Caros leitores, prometo que em breve pararei com as histórias sobre o automobilismo argentino, mas, cá estou eu, mais uma vez, atendendo a um pedido de um leitor. Agora, do Delfim, que muito bem lembrou a fantástica saga de Oreste Berta, mas conhecido como “o mago de Alta Gracia”.
Muitos brasileiros autoentusiastas conhecem Berta como o responsável pela preparação do Maverick Berta-Hollywood Divisão 3, que fez sucesso nos circuitos brasileiros na década de 1970 com seu motor V-8 302 com cabeçotes de alumínio de Ford GT40 e mais de 400 cv sob o capô.
Mas vamos tentar colocar alguma cronologia, já que há tantos desenvolvimentos feitos por este gênio do automobilismo que se eu não utilizar alguma ordem, qualquer uma, isto vira bagunça. E apesar da minha mania de organização quando se trata de autoentusiasmo me deixo levar com muita facilidade por qualquer coisa que me empolgue e vou colocando os fatos desordenadamente, um pouco como me vem à cabeça.
Berta nasceu em Rafaela, na província de Santa Fé, a mesma de Carlos “Lole” Reutemann, em 1938. Aos 30 anos criou a Oreste Berta S.A. De suas pranchetas como projetista, desenvolvedor e construtor de motores e carros saíram modelos como o esporte-protótipo Berta LR (desenhado 100% na Argentina, com motor Berta V-8 desenvolvido a partir de um motor Cosworth), que competiu no campeonato Mundial de Esporte-Protótipo. Detalhe: O LR do nome era por causa do jornal La Razón, que patrocinava o carro.
O motor V-8 a 90º, com bloco e cabeçotes de alumínio, era de 2.984 cm³ (87,38 mm x 62,2 mm). Tinha 4 válvulas por cilindro e a alimentação por injeção no duto Lucas, de baixa pressão. A taxa de compressão era de 11:1 e a potência máxima era de exatos 420 cv a 11.500 rpm.
Os resultados eram considerados bons. “Estou muito satisfeito”, disse Berta numa entrevista da época. “Chegamos a 11.000 rpm e nada quebrou. Apenas tivemos problemas com algumas bombas injetoras, que serão modificadas. Comparando este motor com o Ford-Cosworth em regimes intermediários, o resultado é favorável para o lado do nosso motor, cerca de 70 cv mais e depois fica igual perto das 9.000 rpm para terminar num regime máximo favorável ao Cosworth”. De alguma forma, os demais componentes nacionais também aguentavam as condições extremas. Uma façanha e tanto.
O Berta LR
A história do Berta LR merece muito ser contada e mostra a habilidade de Oreste. Em 1969, ele montou um carro a partir de um chassi que era apenas um conjunto artesanal de tubos e uma carroceria de compósito de fibra de vidro, além do motor Cosworth DFV V-8 inglês — a opção foi essa apenas pela facilidade em importá-lo, o baixo custo e a facilidade de manutenção. Os primeiros testes foram difíceis: no primeiro, o próprio Oreste sofreu um acidente sem consequências para ele, mas que destruiu o carro, que precisou ser totalmente refeito.
Na segunda vez, nos testes feitos pelo piloto Oscar Mauricio Franco, houve um acidente pior ainda, contra um muro, e Franco foi ejetado a 6 metros do carro. Desesperado, o próprio Oreste arrancou um pedaço do carro para improvisar uma maca para transportar seu piloto, desacordado, até o hospital onde foi constatada uma fratura do cotovelo além da concussão cerebral. Nos três dias que faltavam para a prova, Oreste conseguiu remontar, mais uma vez, o Berta LR, que foi pilotado na 1000 Quilômetros de Buenos Aires, em janeiro de 1970, por Carlos Marincovich e Luis di Palma. Largando numa ótima terceira posição, que tiveram que abandonar depois de 28 voltas por uma bobagem – perderam um dos pesos de balanceamento de uma roda traseira e a vibração acabou danificando a semiárvore respectiva.
Na semana seguinte, na 200 Milhas de Buenos Aires, na primeira bateria novamente com Marincovich ao volante, um forte acidente, sem consequências para o piloto, destruiu o Berta LR que foi, mais uma vez reconstruído por Oreste a tempo de participar, em maio, da 1000 Quilômetros de Nürburgring, na Alemanha. Com a mesma dupla Marincovich e di Palma, o carro largou em 14º lugar, mas um vazamento de água o tirou da prova logo na quinta volta. Até 1972, houve diversos problemas e os resultados não foram bons com o Berta LR que chegou a disputar a 500 Quilômetros de Interlagos de 1972 com Angel Monguzzi ao volante, mas que abandonou a prova com problemas técnicos depois de apenas uma volta.
Como não podia deixar de ser, Oreste participou do desenvolvimento do mais argentino de todos os carros de alto desempenho, o Torino. Primeiro, quando trabalhou na IKA (Industrias Kaiser Argentina) e depois quando fez parte da célebre equipe que desenvolveu e preparou os motores do Torino que deram ao carro os títulos de campeão argentino de Turismo Carretera (espécie de Stock Car argentina, importantíssima no país) nos anos 1967, 1969, 1970, 1971 e vice-campeão em 1968.
Humilde, ele conta que sempre gostou de experimentar coisas. Um dia pegou um Rambler American e testou um motor de quatro cilindros. Depois um de seis. Depois acrescentou três carburadores Weber — e assim nasceu a base do Torino 380W. Dito assim parece tão simples, não?
Aqui vai um parêntese que acho que já contei em algum momento. Quando meu pai veio para o Brasil, no início dos anos 1970, trouxe o Torino 380W que ele tinha em Buenos Aires. Ele morava em São Paulo, mas primeiro esteve projetando e depois colocando em funcionamento uma fábrica em Rio Claro, no interior de São Paulo, e ia muito lá. Naqueles tempos não havia radares (ou os limites não eram respeitados, sei lá, não morava aqui e não tenho como perguntar a ele), e ele voava pela estrada. Numa dessas viagens, chegou perto de um carro que era o mais potente da época (não lembro se era um Opala ou Maverick V-8) e pediu passagem. O motorista foi para a direita e meu pai ultrapassou como se o outro fosse um poste. Mais adiante, parou num posto de gasolina e o mesmo motorista chegou pouco depois e pediu muito gentilmente para ver o motor. Meu pai claro, concordou. Depois de olhar cuidadosamente disse algo assim como: “OK, agora entendi por que você me ultrapassou desse jeito”.
Bom, voltemos ao mago de Alta Gracia. Depois, durante o período em que Oreste trabalhou na Renault, a marca conseguiu ganhar uma enormidade de provas e campeonatos de Turismo Carretera 2000, entre 1985 e 1996, com os modelos Fuego e Renault 19. De 1997 a 2010 participou com modelos desenvolvidos para a equipe Ford-YPF, com o mesmo sucesso de sempre. Ou seja, onde ele estava, era de onde saíam os carros campeões.
Atualmente, a Oreste Berta S.A. está instalada numa área de 14 hectares em Alta Gracia (na província de Córdoba), daí seu apelido, onde além do desenvolvimento e produção de motores e de componentes, faz motores multiválvulas para Turismo Carretera,, Turismo Carretera Pista e outras categorias. Lá mantém um centro de desenvolvimento para automobilismo e indústria automobilística em geral que inclui circuito de provas próprio e academia para formação de jovens pilotos de competição. Se não pelo histórico, que vou explicar a seguir, apenas por isso já mereceria todo o respeito que tem no país, não? Oreste está com 82 anos, é plenamente lúcido, mas já não participa tão ativamente do dia a dia dos negócios, que são tocados pelos seus dois filhos, que herdaram do pai o talento e a paixão pelo automobilismo.
(Continua na semana que vem)
Mudando de assunto: já há muito tempo parei de discutir com quem dizia que Fórmula 1 estava chata, mas este ano se alguém vier me falar isso simplesmente vou entender que nem ligou a televisão um único domingo este ano. A temporada não é apta para cardíacos de nenhum tipo. A corrida de Austin foi incrivelmente emocionante pois houve disputa em todas as posições, o tempo todo. Mais uma vez, acho que a Mercedes errou na estratégia e a Red Bull parece que começou a acertar a mão. Passei boa parte do domingo à noite me divertindo com os memes — os mais inocentes e menos virulentos, mas não menos engraçados foram com Checo Pérez: “Yes, Checo, you can have the drink now” (ironizando o rádio do Kimi quando não ligaram a mangueirinha de hidratação dele há algum tempo). E o outro que por ele ser mexicano é quase um cacto e a falta de líquido não o teria prejudicado tanto na corrida. Mas os Lewishaters e os Maxhaters estão se pegando feio no cyberespaço.
NG