Já se passaram mais de seis anos desde o Audi Day organizado pelo Autoentusiastas em março de 2015. É tempo suficiente para ter experimentado outros carros, outros passeios, outras experiências. Entretanto, naquele dia, um dos cinco carros disponíveis para nosso uso foi tão incrível que muitas vezes me pego lembrando dele. E, por incrível que pareça, não foi o R8.
Meu gosto por peruas / wagons / estates não me deixa mentir que no dia que recebemos as chaves dos cinco Audis, o RS 4 Avant azul seria o que eu teria mais curiosidade em guiar. No Brasil, o consumo de peruas caiu muito, a ponto dos fabricantes locais tirarem de linha todos os modelos. Modelos especiais como a série RS da Audi acabam sobrevivendo pela cultura criada lá nos tempos do RS 2, o wagon oriundo da parceria Audi-Porsche dos anos 90.
Para mim, o que atrai em um automóvel com o RS 4, não é apenas o desempenho, mas a ampla gama de atributos que ele abrange. Veloz como um Porsche, espaçoso para ocupantes como um sedã, espaçoso para bagagem como uma picape e discreto como qualquer Audi da família 4. Exceto pela linda cor azul metálica chamada Sepang Blue na qual o RS 4 do Audi Day foi pintado e que destoa do mar preto / branco / cinza padrão.
Como falei em 2015, as qualidades do RS 4 Avant se destacam pelo fato de ser uma perua. Nosso cérebro não espera que um carro com essa aparência de modelo familiar possa fazer o que faz.
A tração integral inteligente do sistema quattro da Audi opera verdadeiros milagres. Nas condições climáticas que encontramos naquele dia, qualquer carro comum não teria chegado nem perto do que os Audis podiam fazer. E veja que, dado o tamanho dos pneus destes RS que guiamos, pista molhada não deveria ser uma boa pedida.
Curvas que em um carro convencional seriam feitas por volta dos 60 km/h no seco, os RS faziam a 80 na chuva. E sem muita reclamação dos gnomos germânicos escondidos dentro do carro que corrigem qualquer besteira que o motorista possa fazer.
Quando assumi o comando do RS 4 Avant, estava um tempo bastante chuvoso, suficiente para azedar qualquer vontade de andar rápido nas desertas estradas por onde passamos, mas, graças ao quattro, mantivemos o ritmo.
Não só da incrível capacidade de tracionar os quatro pneus nas mais adversas condições que o Avant tem seus créditos. O motor é outra joia rara. A Audi conseguiu retrabalhar o V-8 de 4,2 litros usado no enorme suve Q7 para uma versão que chamaram de high-revving (alta rotação), já que passava de 8.000 rpm com facilidade. Oito mil rpm, numa perua familiar!
A suavidade e elasticidade do V-8 esconde a sua verdadeira natureza. Andando civilizadamente, o RS 4 se passa por um A4 com facilidade. Só quando é cutucado que o motor revela seus 450 cv, e com o som que esperamos ouvir vindo de um R8.
Imaginei que o RS 4 teria uma tendência de ser mais solto, por ter mais massa na traseira do que no RS 5, que também estava lá, mas não acontece. A suspensão é acertada de tal forma a deixar o carro tranquilo de guiar em todas as condições, até nas mais severas como encontramos.
RS 4 VERSUS R8
No passeio, como nós editores estávamos em maior número do que carros disponíveis, fizemos um esquema de revezamento, tanto entre motorista / passageiro como entre os carros. Quando chegou minha vez de guiar o R8, a chuva tinha melhorado bem mas não desaparecido. Uma garoa pairava sobre a região no interior de São Paulo.
O R8 chamou muito a atenção pela facilidade de guiar, pois se comportava como um dos demais carros do dia. Não era traiçoeiro, com traseira leve, justamente pelo ajuste fino feito entre suspensão e o sistema quattro.
Desde o começo do passeio, a proposta era seguirmos em comboio, andando sempre juntos por um trajeto preestabelecido. Mal começou e o cronograma já estava todo bagunçado. Em um determinado trecho, já nas últimas horas, não me recordo bem o motivo, estavam juntos apenas o R8, o grande sedã A8 e o Avant azul. Eu guiando o R8, o Roberto Agresti no A8 e o MAO no RS 4.
Começamos a andar um pouco mais rápido, e, não demorou, vi o RS 4 na minha frente passar o A8 e seguir acelerando. Como por impulso, fiz o mesmo, e tentei seguir o RS4. Algumas curvas adiante, lá estava ele, e não sei se de propósito ou apenas distração, o Avant diminuiu num pequeno segmento reto da estrada, e passei. Eu queria aproveitar ao máximo o R8, que até então tinha tido pouco tempo ao volante, e sabia que o dia estava acabando.
O trecho que estávamos era o mesmo que tínhamos passado na ida, então foi mais ou menos fácil recordar de alguns pontos de referência. O que não esperava era ver o MAO à caça do R8. Aumentamos o ritmo, ambos. O A8 já nem aparecia no retrovisor.
Depois de uma sequência de curvas mais lentas, onde o poder de frenagem e retomada do R8 foram muito bem explorados, a estrada endireitou e passou a ser mais ampla, com boa visibilidade e curvas de raio longo. Era tudo o que o R8 queria: mais espaço.
Rotações subindo, e o RS 4 vindo junto. Não demorou e nós dois estávamos tirando tudo que os carros tinham para dar naquela condição de piso escorregadio. Curvas rápidas, freadas fortes, retas, não importava, os dois estavam determinados a tirar o melhor daquele carros.
Lembro que o PK era meu passageiro no R8, e estávamos falando de como aqueles carros eram capazes de andar tão bem em um asfalto molhado com a segurança que transmitiam. Mas, conforme a velocidade aumentava, o papo ia diminuindo. Concentração para não se empolgar demais e passar do limite que seria seguro, prioridade.
O R8 pedia cada vez mais, e mais ele recebia. Aceleração forte, trocas de marcha com as borboletas atrás do volante feitas numa velocidade impressionante dentro do transeixo e tração como nunca tinha visto. E o MAO vinha forte na cola do R8, querendo tentar achar um espaço para passar.
Apontava o carro de lado uma vez, duas vezes, mas, quando parecia decidido a passar, via o R8 abrir (pouca) distância, pois educadamente decidi que ele não passaria na moleza, eu com o pé embaixo. E ai, não tinha mais volta. Parecia ter virado cena de filme, uma mistura da perseguição em “Ronin” com o visual isolado de “Vanishing Point”, trocando o deserto pelas belas paisagens do interior paulista, com os carros ao entardecer em meio ao campo.
O roteiro era bem servido de curvas de todos os tipos. Algumas em subida, outras em descida, cegas ou com ampla visão. Tinha de tudo. E em todas elas, o RS 4 e o R8 brilhavam.
Depois de uma sequência de “S” mais lento, uma longa curva bem aberta e um bom trecho de reta à frente. Vendo pelo espelho o vulto azul, MAO tentou colocar de lado, por dentro, mas, no meio da curva, pé embaixo no R8. Motor urrando alto e o conta-giros batendo na faixa vermelha. A traseira começa a soltar, e o acelerador ainda cravado no assoalho. O equilíbrio do carro era tão bom que só uma com uma pequena correção no volante bastou para colocar o R8 no trilho sem grandes dramas. Não sei por que, mas, depois disso, PK não se manifestou mais por um bom tempo…
Marchas para cima, trocadas sem aliviar o acelerador numa precisão cirúrgica do cambio S Tronic. Na sequência, a reta que parecia ser bem longa, mas que acabou em menos tempo que esperava. Em uma rápida olhada no painel, o ponteiro do velocímetro passou dos 200 com tanta facilidade que parecia estar errado.
E o mais incrível de tudo isso, não era como o R8 trazia uma sensação quase inabalável de controle. Era ver que os faróis brancos bixenon do Avant permaneciam colados na traseira do R8. Como era possível? O motor V-10 do R8 era derivado da Lamborghini, tinha uns 100 cv a mais e o carro todo era 200 kg mais leve. Não dava para acreditar como o RS 4 conseguia acompanhar o R8 desse jeito. Apenas nesta reta mais longa o R8 conseguiu abrir mais distância do Avant.
Os potentes freios do R8 mais pareciam uma âncora de navio batendo no fundo do mar e travando na crosta marinha, tentando impedir qualquer movimento do que estivesse acima preso nela. E o RS 4 novamente se aproximou. O MAO conhecia a estrada infinitamente melhor que eu, sabia onde tinha espaço para tentar passar. Só não passou porque o R8 ajudou, com mais potência e menos peso.
Não parecia ser fisicamente possível que uma perua familiar de quase 1.800 kg andasse junto com um esportivo que era praticamente um Lamborghini sob um fino terno alemão. Obviamente que, numa pista seca com pilotos experientes, o R8 seria mais rápido que o Avant. Mas, ali estávamos em uma situação real. Uso real, nada de máximo desempenho na ponta do lápis. Duas pessoas comuns, numa situação comum.
E não vamos desmerecer o R8, pois ele cumpriu o esperado. Temos que ressaltar o Avant, que se superou.
RS 4 AO RESGATE
Depois o momento “Bullitt”, tentamos reagrupar. Trocamos os carros mais uma vez, e voltei para a perua encapetada para retornar a São Paulo e encerrar o dia. Ou a noite, pois já estava escuro. Por algum motivo inexplicável até hoje, o comboio acabou dividindo-se em três. O RS 4 e o R8 permaneceram juntos. Comigo estavam o MAO, o Juvenal e o Wagner.
Era sabido que PK tinha voltado antes com a Nora para deixá-la em casa, mas ainda restavam dois carros para fechar o quinteto fantástico que a Audi nos emprestara. Como era de se esperar, numa situação como essa, à noite na chuva no meio do nada, nenhum celular funcionava.
Eu não fazia a menor ideia de onde estava. Só sabia que era no estado de São Paulo em algum lugar perto de Cabreúva. Ou Itu. Talvez nenhum destes.
MAO, como o maior conhecedor da região, era o guia, eu só o seguia para onde fosse. Tentamos retornar por onde viemos, ver se encontrávamos algum dos Audis pelo caminho. A chuva voltava a apertar e a escuridão na estrada sem nenhuma iluminação tomava conta.
Retornamos por alguns quilômetros, sem sucesso, e ainda sem sinal de telefone. Que praga de tecnologia, sem celular não tinha como saber da localização um do outro. Antigamente, teríamos combinado de nos encontrar em tal horário em algum lugar conhecido, independente do que fosse, mas, a comodidade de ter tudo na palma da mão, nos faz esquecer do básico. Viajando em comboio? Ponto de encontro definido para situação assim são primordiais.
Acabamos cruzando com o RS5 depois de algum tempo. Faltava apenas achar um.
Ficamos mais de uma hora procurando os colegas, tanto em movimento como parados em pontos estratégicos da estrada de mão dupla, sem iluminação, onde poderia ser um local de passagem obrigatória para chegar na rodovia.
Nas idas e vindas, era quase que uma tentação acelerar um pouco mais os Audis. E acho que o MAO estava com o mesmo sentimento, pois volta e meia eu via o R8 acelerar e abrir distância. Claro, eu tinha que segui-lo. Tanto por diversão para poder aproveitar mais um pouco daquele Avant, mas também por necessidade, pois se eu me perdesse dele, estaria lascado de vez.
A capacidade de tração e aderência do Avant trazia segurança. Naquela situação, com chuva e sem visibilidade, saber que o carro era estável e não iria me pegar de surpresa, dava confiança para seguir em frente com bem mais tranquilidade. Já andei com carros ariscos em situações como essa, e só pioram pois você fica mais tenso em não fazer besteira ao volante.
No escuro total, obviamente o ritmo era mais manso que horas antes, mas ainda assim era possível curtir as retomadas e o ronco do RS 4. O interior simples, sem frescuras nem nada desnecessário, era muito agradável. Nessas horas, o conforto ajudou bastante, pois já era tarde e estávamos dirigindo há horas.
Entre os momentos de velocidade e tranquilidade ao volante, pois nós andávamos ora como “Dr. Jekyll” e ora como “Mr. Hyde”, o RS 4 mostrou-se novamente muito capaz em ambos os cenários.
Finalmente, o último Audi perdido foi encontrado, nada de ruim havia acontecido, ainda bem, e pudemos retornar para casa. Mas, sem antes, uma última esticada de pernas na rodovia, algo que eu ainda não tinha feito com nenhum dos carros naquele dia, pois só assumi o volante já nas estradas secundárias.
Nas largas e bem iluminadas vias da Rodovia Castello Branco, o RS 4 pôde mostrar que como um carro para longas viagens, também é excelente. Assim fechamos o dia, e que dia!
PARA NÃO DEIXAR ESQUECER
Alguns meses depois do Audi Day, consegui agendar uma viagem para aproveitar as minhas férias. Eu e minha esposa fomos conhecer Olímpia, ao norte do estado de São Paulo, a mais ou menos 450 quilômetros da capital. Um bom percurso que faríamos de carro.
No caminho ainda pensei, qual carro poderia ser legal para fazer essa viagem? Algo confortável, com bom espaço, e que proporcionasse alguns momentos de diversão no caminho. Mas, foram apenas ideias genéricas, sem nada objetivo em mente.
Chegando ao destino, no estacionamento, quem lá estava? Sim, o mesmo RS 4 azul Sepang que guiamos meses atrás. Parece que alguém teve o mesmo pensamento que eu, qual seria o melhor carro para chegar lá? Um Avant de 450 cv.
Realmente, seria uma das melhores opções, se não a melhor. Espaçosa, rápida, bem ajustada para as longas retas quilométricas cruzando o estado paulista. Em velocidades civilizadas, o V-8 não era barulhento a ponto de incomodar os passageiros menos autoentusiásticos.
Achei uma coincidência bem grande. Aquele mesmo RS4 que nos encantou, no mesmo lugar que eu, distante centenas de quilômetros da capital. Qual a chance? Até parecia um sinal.
Anos se passaram desde este encontro com o Avant, e até não mais lembrava tanto dele como depois do Audi Day. Até que há algumas semanas atrás, uma surpresa.
Eu estava preparando uma matéria aqui para o AE sobre os modernos carros esportivos, como os BMW M, os AMG da Mercedes e também os RS da Audi, que cada vez mais exploram os limites da eficiência com novas tecnologias, motores menores e mais potentes. Tive um breve contato com um Audi RS moderno, equipado com motor turbo. Aceleração impressionante, um excelente carro, mas, parecia que faltava alguma coisa.
No meio tempo, tive uns dias de folga e fomos para o interior descansar. Adivinhe quem estava lá. Sim, ela mesma, a perua azul encapetada. Como era possível, duas vezes, e com um espaço de anos, encontrar com ela de novo, fora da capital, numa região bem tranquila e pouco povoada?
Rever o RS 4 me fez entender o que senti falta no RS turbo. Era justamente a personalidade do modelo anterior. Como eu mesmo disse na matéria do Audi Day, o que a Audi fez com aqueles carros se traduz em uma palavra: eficiência. E, em termos de números de desempenho, continuam neste caminho. Os motores turbo são mais eficientes, mais rápidos, mas não conseguem transmitir a mesma sensação do V-8 aspirado.
O Avant azul era eficiente, extremamente capaz, e ainda tinha um motor que parecia ter sido tirado de um carro de corrida “das antigas”, soando como música para os ouvidos, com personalidade. Não tem como um motor turbocarregado soar melhor que isso. A eficiência acabou sobrepondo a sensação ao guiar. E, infelizmente, para quem gosta destas sensações, é o caminho natural e sem volta.
Esta gama de novos modelos, ultra-eficientes, existem para tocar o nosso lado racional que busca resultados, números, enquanto que o Avant azul com seu majestoso V-8 é feito para interagir com o coração. É o toque de emoção necessário em um automóvel tão eficaz como este RS.
MB