorpado do grande seis-cilindros já começa a virar pescoços, ainda mais com o sistema de escapamento aliviado como o que está neste carro; é um som denso, forte e que emana poder. Para os que curtem é decididamente música para os ouvidos. O carro sai da imobilidade com grande facilidade, a embreagem é leve e progressiva, e o bicho têm força desde a marcha-lenta. Basta soltar o pedal da esquerda e alimentar bem pouco o motor, imediatamente ele parte e já vai pedindo a segunda, cuja operação têm seu tempo e demanda de força requerida — não entendam mal, a caixa não é dura, mas em motores grandes ela nunca será muito leve ou rápida.
Mas os engates são precisos, não dando margens de dúvida quanto a isso. A terceira entra no mesmo ritmo, a alavanca de pomo quadrado tem que ser conduzida até a sua posição de forma decidida, mas sem força excessiva ou de modo afoito, sob pena da condução ficar quadrada no momento que solta o pedal da embreagem. A quarta marcha têm o engate mais leve e rápido do câmbio e — sensorialmente — parece que ela vem juntinho ao motorista, é realmente entusiasmante para quem gosta da cada vez mais distante arte de cambiar. Você se pega reduzindo para terceira — sem necessidade alguma — apenas para logo em seguida jogar a alavanca rápido para baixo, pois é ali que ela aceita mais ousadia do seu motorista.
Todo esse balé com o câmbio, contudo, precisa ter a parceria fiel do motor, e nisso esse Opala, em especial, não decepciona. A gente já sabe em verso e prosa sobre as qualidades do velho motor 4100 da Chevrolet: muita força em baixas rotações, uniformidade de funcionamento e uma “voz” muito sedutora. Ainda na cidade, em qualquer esquina de baixa velocidade estas são dobradas com enorme facilidade mesmo em terceira marcha, você pode até deixar o giro cair lá embaixo e voltar a pisar na saída do contorno, que o motorzão não tranqueia, não protesta e volta a retomar velocidade com vontade. Arrancar em segunda marcha também é um processo relativamente simples, sem precisar abusar da embreagem.
Mas é na estrada que o carro encontra seu habitat natural, é em condições de viagem que as melhores qualidades do Diplomata são percebidas. A gente poderia começar com o nível de ruído baixo vindo do motor, mas este carro em especial, com aquela espingarda de dois canos saindo embaixo do porta-malas, não pode ser mencionado como exemplo.
Mas podemos sim elogiar a atitude madura do carro em subidas, descidas, retas e até nas curvas. Sim, muito se fala da instabilidade que o pesado eixo traseiro pode provocar sobre asfalto com imperfeições, mas fora isso (e não procurei estradas ruins), o Opala se comporta muito bem, aceitando curvas mais rápidas sem assustar o motorista ou representando um perigo iminente.
Claro, ele inclina bem, o peso faz pressão sobre molas e amortecedores, mas ele segue a linha escolhida sem desvio algum, como se fosse um carro moderno se deslocando com eficiência (rápido, mas não moendo e longe do limite) — a frente fica quieta nessas condições, e como o motor está sempre “aceso”, soltando potência com muita facilidade, é a traseira do carro que se manifesta nas saídas de curvas, se você continuar alimentando bastante o acelerador.
Mas não é algo brusco ou assustador, os avisos começam com um leve chiado dos pneus, a direção perde um pouco de peso e a traseira começa a querer desgarrar. Nesse momento, basta aliviar um pouco o motor, não é preciso nem corrigir na direção, e a tendência desaparece de imediato.
Falando em direção, ela é mais firme do que a gente costuma imaginar; mesmo em reportagens e avaliações antigas, ela era considerada mais precisa que a direção do Monza (demasiadamente leve), um carro muito mais moderno que sempre foi elogiado em dinâmica. O grande volante do Diplomata parece ser um pouco lento apenas na cidade, a gente gira a direção e a frente do carro entra um pouco depois, mas na estrada ele é perfeitamente adequado, seu grande diâmetro pode ajudar no controle direcional, no caso do estouro de um pneu por exemplo, e ela é serena nas retas.
Nas curvas não hesita, não apresenta folgas e pede apenas um motorista interessado para manejá-la, a pessoa precisa ser bem rude para dar excesso de comando. Não pode ser confundida de modo algum com o sistema de direção de um Landau, por exemplo, que era extremamente aliviado.
O motor, que teve sua respiração melhorada nessa unidade, têm uma saúde literalmente de ferro, ele “limpa” longas subidas da rodovia com uma facilidade extrema, o motor sobe de giro rápido e só vai acabar de dar potência lá pelos 4.800 giros, quase mil a mais que um GM 250 totalmente original. Passa dos 120 km/h indicados para 160, 170, 180 km/h (até mais) com inesperada naturalidade, a usina sempre parecendo pedir um pouco mais de pressão no acelerador. O Diplomata é totalmente moderno nesse ponto: suas recuperações de velocidade são contundentes como se fosse um carro moderno com motor turbocarregado.
Deixe a velocidade cair, reduza para terceira e volte a pisar de uma vez — nesse momento olhe para o seu carona e verá ele ser pressionado contra o encosto do banco, a cabeça quase o tocando. A carburação, se perfeitamente equalizada, não dá saudades da injeção eletrônica; o motor funciona com muita regularidade, seja conduzido preguiçosamente em quarta marcha, a baixa velocidade, ou empurrando todo o peso do Opala, passageiros e bagagem morro acima nas estradas, com o giro lá em cima e ultrapassando todo mundo no processo.
O Diplomata, apesar do seu visual comportado e aura de carro de motorista particular, é um veículo intrinsecamente físico, os comandos exigem atenção e envolvimento do motorista, o veludo do interior não vai disfarçar os mecanismos grandes (caixa e motor) na hora de operar. Tente dirigir um carro atual logo ao sair do Opala — um carro de motor pequeno, aspirado e caixa manual — e terá imediatamente um choque de sensações. No carro moderno, nos primeiros metros, você se sentirá trocando marchas no vácuo, como se a alavanca estivesse desconectada do câmbio, mas o pior é que no momento de acelerar vai sentir algo parecido: não existe mais aquele empurrão sólido do motor de mais de quatro litros, aquela disponibilidade de força imediata que é absolutamente inebriante, sumiu…
É bom então de experimentar ainda nos dias atuais, numa época em que qualquer carro moderno parece bom e infalível? A resposta é um resoluto sim! Ele é diferente do que estamos acostumados hoje, mas não é exótico ou caótico. Seu sistema de direção e freios não é temerário, sua suspensão e aderência ao piso não são problemáticas se você tiver bom senso.
O câmbio é um tiquinho mais rude que os modernos mecanismos atuais, mas quando se pega o jeito, vira a melhor batuta possível para orquestrar todas aquelas 250 polegadas cúbicas embaixo do capô. O motor é jurássico no consumo, mas atual se você deseja andar na balada de carros bem mais novos. Levemente melhorado como está, ignora até a aerodinâmica deficiente do carro, e têm um som que não pode ser replicado por motor pequeno algum.
Vítima do seu próprio sucesso, seu preço está subindo como um foguete, em breve, um bom Chevrolet Diplomata voltará a ser o carro de gente rica como sempre foi no seu tempo. Existe gente que se ressente por isto, e começa a criticar o carro por motivos totalmente errados, como a gente vê acontecendo com o Gol GTi por exemplo. Focam no preço, no valor que esse tipo de veículo (muita demanda, pouca oferta) está alcançando; e então esquecem as qualidades que os tornaram tão desejados, e eles voltam a ser “carros velhos e obsoletos” mais uma vez.
Mas não é por ali: podemos culpar a Ferrari por causa de uma porção de gente exibida, interessada apenas no status que o carro proporciona? É claro que não, os méritos dela são muito mais importantes do que isso. Em escala bem menor acontece o mesmo com nossos clássicos nacionais, é natural que sejam cada vez mais valorizados com o passar do tempo, são veículos cujo histórico emocional é muito caro aos entusiastas. O Opala é quase um membro da família para gente que cresceu com eles, e mesmo as pessoas que não o tiveram, pode apostar que muitos destes o desejavam ou ainda desejam. Ainda mais na versão mais requintada dele, o Diplomata, um nome que caiu como uma luva para esse Opala.
E isso não me surpreende, mesmo após tantos anos, esse Opala ainda é um grande automóvel, física e sentimentalmente no coração de qualquer autoentusiasta.
“Formula Finesse”
Bento Gonçalves – RS